Sarau Selváticas – Ritualizar a Palavra, Sangrar a Selva de Si

| |

por Anna Apolinário, poeta e uma das organizadoras do Sarau Selváticas.


Na gênese da palavra, selvagem, diz-se daquilo que não está domesticado, disciplinado. Mulheres, feras soltas, sangrando na selva urbana, alquimistas da palavra, soberanas senhoras de si, com a língua atiçada queremos estalar o poema no corpo, feito fogo.

Gênese

Criado em 2017, o Sarau Selváticas é um espaço horizontal de resistência e empoderamento que busca fortalecer e celebrar o protagonismo da literatura feita por mulheres. O Sarau é organizado pelas poetas paraibanas Anna Apolinário e Aline Cardoso. A inquietação causada pelos espaços não concedidos às escritoras nos eventos literários na cidade de João Pessoa, levou à criação do projeto, destinado à compartilhar e celebrar a poesia e arte produzida por mulheres. A iniciativa dialoga diretamente com a luta feminista, em insurgência contra o silenciamento e apagamento das vozes artísticas das mulheres, rompendo com os ciclos de privilégios criados e mantidos pela cultura patriarcal no cenário literário local. O Selváticas surge como cerne motor para difusão e celebração da poesia contemporânea brasileira feita por mulheres na Paraíba, ampliando a representatividade e a ocupação dos espaços de produção cultural. O projeto nasce do anseio em acender potências criativas, abrir vias para reverberar o verso e o vicejar da vida criativa de mulheres artistas.

O Sarau funciona através de divulgação de chamada pública pelas redes sociais (@sarauselvaticas), é solicitado o envio de três textos autorais e após a curadoria feita pelas organizadoras, surge então o corpo de autoras de cada edição. O evento é itinerante e acontece semestralmente, em pubs e espaços do Centro Histórico da cidade, com uma programação sempre diversificada e totalmente gratuita, buscando unir outras linguagens artísticas além da poesia, como a música, a arte visual e a performance. Cada edição é inteiramente nova, versátil e imprevisível, reunindo mulheres e públicos diversos. Durante os três anos de existência o Selváticas realizou seis edições, e duas edições especiais pocket em homenagem à Marielle Franco durante o Festival Grito em 2018 e 2019. O projeto resiste e avança graças às mulheres e suas vozes poderosas que se unem a cada nova edição.

Leia também:  3 Poemas de Mar Bedrow (Bolívia, 1980)

Produção cultural independente: resistência e desafio

Quando o Sarau Selváticas fez a sua primeira apresentação na cidade ergueu-se uma espécie de estranhamento por parte de alguns escritores homens, brancos, cis…Afinal, o sarau furou uma bolha imensa em que as mulheres precisavam sempre figurar como coadjuvantes do processo de produção literária. Mesas em que as discussões estavam centradas em assuntos como: “Onde estão as mulheres na literatura?”, “Qual o lugar das mulheres na literatura?”, e outros temas que muito evidenciavam o estado de invisibilidade da literatura escrita por mulheres na capital. Consideramos muito importante e necessário abrir esse espaço de fala e escuta ativos, percebemos que vários outros saraus começaram a se articular após o Selváticas, o que cria uma rede de novos lugares para que outras escritas plurais venham à luz.

A produção do Sarau não conta com financiamento ou patrocínio de nenhum órgão ou empresa. O que conseguimos nesses três anos foi a parceria com o San Junípero, um bar gerido por duas mulheres: Thais Jerônimo e sua companheira, o SAN era localizado no Centro Histórico da capital, e graças a esse apoio em ceder a casa, o som, os microfones, as mesas e cadeiras o Sarau Selváticas podia ser realizado em um ambiente intimista e revolucionário. Com a pandemia o San Junípero infelizmente fechou. Esse fato aponta para carências e sonhos futuros. Ainda somos carentes de espaços voltados para a leitura e escuta, para a fruição poética, performática, musical, para a apreciação da arte em geral. Pós-pandemia, precisaremos estabelecer novos contatos para podermos realizar as edições futuras do Selváticas, que sempre foi itinerante e independente, sustentado apenas pela nossa paixão pela poesia e pela descoberta de novas vozes.

Perspectivas e projetos futuros

Graças ao novo formato de produção de conteúdo on-line estamos criando uma rede de contatos/ conexões nas outras 8 capitais do nordeste para abrirmos janelas de diálogos através de lives temáticas. O projeto já começou a se articular e algumas das paradas confirmadas são Bahia, Sergipe e Natal. Em breve, esperamos alcançar o contato com outros projetos desenvolvidos por mulheres nos demais estados. Fortalecer a ligação do Selváticas com o Nordeste coloca em evidência a nossa preocupação em pensar a arte dentro do nosso próprio eixo, unindo colaborações, novas vozes, discussões e perspectivas que façam sentido às nossas realidades enquanto escritoras fora do eixo RJ-SP.

Leia também:  3 Poemas de Elsie Alvarado De Ricord (Panamá, 1928–2005)

Outro projeto futuro para o Selváticas é a Antologia que reunirá poemas de autoras inéditas que já estiveram nos palcos do sarau ao longo desses três anos, firmando a pré-venda pelo catarse e a publicação garantida pela Editora Triluna, a micro-editora foi fundada por Aline Cardoso, que considera esse projeto independente mais um dos frutos do Sarau Selváticas, caminhamos com passos firmes, mais lentos do que gostaríamos, de fato, mas esperamos também alcançar outras cidades dentro do nosso próprio estado, chegar ao sertão da Paraíba e criar redes também com as poetas de lá.


Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!