Sinhá, quer o sagrado das ruas e a calma de estar em si longe da frieza dos mundos amor por tintas palavras. Em 2012, publicou “Devolva meu lado de dentro” pela Jovens Escribas.
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seu cheiro de uva pisada
me afogava junto às peras
bêbadas,
desfalecidas
não alcançávamos
a borda da tigela
trincada dos anos.
Você brincava de mergulhar a colher
no caldo vermelho,
a tempestade
batia nossas cabeças,
minhas e das peras,
na cerâmica amarela.
e a gente ali
com o corpo-esponja-de-vinho
esperando só
sua boca.
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no meu peito
não tem miséria,
é carne farta
de coração.
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ele sabe os meus disfarces,
dos com cheiro de guardado
aos que hoje as mãos despem.
mas ele ainda não conhece,
o disfarce rasgado de ser eu.
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ele vira a esquina
batuca
a caixa de cigarros,
faz samba pra fumar.
do seu alto
caem sopros
de mulheres
que o adoram
feito um deus
de rua.
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na festa dos urubus empoleirados
elas eram as mais bonitas.
a pele vestida de palavras
no claro do caminho se escondia.
uma mancha no vestido
insistia em brotar
pra escorrer com a água
o que era vida.
das saudades que conhecia
ficou estranho na dobra do dia
como se esperasse o chamado,
e voasse pra dentro das penas escuras.