Andréia Carvalho Gavita. Poeta paranaense. Trabalha no Departamento de Ciências Florestais da UFPR, cursa Gestão Ambiental, é mediadora no Coletivo Marianas e participa da edição da revista Zunái. Participa de diversas antologias e é autora dos livros A cortesã do infinito transparente (Lumme, 2011), Camafeu escarlate (Lumme, 2012), Grimório de Gavita (Lumme, 2014), papel leopHardo (Marianas Edições, 2016), Panfletos de Pavônia (Leonella Editorial, 2017), Cílios prostíbulos (Patuá, 2018) e Neônia (ARC Edições, 2019).
Declama-me, Eu te Decoro
Pode me chamar
Demônia
Dolorida Rima
Enquanto tuas mãos em cio
Apertam a ferida
Dos rosários
Pode me mapear
Babilônia
Prosa Besta
Enquanto teus pecados em rios
Entopem a represa
Dos ovários
Você pode tudo
Com sêmen e dicionário
Romance, Crônica & Glosa
Pode doutrinar qualquer
Abecedário
Eu posso ainda mais
Poesia
Manifesta & Ardorosa
Ensinar a Perdida
Mãe-Nossa
Ao filho, ao pai
E ao vigário
Lunares Leoninos
Estarei sempre-viva.
Cultuo esta solidão que laçam,
Mais um palco para o sol.
Tenho leões
Mesmo adormecidos
Rugem-me evangelhos
Como músicas empoeiradas
Sarapintadas,
letras panteras deslizantes
no livro manuseado.
Os leopardos sonâmbulos.
Passo-signo.
Leituras que nos caçam
a dinastia extinta.
Incansável realeza
Indestrutível ronda
Estou sempre-viva
Mesmo adormecida.
Espreito o que me espreitam.
Nada me descreve. Antes, eu.
E tu, e os topázios.
Aquilo que tenho e que só,
tu alcanças.
Aquilo que tens e que só,
eu alcanço.
Rugidos e extratos-feras.
Enquanto adormecem
sob nossos calcanhares:
galanteio, vaia, devoção.
Língua Ferina
os leões rugem
e me mergulho
na órbita daquele aviso
não entrarás
rugidos partem meu escafandro
e me sufoco
no sumo daquela euforia
e me debato
nos átomos de carbono
não acidificarás
e me respiro
entrando
sou um leão alado
no dorso
pelo cio de archotes
lança chama,
a cabeleira neutra
imersa no voo que me ruge
escrevo
uma vírgula
insurreta
pendente da boca do felino
Topázio, Muda de Dendera
desisto-te voz lunar
só
para o avesso
nadir soprano
deixo-me sombrear a esfera
só
com a língua do sol
dandelion, dandelion
a carcaça rutilada
em ebulição
deixa-me som escuro
só
com a febre do dândi
desfilando o pó
da exúvia
vê como camufla de cobre minúsculo
a massa deste inexprimível que veste
atmos-fera
vê-me oco no parênquima
do céu
minha escaramuça
azul-cobalto
lacuna e folha gasta
xantofila, xantofila
no tímpano vazio, o rufar amarelo
da estrela
da labareda
tua ideia solitária
é meio do dia
rutilância
que tua música de quimera quieta
não me fulmine
pouco
ascendente
só
no carnaval de areia
assombrada
louvando
teu êxtase
deserto
A Sagração da Primavera Interior
lanternas de fósforo na costela de ogum:
esburacadas pálpebras. cáustica meditação.
meus cílios de atanor em ave-espelho!
direis, pleroma, lego de lua em prisma?
porém, eis a boca das crateras, em argumentações de pirineus.
são azuis dentro de verdes. apeteces? céu filtrado de floresta!
sim, fogo. fátuo. cobalto de ferreiro. meu focinho de dragão.
um horto de oliveiras, na tentação da fortaleza. sofro de muralhas.
extingues? com pés de gueixa e dança de jack-o’-lantern!
sondas, que há mais no terreno do corpo, a tenda-pira:
patas, cópulas, glândulas de velhos alquimistas.
e a sibila-entidade, soprada por garotos parafínicos,
cremando seu nome em grimórios de celofane.
(não sabem que o chamam).
são quatro estrelas nos cardeais da rosa, persas oscilatórios.
conseguirás sustentar o peso planetário deste balé massivo?
abrasas. ele te vestirá a máscara. não há artifícios.
pelos florais. arde-nos.
A Tumba Constelada
a letargia dos códigos sucumbe sagrada
em alguma região onde o silêncio seria soterrado
com o adágio aos quartos sonâmbulos
cornijas, fustes, consolo glandular,
quanto do hemisfério boreal levaria?
a quantos ainda cantaria o verso na lápide?
coveiros do firmamento, choupana invernal, silvo do poente,
ostentem minha cintura com ornamentos polinizados
e um esmalte rosa como a fibra da aurora
matizando os ossos
choro de vértices
pela permanência de nossa memória
honrarei teus nomes
pela gravidez perpétua
da metempsicose
a noite irmã,
madressilva madrecita,
é o vestido de negro cetim suspenso,
adorno ilusório para as notas ciganas
que sopram
o sono vermelho dos gatos
pelos tetos,
aquelas árias que primeiro sobem a alturas
de nimbos
e depois se entortam
pelos bueiros da cidade,
espalhando aos fossos infernais
todos os segredos celestes
sequestrados das torres de marfim:
meus missais, meus broquéis,
meus cadáveres delicados,
sempre em festa profana
de prismas.
Argyreia Nervosa
Fogo azul
inferno celeste
e danações
Nada são
Rente ao sabor das pastilhas
púrpuras
que pedalam pelas papilas
enquanto soletro
o randômico amém
Pêndulos e pistilos
no labor do corpo
prismado
em noite de mercúrio
na fronteira do piche
Com a pele e o parto das petúnias
párias
silenciadas pela glória gasta
das manhãs
As máscaras pegajosas
dos pórticos fendidos
Nada são
Crivam-se no flanco pálido
palavras de pasto e mastro
Amor-tecendo a mortalha vaga
dos dias que nadam
Sem raízes que os possam
Flutuar
Atrás de Cada Olho Esterilizado
o corpo lúteo rendado
para o velório das teias
em overdose lunar
os folículos, as púrpuras constelações,
despedem-se do respeitável público
antes púlpito
as trompas são serpentes
enjoadas do éden
loucas de lua
e hóstias cruas
no silvo do espelho pituitário: a partenogênese
da virgem circense
volátil e viril
quem disse que o anjo estrógeno
ainda será o rei paterno?
nesta roda de nascimentos
eunucos
seus olhos de anunciação
são terríveis conta-gotas
uma nuvem de gafanhotos
anticolisão
quantos ovos carbonizados
serão ainda necessários
para que o sol descanse
andrógino e sem coroa
no império dos venenos
luteinizantes?
hormônios em êxtase de ocasos,
digo-vos: o aplauso do cosmos
arrebenta o tímpano
do manto niquelado
e canta:
o manso salvador não nascerá
humano
de meu parto eloquente
ele sibila
cobra
criptonita
adeus
Belle D`Opium
incognoscível incorpóreo
íncubo
em insomnia interior iriante
iluminura imaculada
na garra drácula da gáláxia
lacrimosa
livra-me dos leves lutos do luar
e suas lebres lógicas
sol simulacro, solda-me solvente
sáfico
parturiente de lampejos
em uma pátria fasciculada
distante de tua bífida lástima
coagula-te na lúdica
e inóspita nuvem
de obsessivas
heráldicas
Alfabeto Coven, em Nome de quem?
Beletrismo esquálido em nome do santo turíbulo espirituoso, ostentando o que nunca deixará de ser, uma figura de ausência pela penúria dos lamentos. A confusão da primeira pessoa na armadilha gramatical, com o falo verborrágico mistificado em adaga e forca. Quando poderá voar livre para a santíssima trindade, em nome da ave castrada na pélvica vogal de vênus iletrada? Abre-te pálpebra lírica e anímica: o cílio maquiado e a pena escoada do esperma de urano em bizarro maremoto elétrico de visões. Até enroscar-se no pé do primeiro susto másculo, subindo pelas costelas arrepiadas do mito. Ovo que és, placenta da mãe dendera de todas as blasfêmias, que não passam de transgressões hieróglifas do grande medo, o grande talho no cordão umbilical a que sucumbem todas as kundalinis. Esta literatura, fêmea de ilhas e rios. Nada é dissonante nesta paisagem una. Confusa torre fálica, babilônica. Há de se caminhar até a cigana de todas as carnes verbais. Em nome do pai, do filho, e da mãe. Escrevendo tua bíblia solar, rabiscamos o círculo da lua decepada de idiomas.