por Henrique Douglas (jornalista/radialista)
Asseclas a Procura de Identidade apresenta a história da banda Asseclas, grupo musical que repaginou a cena pop-rock em Teresina dos anos 90 por trazer em suas canções uma pegada poética pouco conhecida entre os artistas ligados ao rock na cidade. A narrativa é atravessada por vozes que relatam a importância dos Asseclas na conjuntura musical do período, bem como a potência criativa do front-man Fernando Conrado.
Um ano após o lançamento do filme dirigido por Aristides Oliveira, Gilson Caland e Adriano Lobão, Henrique Douglas apresenta sua perspectiva sobre o documentário e sinaliza a importância dos caras no contexto musical que redefiniu a cena rock de Teresina.
Dizem muito por aí que “quem não conhece seu passado está condenado a repeti-lo”. Pra começar, o caso “Asseclas” faz parte de momentos históricos que é preciso conhecer, mas ao contrário do alerta, serve exatamente pra ser repetido. Shows com qualidade técnica, músicos competentes, mise-en-scène bem ajustada e a paixão pela música, livros, cinema e poesia de Fernando Conrado.
Seguindo a cartilha dos documentários, além de um bom registro de imagens da época que captura a essência imagética do som, estão presentes as pessoas que foram fundamentais para construção do conceito sonoro da banda teresinense.
Muitas lembranças e detalhes se espalham naturalmente no comportamento dos entrevistados, mas fica o desejo de sabermos um pouco mais sobre Fernando para além do seu compromisso com a banda, seu nilismo passivo e paixão pela boêmia. Não seria o desejo de humanizá-lo, mas sim de conhecer um pouco mais sobre quem era aquele homem.
O documentário atira numa direção e também acerta no que não mira e entrega: hoje não temos jornalismo cultural em Teresina.
Ana Kelma Gallas, Feliciano Bezerra e César Filho, uma vez representantes dessa modalidade de jornalismo – assim como seus contemporâneos, Osório Jr e Mussoline Guedes – foram marcas daquela época, onde formadores de opinião “se preocupavam em ir ao show”. Como conseqüência, além de conhecer o cenário cultural, seus textos e análises tinham compromisso com uma forma de jornalismo hoje perdida nas redações e não somente com os releases automáticos.
Dito isso, pare e se responda: quantos jornalistas (nos veículos mais populares) você vê atualmente em Teresina em cinemas, exposições, livrarias ou espaços coletivos com eventos artísticos? E escrevendo sobre isso? “A gente era feliz e não sabia” proclamou o baterista Raudhflan.
A música piauiense sempre enfrentou dilemas e preconceitos. Prova disso, basta observar, foi quando displicentemente em depoimento, o radialista César Filho mete uma transversal e diz que a música do Asseclas “tocou na programação normal da emissora”. Fiquei pensando se a música dos nossos artistas deveriam tocar numa programação ‘anormal’ nas rádios.
Ainda sobre os formadores de opinião, fica a dúvida: por que desistiram do jornalismo cultural?
Assim também, segue desde aquela época, a normalidade da frase “nem parece de Teresina”, usando desse falso elogio pra se referir ao artista da cidade, como observa o produtor Gilson Caland no início dos relatos. Quando somos ruins somos daqui, quando somos bons parecemos de outro lugar. Que métrica tétrica! Não só os Asseclas, todos continuamos “belos e malditos”. Muito mais malditos do que belos. Talvez por isso, Fernando Conrado sentenciou que “aqui não dá pra viver de música”.
Outra coisa importante que é invocada implicitamente pelo documentário é a necessidade de mais críticas aos artistas vivos. Partir pro bom conflito. No filme, todos estão bem à vontade para fazer observações ou críticas aos Asseclas, mas me pareceu cômodo fazer “apontamentos críticos” somente de forma memorialística. Posso inclusive afirmar que Fernando não concordaria. Ele não temia dar sua opinião, principalmente sobre arte. Se os entrevistados se acomodaram nos relatos, em Teresina os artistas se acomodaram sem confronto.
Certamente, ‘Asseclas’ é um documento importante pra definir uma parte do cenário musical de Teresina nos anos 1990. Tecnicamente tem algumas falhas que comprometem levemente a experiência, reconheço isso, mas continuo no time dos que saem da estética intelectual do blá-blá-blá e dão forma e conteúdo sem medo das limitações.
Ao final, a banda transformada nas suas diversas formações, aparece numa performance com bons músicos no palco, mas perfeitos estranhos. Isso define a caótica jornada dos Asseclas: o perfeccionismo perseguido por Fernando Conrado e o seu desespero por uma cidade que insiste em não dialogar com seus artistas, mas não aceita conformado. (HD)
Excelente documentário e excelente matéria da revista. Tenho 34 anos e não conhecia a banda até ouvir falar por amigos mais velhos. Belo registro! Parabéns a todos os envolvidos no documentário! Teresina precisa desse tipo de resgate histórico.
Parabéns documentário, conheci Fernado desde infância/adolescência, lembro quando ele morava em Belo Horizonte fui passar férias e me apresentou muitas bandas que na época na não se conhecia aqui, então trouxemos como relíquias debaixo do braço vários discos vinil Bauhaus, Joy division, New Order, Pat Metheny, ouvíamos de tudo e até hoje tenho.
Obg por relembrar tempos bons.