Por Alex Sampaio Nunes*
“Amor, fim de todas as coisas” é o segundo livro de Ananda Sampaio, piauiense, nascida no ano de 1985, em Teresina. A autora é graduada em Letras Inglês e em Jornalismo, ambas as formações pela Universidade Estadual do Piauí. Atualmente, trabalha como professora e escritora.
O livro, com Orelha de Cineas Santos e Apresentação assinada por Eulália Teixeira, foi publicado pela editora Nova Aliança, possui 88 páginas e está disponível para vendas no site da editora, nas livrarias Nova Aliança e Entrelivros, e com a própria autora.
Ananda Sampaio, logo no primeiro texto de seu livro, você indaga “escrever o quê?”. Agora, pergunto: por que você escreve?
Sinceramente, eu não sei. Se você tivesse me perguntado isso há alguns anos, sem dúvida, eu te daria uma resposta mais assertiva e passional. Mas, hoje, eu já não sei mais. Talvez porque tivesse que ser assim, talvez porque eu nasci numa família que sempre recorreu à escrita para lidar com os próprios dilemas e solidão. São muitas respostas possíveis e nenhuma delas convincente o bastante. Então, prefiro dizer que não sei, estava em mim, sempre esteve.
Ananda Sampaio, como foi o processo de escrita?
Como muita gente, eu comecei a escrever com mais afinco e frequência na adolescência. A fase de transição, de luto, de procura… eu escrevia e guardava. Tudo muito despretensioso, ser escritora e publicar livro eram coisas muito distantes naquela época. Eu escrevia e mostrava pra alguns amigos e familiares que gostavam… Mas só isso. Na idade adulta, iniciei o curso de Jornalismo e foi um período em que eu li bastante e meus amigos, na época, também liam muito e trocávamos livros, impressões, embaixo dos pés de manga da Uespi. Eu era muito idealista, achava que podia melhorar o mundo ou fazer algo relevante no jornalismo. À época, era o auge dos blogs e eu fiz um blog e publicava lá meus textos. Até que um dia, uma amiga me disse q eu era cronista. Considero esse momento um marco, porque foi como se ali eu tivesse conseguido entender o que eu escrevia de forma mais racional e menos instintiva.
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O livro está dividido em duas partes. Na primeira parte, encontramos 31 crônicas carregadas de poesia; na segunda parte, intitulada “pequenas notas sobre o desencanto” encontramos (para o susto dos leitores da prosadora) três poemas.
Desde o título, o livro sugere tratar do amor com a perspectiva de que esse sentimento é a finalidade de tudo e – além – o que encerra tudo o que fazemos. Assim mesmo, numa ambiguidade que acaba, estranhamente, a convergir pro mesmo sentido de ponto final.
Ao longo da leitura, percebi que tudo está no espaço doméstico e tudo tenta domesticar o que se tem por dentro, passar a vida a limpo, expor vulnerabilidades.
Apesar de uma topografia doméstica e de personagens da vida privada, a autora consegue saltar pra temas fundamentais da humanidade, o que torna o livro de interesse público. E esses saltos são lindos:
“A casa mais bonita e realmente importante, da qual não podemos prescindir, é um ao outro.”
“Eles não desvendaram a casa, mas a casa os desvendou primeiro – porque tudo nesse mundo fala.”
“(…) nem sempre as coisas têm que doer para serem reais.”
“Que nos teus olhos eu veria o mar nascer, salgado e cristalino, sempre que teu coração doesse.”
“Pra mim, a morte é a voz que se cala. O silêncio retumbante (…)”
“Pra mim, o suicídio sempre pareceu um crime coletivo, o mais coletivo de todos.”
É um livro sobre mudanças. De casa, de apartamento, de idade, da forma de amar. Aliás, são muitas as definições de amor propostas. Algumas:
“E eu gostaria de agradecer ao Criador, que um dia decidiu juntar seus átomos e te criar. Porque, nessa hora, eu tenho quase certeza de que Ele também me amou.” – aqui lembrei do conto “A estrutura da bolha de sabão”, de Lygia Fagundes Telles, no qual a personagem, uma menina, abraça uma árvore e sente que abraçou Deus.
“(…) amar é sempre se espantar.”
“Caminhamos agora mais perdidos do que antes, crentes na nossa completa ignorância acerca da vida. Isso é amar, acredito.”
“Nossos suores misturavam-se em um suco só (…) O pescoço doía, os braços se recolhiam e, às vezes, parecíamos acordar mais cansados do que quando adormecemos. Amar exige esforços, eu pensava.”
“(…) porque as coisas de amor são miúdas e bobas para ouvidos alheios. É por isso que elas moram nos cochichos e risinhos infantis.”
“Só compartilhamos silêncio sem constrangimento com quem amamos, penso.”
Agora misture tudo isso, leia o livro e enxergue o amor que se espreita entre as portas da casa e se espreme entre os lençóis, que dirige o carro com muito sono e quase bate, mas cumpre a rotina de amar.
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Os três últimos textos de seu livro foram escritos em versos. Por que você resolveu fazer essa quebra na estrutura do livro de crônicas com “pequenas notas sobre o desencanto”?
Eu comecei a escrever poesia porque comecei a ler mais poesia. E acho que naturalmente você vai sendo contaminado por aquilo que lê. Eu sempre gostei dos romances, de ver a personagem, conversar com ela… Sempre me disseram que minha prosa é muito impregnada de poesia, então, a linguagem poética já estava comigo antes mesmo que eu me desse conta. Eu resolvi quebrar a estrutura do livro porque eu não pretendo me conter mais… Ou deixar de dizer o que quero dizer, o que acho importante de ser dito, na minha opinião, não me importando com a forma. O importante é a mensagem e a liberdade que a gente deve se permitir como seres criativos.
Você está pensando em lançar algum livro de poemas?
Não sei se lançarei um livro de poemas. Acho que é uma forma de escrita que, pra mim, é mais experimento, sempre tentativa. Na prosa me sinto mais segura, é um lugar em que me sinto seguro, em que conheço melhor os caminhos. Meu desejo é de escrever um romance, um dia, quem sabe…
O que significa pra você escrever crônicas?
Escrever crônica pra mim é natural. Acredito que a crônica reflete muito o olhar do autor, de como a gente se posiciona, de como nosso olhar percebe o entorno. Um bom cronista é um bom observador, um bom leitor do mundo. Então, a crônica acontece pra mim porque se encaixa na minha forma de estar no mundo. É como se, ao escrever, eu conseguisse processar toda a informação, todas as cenas, todas as vozes que se acumulam dentro de mim no final do dia. É como me reorganizar emocionalmente, permitir que a emoção possa fluir e eu possa me sentir humana novamente porque o dia, cotidiano, às vezes retira de nós tudo isso, tudo que circunda nossa humanidade.
Como é seu processo criativo?
Quando me perguntam sobre processo criativo eu nunca sei como responder. Porque a escrita acontece pra mim. Claro que ler é minha eterna fonte de inspiração e renovação de ideias e percepções; gosto muito de cinema também. Assisto muitos filmes e séries que acabam por me munir de coisas novas pra pensar, refletir… também gosto de conversar com as pessoas. Das conversas mais casuais àquelas mais significativas. Seja um desconhecido na fila, o segurança de um local, a minha avó, os meus alunos. Tudo isso é fundamental para me manter criativamente ativa, pra me ajudar a escrever, força-motriz que me faz querer dizer. Não vejo outro processo melhor do que estar atenta à vida.
O que é o amor?
Não sei se posso dizer o que é o amor, talvez possa chegar perto do que é amar. Pensar no amor como exercício é mais real pra mim, mais livre de idealizações ou construções sociais. Amar é diário, é ter sorte de encontrar alguém que nos ajude a amar com mais honestidade, com mais verdade, com mais tranquilidade. É um trabalho que é a dois, que precisa ser alimento, que nos liberta, sempre. Amar não é prisão. Amar com perfeição é minha meta de vida. Amar é tanta coisa, mas não é fácil, nunca é fácil, mas é simples, mais do que a gente imagina.
Alex Sampaio Nunes, autor de “Ressuscito na Cidade Suicida” (2017) e colaborador da Acrobata com uma série de resenhas/diálogos sob o título de “Vozerio Piauiense”.
Excelente!
Simplesmente a melhor!!! Orgulho demais da pessoa que você é, Ananda!! Parabéns pela obra e pelo exemplo que nos dá! Você é incrível.