Severo – Meu Swingue é o Suor

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O processo que leva ao “Suor, violento precário” começa no “antes” do inicio. A partir de 2012 comecei a trabalhar em uma “nova” produção, sem pretensão de mercado comercial, algo mais perto da linguagem das culturas populares. A pesquisa para esse trabalho passava claramente pelas experiências que tive morando na zona rural e pelas vivências nesse universo.

Compreendi que a arte do homem rural não se difere de seus outros afazeres, é elaborada coletiva, possui estética, ética e é intrinsecamente ligada à natureza, ou seja, se trabalha com a força. Vivenciei tudo isso, não como “pesquisador” ou alguém que precisa extrair algo pra si. A vida me proporcionou viver o simples. E trabalhar com a força foi minha certeza primeira.

No ano de 2005, meu amigo Abu, percussionista já falecido, me convidou para trabalhar como oficineiro na Comunidade Boquinha, onde desenvolvi um trabalho mais prolongado. Em 2006 gravei “O olho te abrirá”/ Cultura Casca Verde, uma coletânea de grupos populares de cultura existentes na zona rural, junto com outros jovens formados em oficinas, onde compus repertório direcionado a esse universo. Uma relação diferente, pois havia uma proposta específica para esse trabalho. Em 2009, de maneira mais livre, pesquiso sobre a música contida nas rezas rurais, produzo então “Um Terço de Encanto”, trabalho este que vendeu 500 cópias em um mês, (quantidade importante, a considerar a produção local) sem ser um disco “musical”, e ninguém sabe ou fala disso. Enquanto indivíduo, apesar de urbano, sempre fui consciente sobre “pertencer” ao sertão, à sua temporalidade. Minha primeira produção coletiva na música foi o CD demo em 2002, “Da Carnaúba ao Vinil”, com a banda “Rozatômica” (misto de blackmusic e rock regional).

Passados sete anos, voltei à zona urbana com o olhar e sentidos próprios do homem comum rural e urbano. O impacto mais forte disso tudo apareceu na poética das coisas, naturalmente aprendi a compor sem instrumento musical a mão, apesar de adorar o violão. Isso foi determinante pra esse trabalho. Durante essa vivência, aprendi novas toadas, a cantá-las, e a sua serventia dentro do momento do brinquedo ou ritual. Na zona norte, desde a infância conhecia algumas toadas, dos bois do matadouro e do nordeste em geral. As toadas sempre me fascinaram pela cantiga livre, direta, por isso considero que o “bumba boi” seja o nosso samba.

Teresina é Pop, agosto de 2018. Banda: Pedro Ben, Severo, Javé Montuchô, Cauê de Lima, Arnaldo Oliveira.
Foto: Demetrios Galvão.

Nessa encruzilhada urbano-rural o que mais me instigava como arte era encontrar o comum, o simples e a sua força. Depois de tomar essa concepção do que realmente deveria ser expresso, ainda assim permaneci em “pausa”, talvez no aguardo de algo suficientemente necessário pra movimentar. Então, chegou um ponto de correção de rota ou órbita, que considerei ser natureza minha mesma e que se demonstrava não só como trabalho ou linguagem musical.

Como concepção, decidi trabalhar a partir da ruptura de identidade, ou de qualquer “justificativa” que viesse a ser entendida como um adereço fixo. Daí comecei a desenvolver a perspectiva de subjetividades abertas que possibilitam unir a floresta com o urbano, o ancestral com o contemporâneo. Isso tudo, como contexto, poesia, música, discurso, etc; é tão forte quanto a realidade urbana dos trabalhadores e das populações nas quais estão inseridos e que também produzem sua poética, sua arte, sua natureza. O que dentro de um conceito de “civilização” para os centros urbanos, os dois modos são precários.

Suor, Violento Precário (2018) CD “SUOR, VIOLENTO PRECÁRIO”

Em 2014, me dispus a fazer algo que não estivesse relacionado ao campo musical, como efeito direto desse “comum” e numa feliz congruência, participei do novo trabalho do coreógrafo Marcelo Evelin, chamado “Batucada”, uma criação colaborativa com a participação de 50 pessoas/performers. Isso aconteceu sem nenhuma premeditação e naquele momento também foi muito intenso, e percebi o quão necessário é a “desimportancia” de si, o desprotagonizar-se. Participei desse espetáculo por três anos.

Ainda em 2014 iniciei alguns ensaios, decidindo trabalhar sem as justificativas de uma “banda”. Busquei formar um grupo de trabalho, com músicos “operários” que pudessem pensar e desenvolver um trabalho partilhado. Em janeiro de 2016 lanço o single “Boca Sequência” como maneira de me expor e também de abordar um discurso político e musical coletivo. Nesse single, participam músicos com os quais vinha experimentando (Samuel Torres, Jardel Castro, Cauê de Lima), além de outros que também estavam produzindo de maneira independente e que achei por bem trocar experiências (Hugo dos Santos, Pedro Ben, DJ PTK da Quilombo Louco Records).

Depois do single vem a labuta de fechar um repertório que formasse o “Suor, Violento Precário”, titulo que poeticamente resolvi que seria o do disco. Meu trabalho nunca foi limitado ao rock, mas haviam neuras que não me permitiam produzir algo sem antes vomitar uma “agressividade” que transparecesse ao som e que se expressasse suficientemente por um power trio (guitarra, bateria, baixo). Pra quem saca de som, não é só um formato clássico de banda de rock, mas o “simples” de maneira mais viável e prático pra tocar.

As composições do trabalho precisavam ser “malhadas” antes de entrar em estúdio e pra isso, além dos ensaios, tocar é uma ferramenta que permite recriar, refazer, desfazer, até que se tenha o domínio.

Não me agrada tocar igual, pra isso temos o disco. O repertório original desse trabalho é de 12 faixas, mas que por questões de recursos só puderam ser gravadas e produzidas cinco, além das vinhetas. O disco foi gravado em Teresina entre outubro 2017 e janeiro de 2018, e mixado em São Luís – MA, todo de forma independente.

Durante 2017 aconteceram shows pontuais que funcionaram como um laboratório. Nesse período, convidei pra formar o “power trio”, músicos/criadores/operários que eu conhecia seus trabalhos. Pedro Ben (guitarra) havia participado do single (2016), com synths, e Javé Montuchô (bateria), que já havia tocado com Pedro na banda “Alcaçuz”. Os dois se juntaram ao Cauê de Lima (baixista) com quem eu já trabalhava desde 2013. O fato de os três serem de uma “geração” mais jovem que a minha, trouxe uma conexão mais imediata com o agora, musicalmente falando.

“Suor, Violento Precário”, não resume, nem define o campo musical no qual atuo, o vejo como algo necessário que foi dito/expressado. Não alimento expectativas sobre uma receptividade específica, amanheço no dia seguinte. Se o público irá absorvê-lo, cabe ao próprio encontra-lo e fazê-lo, e isso é o que mais respeito nessa relação. Não existe uma cartilha, uma chave, da maneira que bate pra alguém, pra quem bate…, esse que é o grande lance, o sentir de cada um.

Fico feliz que ele exista, como trabalho, como luta, como uma força de amor.


Links para ver/ouvir os trabalhos do músico Severo:

Severo – Spotify

CD “Suor, Violento Precário” (2018) YouTube

Severo – Sessão Suor (ao vivo) YouTube

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