Porca Miseria ou o que ainda nos diz Glauco Mattoso

| |

Por Carlos André, poeta e editor.

A recém indicação do livro Porca Miseria, de Glauco Mattoso, publicado pela Editora Clóe, à semifinalista do prêmio Oceanos 2024, recoloca a obra do autor em pauta, bem como o lugar da poesia de protesto no cenário da literatura contemporânea brasileira.

Figura mítica da cultura alternativa brasileira, Glauco tem preferido, nos últimos anos, a reclusão social em seu apartamento no centro de São Paulo às badalações dos salões literários. Nem por isto, no auge de seus mais de 70 anos, tem parado de publicar. Segue ativamente divulgando dezenas de novos livros que disponibiliza gratuitamente pela rede.

Com Porca Miseria, no entanto, o poeta escolheu voltar à publicação mais tradicional escolhendo, para tanto, uma pequena editora do ABCD Paulista, fundada e resistente na periferia da cidade de Diadema.

Voltando deste modo às próprias origens periféricas, Glauco, de um só golpe, chama a atenção de um prêmio badalado como o Oceanos à produção gráfica da periferia da (do) capital, bem como aos problemas que assolam este amplo terreno geográfico e também simbólico.

Ao mobilizar sua reconhecida erudição a favor de pensar a condição desfavorecida das margens da pólis, Glauco recoloca o parecer oficial da crítica, representada por um prêmio desta importância, sobre a mesma questão, voltando a unir com maestria estética e política, como já fez outras vezes.

A estrutura do livro é baseada em seus conhecidos “dissonettos”, forma de versificação criada pelo autor com base em seus muitos estudos sobre métrica poética e formas clássicas de poesia.

Estão ali representados as vítimas e os algozes da tragicomédia brasileira encenada ininterruptamente pelo vasto tecido social de São Paulo, este microcosmos do país, quiçá, do mundo liberal ultracapitalista.

Talvez seja preciso que um livro e um autor deste apareça por uma belíssima edição, numa editora pouco conhecida que transita à margem, para que uma sensibilidade um tanto esquecida, volte a se apresentar como uma grande poesia. A se saber: palavras nas vitrines dos caretas.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!