3 Poemas de Djami Sezostre pela leitura de Antônio Cunha

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foto do poeta por João Debs

Djami Sezostre ao Tríptico

Neste último ano especialmente tenho me defrontado, ou melhor, me encontrado com poetas das mais variadas vertentes, de escritas vigorosas, pungentes, apaixonantes. Um deles é o artista Djami Sezostre, de quem tive o prazer de interpretar até o momento três poemas diversos, mas plenos destes qualitativos: “Catequese”, “Os Meninos” e “Quaresma”. Abaixo descrevo um pouco do meu processo de criação dos vídeos com esses três poemas e inseridos, os dois primeiros na Série Outros Autores, e o terceiro na Série Do InVerso a Toda Prosa, ambas disponíveis no YouTube, no canal Antônio Cunha – Teatro e Literatura.

Cada poema ou texto escolhido recebe um tratamento particular. No entanto, alguns procedimentos básicos são comuns: a leitura sucessiva do poema, o estudo de cada palavra, cada frase, a partitura de cada poema. Como ator, busco a personagem ou personagens diretas ou indiretas, o contexto, o subtexto. Depois, parto para as particularidades.

“Catequese” possui uma agudeza peculiar, um discurso direto com uma assustadora verdade nele exposta e denunciada. Mas é no ritmo que o poema se faz mais contundente. E foi este ritmo que me impulsionou como ator. O ritmo do discurso de convencimento que rouba o fôlego, que deixa o ouvinte/leitor atônito, na linha das mais inflamadas pregações. A busca pelo fundo musical apropriado, que imprimisse a dança das palavras, me levou à Danse Macabre, de Camille Saint-Saëns, dando, além da toque irônico desejado, o histrionismo, a cadência e as pausas estudadas.

“Os Meninos” traça um caminho inverso. Um poema bordado na pele, com fios tênues e agulha muito fina. Ou uma taça transbordante de memórias de alto teor melancólico. No processo de interpretação busquei o menino, ou todos os meninos possíveis que constituem um homem sem jamais abandoná-lo. Não vislumbrei na obra um tom de rechaço, de negação ou de denúncia, mas de convivência com o passado tão presente e a busca insistente de sua compreensão. E pretendi, em tudo, a delicadeza. A referência ao oboé no texto me levou ao Concerto para Oboé em Dó Maior de Mozart e encontrar nele aquela mesma delicadeza.

“Quaresma” me chegou por último e me ofereceu dramaturgicamente uma impactante sessão confessional, onde o confessado são as perguntas e não as respostas. Imprimi na personagem uma postura entre o conformismo e a incredulidade, buscando reforçar o absurdo do real exposto pelo poema. Foi o único vídeo até o momento, dentro das séries que venho produzindo, em que falei diretamente para a câmera, no intuito de fazer o expectador se sentir o ouvinte privilegiado dessa confissão. O Concerto para Piano nº 2 de Rachmaninoff foi o fundo escolhido pela dramaticidade que marca a obra do compositor e pelo andamento ideal empregado.

Antônio Cunha, Teatrólogo

CATEQUESE

Vamos arrebanhar os fiéis, mas os infiéis também.
Vamos arrebanhar os infiéis, mas os fiéis também.

Inclusive, Senhoras e Senhores, aqueles que traíram
As mães e deixaram as pobres nas ruas da amargura.
Inclusive, Senhoras e Senhores, aqueles que comiam
As irmãs e deixaram as pobres nas ruas da amargura.

Vamos arrebanhar os fiéis, vamos arrebanhar, vamos.
Os crentes ou não. Os incrédulos ou não. As virgens
Ou não. As lésbicas ou não. Os milionários ou não.
Os miseráveis ou não. Os pretos. Os brancos. Ou não.
Ou não. Hermafroditas ou não. Africanos ou não.
Latinos ou não. Europeus azuis. Europeus verdes. Ou
Não. Ou não. Americanos burros. Ou não. Bestas ou
Não. Gente de qualquer tipo serve para a Congregação.

Jesus está vivo!

Vamos arrebanhar os idiotas, inteligentes ou não. E
Vamos passar as próximas férias em Punta Cana…

(SEZOSTRE, Djami. “O pênis do Espírito Santo”. São Paulo: Editora Patuá, 2018. p. 66-67.)


OS MENINOS

Durante a temporada do solar eu tive posse da solidão
e carruagens de seda alimentando o meu espírito.

Durante a temporada do solar eu tive os meninos fugazes!
E carruagens de seda, organdi e musselina
rasgando o meu espírito condescendente.

Se a temporada do solar segurasse a tristeza da estiagem
para o longe do rio que tenta criar leito em minha face
eu, vago silêncio do nada, buscaria a fonte e a beberia.

E o facho de lume não ganharei na revoada dos pássaros.
Revoada de pássaros e peso de abandono!
Passos de morcegos e corpo de fantasma em revelação!

Sim, durante a temporada do solar eu era posse dos meninos,
aqueles meninos de trigo nos olhos e ouro nos cabelos
e
mares de papéis soltos dentro de minha cabeça.

E hoje eu sou o equilíbrio de uma balança triste,
os meninos são oboés de cristais, e na distância obstinada,
a fuga
da estrada do cavalo noturno que cresce e vive tão mal.

Durante o solar a temporada pertencia aos meninos tão
adventícios
e o inverno que não era tão amargo
mas exíguo e retardado
aprisionara a partida ao sabor da convulsão do rio

e a convulsão e a água,
onde me destrincho, aprisionado aos oboés de cristais.

(SEZOSTRE, Djami. “Águas Selvagens”. Belo Horizonte: ASBRAPA, 1990. p. 31. )


QUARESMA

Perguntam-me, o meu nome,
Perguntam-me, onde nasci,
Sou filho de quem, de que família

Perguntam-me, onde moro,
Perguntam-me, se vivo sozinho,
Perguntam-me, onde trabalho

Perguntam-me, a minha idade,
Perguntam-me, se meus pais vivem
Perguntam-me, se tenho filhos

Perguntam-me, se gosto de animais,
Perguntam-me, se gosto de vegetais,
Perguntam-me, a cor de um mineral

Perguntam-me, se escrevo livros,
Perguntam-me, se planto lírios,
Perguntam-me, se olho para outras

Perguntam-me, a minha cor,
O meu sexo, a minha fantasia,
Perguntam-me, se acredito na morte.

Se sou Passaru, perguntam-me, em latim vulgar
Se como gente na quaresma

(SEZOSTRE, Djami. “O pássaro zero”. Bragança Paulista/SP: Editora Urutau, 2020. p. 32-33.)

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