Caminhando pelo lado selvagem com Danny, de Maria Elvira Brito Campos

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por Milena Machado

(para ler ao som de Lou Reed)

Ler Danny foi como conversar com um velho amigo que não costumo ver sempre, mas que continua sendo alguém que me compreende. Foi como ter alguém afagando meus cabelos e me dizendo “eu te entendo”. Os livros que considero como meus favoritos são aqueles que me abraçam porque eu sempre senti a necessidade de ser compreendida pelos outros e Danny é um livro que me entregou essa compreensão.

Danny é um daqueles melancólicos irreparáveis que não consegue se desfazer do peso das dores do mundo sob seus ombros, é alguém que tem consciência da morte e da finitude de todas as coisas. O homem comum opta por ignorar essas coisas como um meio de sobrevivência, já o melancólico é dominado pela obsessão da ideia de finitude e sofre com isso. Também sofre por aqueles que não fazem ideia da efemeridade das coisas. Mas mesmo vivendo por um triz o melancólico ainda pode ser salvo. Danny é sempre salvo por seus gatos, por sua amiga Laura e pela arte.

Danny foi escrito por Maria Elvira Brito Campos e lançado pela Editora Cancioneiro em julho deste ano. Fiquei extremamente feliz e honrada com o convite para entrevistar Maria Elvira sobre seu livro, porque antes de ser sua leitora, fui sua aluna e admiradora. Além de escritora, é doutora em Literatura Comparada e professora da Universidade Federal do Piauí. Ela é uma pessoa que exala amor pela literatura através dos poros e dedica sua vida a esse amor.

“Em seu livro de estreia, Maria Elvira Brito Campos apresenta a cativante história de Danny. Certamente, você conhece Danny: é aquela pessoa que está sempre vestindo uma camiseta preta até mesmo nos dias mais quentes de verão. É aquele sujeito que prefere passar os dias em casa ouvindo rock e tomando cerveja em companhia dos gatos e de sua melhor amiga, Laura. Danny é aquela figura que numa festa vai estar sempre quieto no seu canto, mas se alguém chegar para conversar com uma cerveja vai ouvir histórias interessantes sobre viagens, livros, filmes e exposições. O livro não fala só de Danny, narra a vida de muitas pessoas que vivem nos centros urbanos. Em seu apartamento, com seus gatos e suas dores, prefere observar a vida da janela do quarto andar. O livro é uma história urbana, adulta, inteligente, com muitas referências da cultura pop, do rock e outras referências intelectuais da literatura e do mundo das artes, mas sem esnobismo. A autora sugere a leitura de Danny ao som de Lou Reed, mas também poderia incluir na playlist músicas de David Bowie, Pink Floyd, Patti Smith, Macy Gray, Caetano Veloso, Chet Backer, entre outros. Danny é uma personagem fascinante e complexa, assim como sua melhor amiga, Betina, uma mulher independente e segura, que se permite ser vulnerável e delicada. Com uma narrativa rápida e envolvente, a autora conta uma história de amizade, de cumplicidade, de amor”. (Herbert Rodrigues)

No fim da nossa conversa eu disse que ela me inspirava a escrever e que um dia eu queria escrever algo que me fizesse colocar tudo para fora, sem medo. Ela disse que se divertiu muito escrevendo Danny e me aconselhou a escrever, escrever de uma vez só, que é sempre melhor criar histórias que passam pela nossa experiência. A nossa conversa na íntegra você pode conferir logo a seguir.

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Danny é um ser existencialista, enigmático e atormentado. Como foi o processo de criação desse personagem?

Há muitos seres existencialistas, atormentados, enigmáticos, como disse a Kátia Borges, no prefácio desse livro. Há seres introspectivos que não se distraem com o óbvio, com o que pode ser facilmente digerível. A música fez parte do processo de construção, pois pude construir uma personagem que me impulsionasse para uma das minhas maiores virtudes, a minha sensibilidade musical. Mas, ao mesmo tempo, não poderia colocar tantos elementos meus (há muitos autores que negam isso) em Danny. E o fato de ele ser homem não o impede de sentir o que há de mais humano. Ele se recolhe numa solidão necessária, sem que existam marcas de tempo ou espaço. Danny pode estar em qualquer lugar.

Quais escritores brasileiros mais lhe influenciaram na escrita de Danny?

Como me disse um amigo, Danny é um romance (novela) geracional, reconhecida, principalmente, pelos fatos que imergem e emergem de questões existenciais, como canções, livros, experiências que ficam guardadas no corpo, fígado, coração, cabeça, sexo. Enfim, Danny espelha o que está em tantas pessoas que se olham nesse espelho e se enxergam. Como diria a personagem, felizes os que não se enxergam, certamente são mais felizes.

Das minhas influências nessa escrita é complicado elencar artistas, pois são tantos. Em Danny eu vejo Caio Fernando Abreu, Ana Cristina César, Lou Reed, David Bowie, Susan Sontag, Cazuza, Renato Russo, Wisława Szymborska, ah, não posso elencar todos, pois alguns estão ali somente de passagem…, vocês terão que perceber. Essa é a delicadeza a que me propus.

A música se faz bastante presente em Danny desde seu começo, onde você pede ao leitor que leia o livro ao som de Lou Reed, depois David Bowie e Pink Floyd também se fazem presentes. Eu me lembro de ficar cantarolando a letra da música que estava sendo mencionada e eu senti que isso adiciona um certo ritmo à leitura, uma transformação na atmosfera do livro. Qual foi a sua intenção ao referenciar essas canções?

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Fico muito feliz por você ter entrado nesse ritmo. São tantas as músicas que ouvi e ouço do Velvet, fico muito feliz em saber que esse tom nostálgico ainda faz algum sentido.

Em vários momentos Danny flerta com o suicídio e ele me lembra de Septimus, personagem do romance Mrs Dalloway de Virginia Woolf, que também se perde dentro da própria mente e depois comete suicídio. O debate sobre saúde mental tem ganhado força nos últimos anos, mas ainda é bastante estigmatizado em alguns lugares da nossa sociedade. Qual o papel do escritor neste debate?

Sim, Danny é um suicida em potencial. E ele me veio pela Virgínia, nas imensas vezes que li e assisti a obra As Horas. Ele me veio por ela, pela obra AS Horas, não exatamente pela obra da Virgínia.

Além de romancista você também é crítica literária. Você acha que um ofício levou a outro? Existe uma relação?

Não acho que o fato de ser crítica ou conselheira em artigos tenha me levado a escrever. Mas a experiência da leitura, essa sim, é muito importante.

Você aborda em seu livro o elo forte de amizade que existe entre Danny e Laura. É reconfortante ver que um sempre salva o outro. O que te motivou a criar essa amizade?

A amizade é amizade. Não teria como responder o que motiva uma amizade…

Danny vai ter uma continuação?

Não sei ainda. Danny foi um respiro que eu precisava.

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Milena Machado é graduada em Letras pela Universidade Federal do Piauí. Faz parte do GEMAL – UFPI onde desenvolve estudos sobre o insólito ficcional e as manifestações do Mal na literatura, também escreve sobre literatura e cultura pop na internet.

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Maria Elvira Brito Campos é baiana, radicada em Teresina. É aprendiz do fazer literário, ativista no fazer humanista, apreciadora do que surpreende. Escritora de narrativas ficcionais breves e, vez ou outra, entre imagens vividas ou imaginadas, flâneur. Possui doutorado em Literatura Comparada e é professora da Universidade Federal do Piauí.

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