3 Poemas de Leonam Cunha

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Leonam Cunha nasceu em Areia Branca, Rio Grande do Norte, Brasil. Em 2012, publicou Gênese, o seu primeiro poemário. Em seguida, Dissonante (Sarau das Letras, 2014), Condutor de tempestades (Sarau das Letras, 2016) e Para tempos suspensos: poemas selecionados & avulsos (Sarau das Letras, 2020). Tem textos publicados em várias antologias, vindas à luz no Brasil e na Espanha. Como tradutor, verteu ao português publicações de Liliam Moro, Ingrid Valencia, Juan Carlos Olivas, Luis Borja, Dennis Ávila, Margarito Cuéllar, David Sánchez Rubio, Holly Lewis e Paul B. Preciado. É docente da disciplina “Jovens, discriminação e diversidade” no Máster em Identidade Sexual e Diversidade LGTBI+ da Universidade de Salamanca. É bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, máster em Estudos Interdisciplinares de Género e doutor pela Universidade de Salamanca. Publicou diversos artigos científicos e capítulos de livro.


PINTURA

Nos entres do campo de girassóis,
ele desnudo, brilhantemente aberto.
Sob o sol nos derradeiros do dia,
o girassol amarelece intenso.
A pele dele me cega com esta luz
dobrada, mas sei que ele existe.
Ele: desnudo, aberto, girassolar,
amarelíssimo, fundido, invisível.


DOMINGO

Todas as corujas já arrancaram o escuro
da manhã. A claridade já invadiu as casas
pobres e ricas. Não falamos de democracia.
Que fazer com esta manhã de domingo,
com o final modorrento deste verde abril?
Aos domingos já não vamos à missa,
a praia fica longe e amanhã começa tudo
de novo outra vez até morrermos enfim.
Viola o vento a serenidade dos ciprestes,
as formigas trabalham porque não fazem
ideia de que é domingo. Onde está o Senhor
que não vejo? Que maquiagem uso o Senhor?
É o dia dele e não sabemos que pediu de
café da manhã. Pão, leite e menos desgraça?
Meus dentes esperam ansioso o momento
do sol ao meio-dia, o cajado abrindo-nos
pela metade, a comida, a mesa, os parentes.
Onde está tudo isso que eu tanto odiava?
Que fará de nós esta manhã de domingo?
Que nos prepara? Um caminhão de lixo
protagonizando um atropelamento,
uma dose de aguardente antes das onze,
a felicidade imprescritível, um atum cheio
das mazelas do oceano? Esperamos
morrer bem quietos, porque é domingo.


RÉVEILLON

Hoje que é dia de ano novo
clareio a névoa plúmbea
que sobre meus olhos salpica
importo-me com coisas inúteis
desejo que todo o mundo olhe
bem mais para as coisas inúteis
Hoje que é dia de ano novo
vou beber uma garrafa inteira
de vinho, não ligo para o porvir
que escolta o vômito e a dor
a dor vai doer no ano que chega
porque o ano que chega não é
um ano inaudito, é somente
uma folhinha do calendário,
é apenas nosso jeito de dispor,
de rotular, de arrumar o mundo
Hoje que é dia de ano novo
não é dia de ano novo na China
há um bilhão de pessoas
que não prestam atenção
a este ano novo, e no entanto
é ano novo para mim que
penso que nalgum recanto
por mais reles que seja
alguém pensa junto a mim
que é ano novo, e essa faísca
passa de um lado para outro,
é como um câncer, como uma
fórmula quântica, como um
condenado à morte que antes
do patíbulo move os beiços
soletrando o nome de um
companheiro seu, o que sempre
leva à execução de outra pessoa,
o que eu queria parar e não posso
embora é certo que é ano novo.

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