Nos Jardins Líricos de Daniela

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Por Carlos André, poeta e editor.

A primeira coisa a me chamar atenção no trabalho de Daniela Pace Devisate é o fato da autora ousar escrever livros temáticos num momento em que estes parecem bastante inusuais. E, mais que isto, com temas que parecem, antes que se leia seus burilados versos, já saturados por demasiada exploração anterior.

Em seu Tantos Quartos Lunares, Editora Urutau, por exemplo, Daniela trata, em todos os belos poemas do conjunto, sobre a lua. (Há um texto dos mais lindos do Paulo Mendes Campos, Litania da Lua, em que ele elenca o quanto esta imagem já foi usada na história da literatura).

Já em seu mais recente trabalho, berço de lírios, assim mesmo em minúsculas, a poeta versa, como anuncia já na epígrafe, sobre “mistérios florais e (…) pequenas epifanias de jardim”. Sim, após a lua, Daniela pousa agora seu afiado olhar literário sobre este mundo, mais terreno porém não menos misterioso ao alcance de nós, mortais.

Entre flores, árvores e demais plantas, encontramos um contingente fantástico de palavras que vão se integrando organicamente à natureza que descrevem. Serão poemas ou componentes de fato de algum jardim secreto?

Não me lembro de ter lido em outro poeta figuras como fadas e elementais tratados como tais de fato são e não usados como metáforas. Daniela, além de autorizar que estes seres habitem livremente sua poética, o faz com uma precisão extrema, num condensamento exímio e com uma profusão imagética poderosa:

ESTRATAGEMA

O pássaro molhado
engana a morte
finge dormir
e ela passa
pela claridade oca
dos olhos da fada

Herdeira de Emily Dickinson, de quem empresta um poema também floral numa segunda epígrafe constante no livro, Daniela não busca por palavras complexas ou extensões longas dos poemas e versos, sendo bastante sintética e nunca simplista.

Até mesmo certa despretensiosidade que sua poética possui parece ser intencionalmente medida para a construção consciente de seu estilo.

O livro é dividido em três partes: Vergéis (um sinônimo hoje pouco usado para bosque ou jardim); Ramos; e Nervuras (nome dado às veias presentes nas folhas) — todas iniciadas por um desenho da autora, que também é artista plástica, artesã e professora de artes da rede pública. Esta sequência parece apontar para que a cada novo capítulo do livro a viagem proposta pela autora se adense ainda mais, saindo da imagem geral do jardim em plano aberto para um mergulho até o interior de cada elemento dos textos, até, justamente, suas nervuras.

Vale muito adentrar nestes mágicos domínios.

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