“Sob a Luz Negra”: suspense psicológico de André Souto questiona a condição destrutiva do homem enquanto espécie

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por Laura Redfern Navarro

Em estreia via editora Penalux, escritor mineiro que reside em Brasília (DF) lança obra que vai a fundo no sistema público de segurança para descortinar um cotidiano real e tratar da violência em todas as suas esferas; livro terá adaptação para o teatro .

‘‘Não se engane: não há dia fácil nesse lugar.’’

Trecho de “Sob a Luz Negra”.


André Souto (@andresouto_escritor) é servidor do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios) e conhece bem as estruturas de segurança pública. Sob a Luz Negra” (Editora Penalux, 220 pág.), seu romance de estreia, ambientado em Brasília, onde o escritor mineiro reside, apresenta um panorama do cárcere e violência urbana no país, provocando discussões sociais, políticas e existenciais. A obra está concorrendo ao Prêmio Literário da Fundação Biblioteca Nacional (categoria Romance – Prêmio Machado de Assis).

O assunto complexo é conduzido através da escrita descritiva de André em um livro que cerca um mundo negligenciado pela população – mas diretamente relacionado ao bem-estar comum. A leitura apresenta as ‘regras do jogo’ entre policiais e bandidos, investigando a maldade humana, sem deixar a desejar no suspense e estabelecendo uma trama envolvente.  Uma adaptação para o teatro está sendo preparada pela companhia “Fábrica Grupo de Teatro”, sob produção e direção de Wellington Dias, e será anunciada em breve. 

Narrado por um protagonista paranoico, o livro é, como explica o próprio autor, uma metáfora sobre verdades e evidências fora do espectro visível, onde nada é o que parece. À medida que a história avança, os medos dos personagens passam a transbordar as páginas até revelar o que uma pessoa é capaz de fazer quando vê sua sobrevivência em risco – e nas palavras de André, “quando se torna uma ameaça à própria espécie”.

Drama psicológico envolto de um relacionamento conturbado e uma realidade assombrosa

A história introduz seu personagem principal em meio a uma fuga, sem maiores detalhes, para logo depois revelar como ele e a esposa grávida vieram a ocupar uma casa abandonada no meio do nada. Oscar e Nina vivem como se cada passo pudesse os levar para um beco escuro e sem saída. Ele é agente num presídio federal de segurança máxima e lida todos os dias com líderes de facções e alguns dos bandidos mais ferozes do Brasil. Em razão de sua função, a mente perturbada de Oscar faz com que adote rígidos protocolos de sobrevivência e imponha a sua esposa seus medos, arrastando-a para o centro de suas paranoias. 

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O casal lida com a pressão sofrida por Oscar no trabalho e com as condições de seu relacionamento, uma vez que Nina também lida com um transtorno de saúde relacionado ao controle de seus impulsos. E chega a desenvolver certo fascínio por armas à medida que o pânico e os sentimentos pelo marido se misturam. 

André abre seu romance com “O homem é o lobo do homem”, citação inserida em “O Leviatã”, obra mais famosa de Thomas Hobbes. Com a sentença, o autor reflete sobre a natureza violenta da humanidade. Hobbes acreditava que o ser humano precisa ser regido por leis para coibir essa essência de dominação e brutalidade. “O Leviatã” e o pensamento do filósofo inglês são o ponto de partida para a concepção de “Sob a Luz Negra”

“Tracei um drama psicológico começando a pensar em um enredo o qual permeia a tensão interna e externa de um casal’’, afirma o autor, que cita também como referências diretas da obra “O estrangeiro”, de Albert Camus, “O Senhor das Moscas”, de William Golding”, “Ilha do Medo”, de Dennis Lehane e “Gog Magog”, de Patrícia Melo.  Também o influenciam como escritor Machado de Assis, Augusto dos Anjos, Álvares de Azevedo, Milton Hatoum e Ana Paula Maia.

O escritor explora as tensões existentes entre poderes políticos, a força policial, a imprensa e os encarcerados. Ele conta que escolheu o tema para retratar a partir do cotidiano de pessoas comuns os medos e anseios dos indivíduos que compõem a organização do Estado e da sociedade. Não à toa, as neuroses de seu protagonista se manifestam por vozes que Oscar chama de seu “animal interior” – e enxerga a população carcerária como “lobos” prontos para devorá-lo. 

“Sob a Luz Negra” tece um romance que, além das reviravoltas, surpreende e cativa os leitores pelo domínio que o autor tem de seu universo. André consegue não apenas fazer com que seja possível encarar o mundo pela perspectiva obscura e doente de Oscar, como também o torna possível assimilar os elementos presentes em sua rotina de trabalho. 

Além do Direito, André diplomou-se Mestre em Engenharia Civil e em Geografia pela UFG. Fora os textos acadêmicos, escreveu e protagonizou a peça “Ventre Nosso”, produzida profissionalmente para o Ministério da Saúde em 2004, com espetáculos em várias capitais.  Entre os anos de 2017 e 2020 foi agenciado pela Increasy. Na bagagem do autor, também estão ‘Ossos do Clima’, novela literária publicada em 2017 e o e-Book ‘‘Anjos do Haiti’’, que concorre ao Prêmio Kindle de Literatura em 2023. Seu próximo romance está em desenvolvimento e também se passa em Brasília.

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André Souto, mineiro radicado em Brasília com a família, é servidor do Judiciário Federal e professor universitário. Diplomou-se em Direito, Geografia e é Mestre em Engenharia Civil pela UFG. Escreveu e protagonizou a peça Ventre Nosso, produzida profissionalmente em 2004, com espetáculos em várias capitais. Em 2017, publicou Ossos do Clima, uma novela literária. Sob a Luz Negra é seu romance de estreia.

Confira alguns trechos de “Sob a Luz Negra”: 

“Por instinto, busco com os olhos a mala empoeirada suspensa na parede úmida, sempre pronta em caso de fuga. Só posso torcer para não falhar. Aperto a empunhadura da pistola. Os nós dos dedos perdendo a cor. Aquele seria o caminho mais simples: deixar tudo para trás, encontrar outros falsos nomes, uma décima cidade. Mas com o avanço da gravidez, seria loucura continuar dormindo em barracas e fugindo das barreiras montadas em cada rodovia.
Precisávamos continuar fora do radar deles. A criança é prioridade, a razão de todo empenho, acima dos riscos, de todas as regras. Cada lugar, cada pessoa,
uma ameaça em potencial. Saco a Glock e bato a porta. Se você segue as regras, sobrevive”.

***

“Entrei, acionando o motor e as travas das portas, antes mesmo de colocar o cinto. Quando comecei a me deslocar, o apito de alerta ressoou enquanto um boneco luminoso piscava no painel, pela ausência do item de segurança. Acelerei verificando os retrovisores todo o tempo, como havia aprendido no curso de direção tática. Mas fui interrompido pelo celular que vibrava no porta-copos perto do freio de mão, desviando meu olhar para um balãozinho brilhando em verde na tela. Apertei a direção, os dedos ficando brancos. Merda, ela conhece as regras!

Reduzi a velocidade ao passar pela última cancela que delimitava a área de segurança do presídio, então li a mensagem: NÃO DEMORE! Acelerei, lembrando de acender os faróis, que resplandeceram no asfalto molhado da estrada adiante, que terminava em um cruzamento em T. Com cabeça se movendo de um lado para o outro, entrei sem sinalizar na pista cheio de rachaduras ligando o Complexo da Papuda ao Jardim Botânico, o caminho mais curto.
Droga! Eu sempre pegava uma rota diferente e aleatória, nunca as opções naturalmente disponíveis.
Mas havia o recado de Nina flutuando em minha mente, latejando. Não tinha tempo para aquilo. Cada segundo perdido era uma chance de queda.
Segui em alta velocidade, os espelhos mostrando as luzes de outros carros ficando para trás em cada ultrapassagem imprudente”.

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***

“O medo é aquilo que conecta as pessoas. Um sentimento contagioso que permeia a humanidade obrigando-nos a recuar nossos desejos. É aquilo que nos intimida, por temermos as punições e não porque aprendemos a lição. Esse deveria ser o limite, algo que retardaria nossos impulsos animais, reprimiria as paixões. Mas até chegarem aos presídios de segurança máxima, todos os internos não pareciam se importar com essa prerrogativa social. Agiam como se não houvesse nenhuma ordem estabelecida, como se todos se curvassem aos seus dentes, uivos e armas.
Entretanto, já na quarta noite no cárcere, se ouviam os primeiros gritos de protestos distantes, ainda no espaço gradeado entre as galerias, onde Érico e eu nos
preparávamos para recolher os livros com conteúdo previamente avaliados. Nada violento entrava, ninguém queria instigar a mente de sentenciados a séculos de reclusão.
— Isso aqui é uma fábrica de malucos. — A já conhecida reclamação de Gangorra ganhou novamente a ala, percorrendo o trecho vazio de concreto.
— Fazem de propósito! Querem foder nossa mente! — Um segundo preso continuou a ladainha. — Mas eu não vou enlouquecer! Tá me ouvindo? Eu não vou!”

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