.2 Poemas de Elio Ferreira

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Elio Ferreira (PI) é poeta, professor, pesquisador, militante negro, capoeirista. Filho de um ferreiro e uma mãe costureira, nasceu na cidade de Floriano, sul do Piauí, em 1955. É professor da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e foi o criador do sarau Roda de Poesia e Tambores. Publicou os livros de poemas: Canto sem viola (1983), Poemas de nordeste (1983), Poemartelos: o ciclo de ferro (1986), O contra-lei (1994), O contra-lei e outros poemas (1997), América negra (2004); e os livros acadêmicos: Literatura e cultura afro-brasileira (2013), Poesia negra das Américas: Solano Trintade e Langston Hughes (2006), dentre outros.


O Ferreiro e o Martelo
Ao meu pai Aluízio Ferreira, in memoriam

O meu pai é ferreiro,
Ele acorda de manhã,
Bem cedinho,
Na hora dos passarinhos,
O martelo TEM TEM TEM…

O meu pai é ferreiro,
Ele acorda a casa,
Acorda a vizinhança,
Acorda a minha rua,
Acorda o bairro inteiro,
O martelo TEM TEM TEM…

O meu pai é ferreiro,
Um menino puxa o fole:
A oficina, a forja, o fogo,
O ferro em brasa, a bigorna,
A tenaz e a geometria do ferro,
O martelo TEM TEM TEM…

O meu pai faz enxada, foice e machado.
O meu pai faz chocalho, espora, brida e cabeçote.
O meu pai faz faca, facão, rifle e espingarda.
O meu pai faz marca de ferrar e ferradura.
O meu pai faz porca, parafuso, portas e portões.
O meu pai faz o diabo-a-4 de ferro.
O martelo TEM TEM TEM…

O meu pai é ferreiro,
Ele conta histórias bonitas para mim,
Ele acorda de manhã
Bem cedinho,
Na hora dos passarinhos.
O martelo TEM TEM TEM.


Esperança Garcia
(Uma reescritura da Carta da escrava Esperança Garcia)

Brasil,
meu Brasil Negro.
Sou Esperança Garcia do Piauí:
escrava da fazenda Algodões da Coroa
de Portugal,
casada e mãe de dois filhos.
A escola é maçã proibida para
escravos:
de cada cem ou mil,
um de nós sabemos ler ou escrever.

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Sei ler e escrever,
coisa rara entre nós da escravaria.
Escrevi a “Carta” de 6 de setembro de 1770,
escrevi a “Carta” ao Governador da Capitania
do Piauí.
Contei-lhe as trapaças e as perversidades
do Administrador das fazendas reais,
contei-lhe das “trovoadas de pancadas”
contra o meu filho,
um menino de três anos de idade,
este chegou a sangrar pela boca.

O Administrador me tirou de perto
dos meus filhos e do meu marido.
Ele me confinou na casa dele.
Sou um “colchão de pancadas”,
uma vez caí do sobrado, rolei escada
abaixo,
quase morri:
eu estava peada feito bicho brabo.

Escrevi ao Governador sobre a peia,
o chicote, as humilhações
contra mim e parceiros de
escravidão
da Inspeção de Nazaré do Piauí,
e fugi com os meus filhos:
um de sete meses,
nos braços,
e o outro de três anos.

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