.3 Poemas de Renata Flávia

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Renata Flávia (PI). Poeta, formada em história. Mora em uma biblioteca em horários comerciais. É autora do livro de poemas Mar Grave (Moinhos, 2018).


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entre a cor do dia e a nuvem parada dentro dessa sala existe um perfume antigo como o tempo encardido como lua de céu nublado e um barco encalhado no corredor que não deixa eu chegar na cozinha. o medo se multiplica com o cinza dessa nuvem. temo que a chuva não seja suficiente para pôr o navio em alto ar pelo quintal. as cores seriam outras se tudo isso não fosse junho e meu dinheiro fosse muito, o suficiente ao menos para me mudar. já vi até outro lugar, ali no fundo da garganta daquele moço de voz grave e dente desafiador. mas meu dinheiro é curto e qualquer palavra dita de sincero dito eu já me entrego e digo que nasci assim fácil pro amor. problema grave de quem absorve tudo que vê, nuvem, vapor, navio, barco encalhado no corredor, até achei uma fênix raivosa presa no bolso do meu avental roxo, indignada por ter que ficar ali morrendo em peça tão sem valor. mas digo que se acaso o sonho dessa noite não virar por teimosia mais uma história minha de cabeça pra baixo, juro que desfaço esse ímã de jogar tudo que acho pro abraço e redecoro a casa em cozinha com parede de mar pra que todo e qualquer barco possa flutuar desapegado dessa sina de querer tudo dentro de um só lugar.


***

coragem para caminhar com voracidade
roer o tempo com amor
ser atravessável, mole,
porém devastadora
sugar teus desejos em luz
antes de tudo
devorar a mim mesma
voraz coragem
voragem das mulheres deusas do vento
que a si mesmas constroem ruínas
e depois curam
com sutil dureza
nas pedras delicadas
a renovada vida.


garganta

moldura do grito escondida no beijo
onde você entala o que atravessa
ligação direta das coisas mais perversas
esse fundo do aquário chamado boca
quer a palavra histérica
na raiva no prazer na queda
quer pôr pra fora tudo que desespera
esse abismo mole que esconde a língua
não mede o que gosta ou o que briga
é bomba explosiva que apavora
explode todas as malditas rimas

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