Eu me chamo Bianca Rufino, mas muita gente me sabe por Sabiá. Sou da vertente da palavra, da voz. É aqui que me encontro como raíz, base mesmo, pra depois ir alcançando outros galhos dessa minha árvore. Eu escrevo, canto, componho, vivo de passarinho mesmo. Mas também me expresso pela performance, é uma base forte de minha criação, sempre penso palavra com o corpo, é assim que vou investigando minhas invenções.
Então é partindo dessa perspectiva, que começo a contar a vocês sobre meu novo processo criativo chamado ‘Entre’. Considero aqui um projeto multilinguagens, ele partiu da própria vida mesmo, em manifestação. Estava eu, recém completando aniversário, primavera tinindo lá fora, e aqui dentro ainda fazia inverno, ainda estava com as minhas penas congeladas. Até que me encontrei com o tempo lá fora, uma noite, uma noite de viola, poesia. Era isso que faltava. A correria dos meus dias, a ansiedade de me fazer no mundo, a absurdez pós pandemia. Tudo estranho. Mas essa noite de violão, não. Fogueira nunca é estranha, ela tem sua fonte de aquecer. E não falo de fogueira com fogo, apenas, era uma fogueira de gente, reunida em procissão pela palavra. Eu sentia falta disso, e percebi ali. Escrevi de imediato, no exato momento da sensação ‘não saber mais quem eu sou é o maior de todos os mundos’. Naquele momento, não saber, era o maior de tudo, me perder, me desencontrar, verter uma vida pela presença sem todas aquelas explicações.
Aquela novidade, que não era tão nova assim, era só a vida, era a vida que eu queria. Ela inteira, sem rótulos, sem lugares, sem estações, sem nada. Só a vida, em sua plena respiração, sem ideais, ou momentos perfeitos, só a vida, INTEIRA-vida.
Ali, surgiu o ‘Entre’, no estado de graça, quando me relembrei que o mais importante não é o lugar, mas o caminho, nem são as mil identidades e signos e significados, mas os encontros. A raridade dos afetos, do cruzamento, isso me faz ir além de mim. Passei meses me investigando e experimentando, e encontrando muita afinidade com o pessoal da filosofia da diferença, conheci Zaratustra de Nietzsche, conheci Luiz Fuganti, reconheci Déa Trancoso, Raul Seixas, Arnaldo Antunes, Violeta Parra. Fui me amigando dessas e muitas outras fontes, e tomando também minha fonte própria, acontecida pela minha presença no mundo. Fui saboreando essa estação que se inaugurava em mim, ainda sem palavras, mas com esse mote que ecoava: ‘não saber mais quem eu sou é o maior de todos os mundos’.
Daqui, surgiram canções, uma dessas músicas até concorri no Festival da Música de Fortaleza, do ano de 2023, se chama ‘Encontro’. Fiz brotar as canções do meu novo disco, que espero que se conclua essa ano. Fiz nascer, em duas semanas, esse livro, que com o tempo fui acrescentando mais poesia, mais vertente de encantamento. Depois dessa árvore formada, adornei com gravuras, que resolvi fazer com meu próprio corpo, todas feitas com tinta nanquim, fui marcando minhas linhas e deixando expressar a paisagem que se formava. Ainda acrescentei fotografias, de alguns lugares que circulei entre os anos de 2022 e 2023. Por fim, coloquei trechos da minha performance ‘Corpo Um’ e algumas músicas.
Depois de feito o livro e sua montagem, ainda sentia espaços vagos, que poderiam ser expressados. Comecei a perceber que faltava o movimento das imagens, o movimento as palavras, minha mente logo foi traduzindo em imagens, roteiros, em elaboração de audiovisual. Escrevi de imediato o roteiro para um curta-metragem e aproveitei para separar as poesias e gravá-las para um EP. Foi tudo assim, acontecendo pela necessidade. Nada de fora, mas a ânsia de compartilhar os sabores da minha experiência com o mundo de muitas formas, o desejo de expressar essa mastigação, em muitos frames.
De modo que ‘Entre’ é livro, é filme, é EP, é performance, é gravura: é um processo. Um colar das paisagens que atravessei, onde penso e repenso sobre os encontros com o mundo e comigo, observo a natureza do ‘meio’, do que não tem nome, do que não está pronto, do que está sempre em mutação e foge dos rótulos. “Entre” é não-lugar, é todos os lugares e nenhum. Me sinto uma multidão e uma mulher em solidão, acompanhada de suas palavras e de todas as expressões, no mundo e com o mundo. Sou uma mata fechada e um deserto no sol a pino. Tantas paisagens há aqui dentro, busquei portanto, traduzi-las para todas as pessoas, que como eu, guardam de tanta possibilidade. Te convido, ‘Entre’, é capaz de você desaprender, mas é capaz de você saltar.