Fazer Crítica é o Meu Trabalho, Entrevista com Jota – A

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Por Aristides Oliveira, Bernardo Aurélio e Demetrios Galvão e participação de Emilia Rafaelly. Uma parceria Revista Acrobata e Quinta Capa.


José Antônio Costa, filho da dona Maria José Feitosa, mais conhecido pela alcunha de Jota A é um cara gente boa e um artista dos mais valiosos que esse Brasil tem. Um ser humano de humor refinado e linguagem ferina. Seu traço ágil e sacadas geniais, levou-o a se tornar um dos chargistas/cartunistas mais premiados em Salões de Humor, da sua cidade e até a Turquia. Além do trabalho direto com o humor ele também é responsável pela organização do Salão Medplan de Humor.

Aproveitamos o momento que ele acabou de lançar o livro “As Premiadas do Jota – A”, por um financiamento colaborativo no Catarse, para fazer essa entrevista com as marcas dessa nossa condição de isolamento. Então, cada um, na segurança de sua casa, elaborou algumas perguntas e juntamos as ideias na composição de um roteiro. Seguindo os protocolos do uso de máscara e de álcool em gel, enviamos as perguntas higienicamente preparadas por e-mail para o nosso amigo Jota – A responder. 

No processo de realização da entrevista, de idas e vindas de perguntas e respostas, sai a notícia que o camarada ganha mais um prêmio, de pronto, o escritor Cineas Santos escreveu na sua página do Face Book “o nosso Jota A é a quinta essência do humor gráfico que se faz no Brasil hoje. O livro As premiadas do Jota A, recém-lançado, já está desatualizado: o cartunista acaba de ganhar mais um prêmio no famoso Salão de Humor de Piracicaba, o mais importante do país. Jota é bem mais que um simples artista premiado; é um cidadão digno, talentoso e, acima de tudo, humilde, avis rara numa terra onde pululam mediocridades reluzentes.”

A entrevista foi realizada entre o final do mês de agosto e o início de setembro, no momento que o Brasil passa dos mais de 125 mil mortos pela covid-19 e a república das bananas, segue à deriva politicamente. Boa leitura.


Menção Honrosa no II Ecocartoon, Brasília (DF) 2009 e 2º Lugar na VI Mostra de Humor Gráfico Da Semana do Meio Ambiente, Campina Grande (PB) 2018.

1) Quando você percebeu que era o momento para se dedicar a arte do desenho? Qual foi o insight que colocou o lápis na tua mão?

Posso dizer que “quase nasci” com o lápis na mão. Lembro que com 4, 5 anos eu já passava muito tempo riscando o chão na casa onde eu morava em Coelho Neto / MA. Também riscava os cadernos desenhando bules e casas. Achava os bules com um design fantástico. Adorava desenhá-los. Depois descobri os quadrinhos e foi aquela festa. Já morando em Teresina, as revistas de humor como a “Chiclete com Banana”, do cartunista Angeli e a “Prato Feito”, do cartunista Pelicano, irmão do saudoso do Glauco.

Depois descobri as charges do Lasan e tirinhas do Laerte e Nani no jornal “O Dia”. Em agosto de 1988 o país vivia em crise e eu mais ainda. Eu, minha mãe e 3 irmãos sobrevivíamos de uma pensão deixada por meu falecido pai de pouco mais de 1 salário mínimo. Quando descobri a “Chiclete com Banana” decidi que queria ser cartunista. Quando a crise bateu lá em casa falou: o momento é esse. Vai trabalhar, rapaz! Juntei alguns desenhos e fui bater na redação do jornal “O Dia”. Em 10 de setembro, daquele ano, comecei a trabalhar na redação.  

2) Quais são as principais referências que te inspiram no processo de criação dos seus trabalhos?

Angeli, Pelicano, henfil, Ziraldo, Dálcio Machado

3) “Como Angeli, Pelicano, henfil, Ziraldo e Dálcio Machado influenciaram seu traço? Como você trabalha essa influência? Existe algum trabalho específico desses autores que mais te marcou?”

Foi com o Angeli que tive meu primeiro contato com o desenho de humor. Copiei muito os desenhos da Chiclete com Banana. Depois descobrí numa banca de jornal uma revista chamada Prato Feito, do cartunista Pelicano. Fiquei fascinado com a forma com que o Pelicano desenhava e isso influenciou muito o meu desenho. O desenho do Ziraldo eu já conhecia. Nessa época, 1980, Ziraldo fazia uns pósteres contra o fumo com uns desenhos belíssimos. Foi paixãoà primeira vista. Um dia, vendo os trabalhos do salão de humor do Piauí encontrei os desenhos do Dálcio. Fiquei tão impressionado com a forma com que ele usava o pincel em uma caricatura do papa que abandonei o bico de pena, que usava para fazer os meus desenhos e passei a usar o pincel.

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Jota – A com os cartunistas Angeli eSolda, no XVIII Salão Carioca de Humor em 2006.

4) Jota A você um mestre na arte das charges e tirinhas, tem sacadas geniais e é sempre certeiro nas ironias. Como é o teu processo, a elaboração do seu pensamento antes da execução no papel?

Procuro ler muito. Leio do livro às bulas de remédio. Da Bíblia às histórias em quadrinhos. Assisto também muito filme e ouço muito rádio. Sempre estou fazendo várias coisas ao mesmo tempo: sempre desenho ouvindo música ou programa de notícias. Leio vários livros ao mesmo tempo. Tem alguns que só leio no banheiro. Tento também ser disciplinado. Acordo todo dia às 6h20min e vou dormir às 0h todos os dias. sábado, domingo ou dia santo e, claro, tudo tento transformar em um cartum, uma HQ ou numa charge. Algumas vezes acordo de madrugada com uma ideia e levanto pra desenhá-la. Não relaxo nem na missa. Sempre levo um caderninho para anotar as ideias. As vezes o padre fala alguma coisa e já bolo um cartum.  

5) Estava observando seu livro e percebi que alguns dos temas mais recorrentes são meio ambiente, religião (com forte destaque para a pedofilia), racismo e política (com desdobramentos em subtemas como violência, terrorismo).  O quanto deste retorno a esses temas é uma decisão sua e o quanto é imposição dos salões que você participa?

Todo mundo devia defender o meio ambiente. Como sou cartunista desenho denunciando o desmatamento, poluição. Se fosse um político seria essa a minha bandeira de luta. Sou muito religioso. Começo e termino o dia rezando. Faço muitos desenhos sobre pedofilia como uma forma de denunciar esse mal existente nos religiosos. Para os salões de humor faço charge contra a corrupção, racismo, unha encravada… Os jurados é que, às vezes, escolhem os que fala da pedofilia e meio ambiente, rsrsr.

6) Dos seus trabalhos em cartum, você já sofreu algum tipo de “censura” ou “chamada” pelo conteúdo ser “forte demais” ou “inapropriado” para ser publicado nos jornais? Caso isso ocorresse, como você imagina sua reação diante deste fato?

Já fiz um desenho que a direção do jornal me pediu que eu retirasse. Foi quando um promotor de justiça de Teresina cometeu suicídio. As primeiras investigações apontavam que ele bebeu vodca e depois cometeu o suicídio. Eu fiz um desenho com o título Armas perigosas e fiz uma arma, uma espingarda e um litro de vodca. Depois avaliando vi que era uma charge infeliz. 

7) Como você se relaciona com esses temas, em especial à religião? Muita gente critica humoristas que satirizam a fé cristã, mas não teriam coragem de “brincar” com o Islã e você vai lá e é premiado com uma charge que tem o Maomé desenhado. Como é isso? Não tem medo dos molotov voarem lá no Mocambinho?

O Mocambinho é muito longe, rsrrs. Ser cartunista é cutucar a onça com a vara curta. Sempre. O trabalho do chargista é fazer uma análise crítica. Se não fizer isso não é chargista. Não existe chargista a favor. Somos sempre do contra. De tudo. Somos da oposição. Inclusive da oposição.

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8) Jota A você é um artista premiado com trabalhos reconhecidos que vão além do seu lugar geográfico de origem. Observo que comumente os artistas do Piauí, em especial, os da sua geração migraram para buscar o seu lugar ao sol e você conseguiu esse reconhecimento com o sol do Piauí, ele lhe bastou (rsrs) ? Fala dessa tua “escolha” de ter ficado no Piauí.

Sempre utilizo uma frase do Cineas: Teresina me basta! Aqui sou feliz. Se fizesse um poquim menos de calor aqui seria o paraíso! Com a internet, lá do Mocambinho você pode trabalhar para o Niuiorquitaimes! 

9) Seguindo ainda no rastro da pergunta anterior, você tem um trabalho muito forte em Teresina organizando eventos, publicando livros, participando de salões de humor e escrevendo diariamente em jornais. Como é viver de arte e de humor em país como o Brasil e em um Estado como o Piauí?

Procuro fazer muita coisa na arte para poder pagar as contas: curador de salão de humor, ilustração e programação visual de livros, caricaturas, projetos de arte, pintura de murais… Se me chamar eu vou!!

10) Como o seu trabalho é percebido por sua família, a sua arte já contaminou alguém de casa?

No início foi complicado. Deixa essas revistas aí e vai estudar, menino! Rsrrs. Mas depois se acostumaram. Meu irmão Nonato e meu filho Tiago são publicitários. Meu sobrinho Italo é designer gráfico. Creio que influenciei os três de alguma forma. Sempre chamei os três pra fazer algum trabalho comigo. O Nonato coloriu durante muito tempo os desenhos que eu fazia para O Pasquim 21. Meu sobrinho me ajudava nos trabalhos gráficos do Salão Medplan e meu filho já escaneou e coloriu muitos desenhos meus. A próxima da lista é minha filha Janiele, que desenha muito bem e é quem escaneia muita coisa pra mim. E também apaga o lápis dos meus desenhos. Ô coisa chata é apagar o traço do lápis em desenho!! Nãn.

Jota – A, em sua casa, assinando exemplares do seu livro “As Premiadas do Jota -A”

11) “As premiadas do Jota-A” é seu novo livro, que reúne um conjunto de experiências que misturam humor e crítica social. Como você define esse lançamento através de um balanço da sua carreira?

Gosto muito de publicar livro. Foi graças a uma revista que escolhi ser cartunista. Então ficaria feliz se um dia alguém me dissesse: sou cartunista porque um dia li o seu livro. O livro “As Premiadas” é como uma prestação de contas. Também serve para o povo ver quantos prêmios já ganhei. Vai que o cara ver por aí que sou o cartunista mais premiado do Brasil e fica imaginando: cunversa!! Esse Jota não é essas coisas toda que o Cineas fala. Deve ter só uns 7 prêmios!!

12) Você acabou de ganhar mais um prêmio com uma charge política, dessa vez o primeiro lugar no 47º Salão de Humor de Piracicaba, na categoria Charge. Comenta sobre essa experiência rotineira de ganhar prêmios. Você acha que prêmio é algo decisivo na carreira de um artista ou é só um detalhe?

Ganhar prêmios é sempre uma emoção. Nem que eu ganhe 3 em um dia. Ganhar um prêmio no Salão de Piracicaba, que é o maior do Brasil, então nem se fala! O prêmio serve para mostrar que você está no caminho certo. E também para pagar as contas (rsrrsr)!!

1º Lugar no 47º Salão de Humor de Piracicaba (SP) 2020

13) O seu livro “As premiadas do Jota A” foi publicado a partir de um financiamento colaborativo, uma iniciativa que vem dando certo para vários artistas e escritores, fala um pouco desses bastidores para a realização do livro e do seu envolvimento com as plataformas digitais. Além, dos projetos futuros.

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O Catarse é a maior editora de livros que existe no Brasil. Basta ver a quantidade de livros publicados graças ao apoio do povo no Catarse.

14) Jota, sabemos que é um cara bem articulado e ligado nas coisas que acontecem na sua cidade. Então, quais as suas impressões sobre o cenário cultural do Piauí e como observa o que vem sendo produzido dentro dos anos 2000/10? Tem algo em específico que tem chamado tua atenção?

Pra mim fazer arte é muito pouco. Necessito conhecer o trabalho de outros artistas, trabalhar em grupo, fazer eventos em que possamos nos encontrar, discutir nossos trabalhos, etc. Vou a quase todos os lançamentos de livros, revistas em Teresina e exposições. Faço parte do NUGRAPPI, núcleo de gravura e pesquisa da UFPPI, que trabalha com xilogravura, outra de minhas paixões. Sou vice presidente da União dos Artistas Plásticos do Piauí-UAPPI onde fazemos anualmente várias exposições de artes e nos reunimos quinzenalmente pra ver questões relativa à arte. Sinto falta do Salão de Artes Plásticas. A FCMC criou o Salão de Artes Visuais, mas preferia o formato do salão de artes plástica onde cada categoria como pintura, desenho e escultura era premiada. Outra coisa que ajudava muito a classe artística na publicação do seu material era a lei A. Tito Filho de incetivo à cultura que continua parada. Falou-se muito no Museu da Imagem e do Som. Mas até agora pouca coisa foi feito a esse respeito.

Menção Honrosa no 1st Welt Heimat War And Humanity Internacional Cartoon Conteste (Turquia) 2019

15) No prefácio do livro, Cineas Santos diz que o humorista é sempre um grande indesejado por uma razão simples: para ele o rei está sempre nu, e o humorista apenas o revela.  Nesse seu primeiro volume de trabalhos premiados tem apenas 1 charge com o Lula e outra com a Dilma. Você costuma revelar mais os “Reis do Brasil” em outros trabalhos não contemplados nessa coletânea? E como lida com a atual censura do Bolsonaro que virou uma tirinha continuada, uma verdadeira ação de cartunistas de todo o Brasil contra a postura fascista do presidente?

Tenho muitos desenhos premiados com o Lula. Coloquei apenas um do Lula e outro da Dilma porque tinha muitos outros trabalhos que gosto e que foram premiados, mas o espaço era pouco. Só do Lula lembro de uns 3. Todo dia faço uma charge crítica do presidente. Não importa se o presidente é o Lula, Dilma, Bolsonaro o Zé do Ovo. Nunca recebi nem uma moeda pra falar mal ou bem de qualquer político.

Eu pensava que petista era bicho chato. Os bolsonaristas me mostraram que eu estava enganado. Bolsonarista é pior que flamenguista. Se postar uma charge com o Flamengo você é capaz até de apanhar. Fanatismo é ruim. Não importa se é político, religioso ou esportivo. Sempre critico a ação dos políticos, nunca critico o lado pessoal, a família. A não ser se você for da família Bolsonaro… rsrsr ! Fazer crítica é o meu trabalho!

16) Susan Sontag afirma que atualmente vivemos a proliferação de interpretações da arte, esta que envenena as nossas sensibilidades. Por vezes, a interpretação pode ser entendida como uma redução da arte ao seu conteúdo e ao interpretá-lo poderia se causar um efeito de domar a obra de arte tornando-a submissa. Para você, qual o papel da interpretação dos leitores/as nos seus trabalhos? Que tipo de síntese você espera alcança com suas produções?

Cada leitor interpreta de uma forma diferente. E não interfiro muito nisso. Já ouvi gente dizer, olhando para um dos meus desenhos, que ele significava uma coisa totalmente diferente do que eu queria mostrar. Às vezes, até é algo próximo. Mas eu não sou muito de explicar charge. Cada charge minha tem muitos comentários no Instagram. Se tiver o Bolsonaro na charge chega, às vezes a 70 comentários. A maioria, claro, criticando o chargista. No face acontece a mesma coisa.

17) Você produz sínteses visuais incríveis sobre o Brasil. Pelas respostas que nos apresenta na entrevista é clara a sua posição na veia, sem muitas firulas ou discursos longos. Qual a síntese que você faz do Brasil de hoje numa frase?

Eu usaria a charge premiada agora em Piracicaba. Ela fala por mim!!

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