Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas (2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013) e Nem raro nem claro (2015). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com e é colunista do site www.sul21.com.br/jornal/
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sexta-feira
entrei nas águas de gamboa com minhas guias
uma rubro-negra, de exu
a outra de oxalá, guia branca
do dono do pano branco
então veio uma onda, era uma vez,
que levou engolindo a guia de exu
o que desamarra os caminhos
mas não esses fluctissonantes
da alvura praieira de oxalá
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sua jira pelágica
parideira
de correntes cuja rotina
soe arrastar para a esquerda
o nauta e o naufragado que
sucumbem à vista da terra
tufo de areia revolto no oco da onda
crustácea
tentáculos entranhados
na fissura da rocha submersa
nutriz da água e da carne do coco
lisa cachaça de banana
oleaje de longo de longe
enseada
a pelagem azulina de onça oceânica
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o poeta que canta “a mulher isso a mulher aquilo”
eu deveria dizer o homem que goza do privilégio
de cantar “a mulher isso a mulher aquilo”
esse mesmo que, preclaro em sua condição de lobo bobo, se autoproclama
um degustador e entusiasta do vinho fino do corpo feminino
como se o conhecera como a palma de sua mão de punheteiro
aquele mesmo cujas metáforas gineco-anacreônticas
substituem por rebaixamento “a mulher isso a mulher aquilo”
que ele imagina cantar como ninguém, comer como ninguém
o decrépito que faz publicidade “a mulher isso a mulher aquilo” desses corpos
esse um uma espécie de cafetão e mentor do estupro edulcorado
essa coisa que as minas já calculam de longe a merda que vai dar
tão logo o traste trasteje “a mulher isso a mulher aquilo”
toada de toureiro calvo e renitente cuja arte perdeu o sentido
para muitas e para outros exceto para ele mesmo
abandona o canto a esse corpo que não te pertence
o erotismo de trocadilho, o estilo vinicius, a saliva
essa coisa toda que até agora só tem dado merda