Convidei Michelle Soares (SP) para falar um pouco sobre experiências de colagens visuais que produz e a relação que estas imagens poéticas mantém com sua história de vida. Na galeria virtual da Acrobata, você pode acompanhar uma seleção feita pela artista e compreender de perto o processo de criação.
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Michelle Soares é de São Paulo e é poeta, escritora e colagista. Já lançou dois zines independentes, e foi publicada pela Arara Revista, Vício Velho, Revista Desvario, Mallarmargens e Ruído Manifesto, além de ter um poema publicado na Antologia Simpósio dos Poetas Bêbadxs (Desconcertos Editora, 2021). Ilustrou o miolo e capa das obras “O Silêncio de Cassandra”, de Ravenna Veiga (Mocho Edições, 2020); Pétalas, Livia Petit (Chiado Books, 2020); “A Longa Noite de Bê”, de Fernando Ferrone (Mocho Edições 2021), e “Diálogos Incendiários”, de Luis Gustavo Reis e Eduardo Antônio Bonzatto (Mocho Edições, 2021). Atualmente, está escrevendo e ilustrando seu primeiro livro de poemas.
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Escrever sobre o meu processo criativo é falar um pouco da minha história. Talvez, não de forma linear, mas a partir do que lidei enquanto mulher e que possuiu alguns anos lidando com crises de depressão e do transtorno borderline. Começo de forma muito crua e sincera, porque a grande realidade é que minhas colagens e escrita se moldaram através dessas experiências.
Depois de uma crise violenta no final de 2016, que se desdobrou em uma tentativa de suícidio e uma internação, comecei a focar mais na arte, no caso, na escrita, enquanto dava continuidade ao meu tratamento. Depois disso, busquei canalizar tudo na escrita, embora não me visse como escritora e artista, não ainda, mas apenas alguém que tentava dar forma a todas essas angústias e alguém que buscava lidar com a própria saúde mental e lugar no mundo.
Foi em 2018 que eu comecei a fazer colagens, isso porque eu já escrevia com frequência, já havia lançado, a essa altura, um zine independente cujo conteúdo era um conto chamado “A Fuga” e, para o meu segundo, de crônicas, eu busquei um meio de ilustrá-las, também. Claro, no começo, a forma das colagens, elementos, técnica ou referências, eram quase nulas, foi um processo de impulso. Algo me chamou nas colagens. Munida por um editor de fotos online, eu ilustrei meu segundo zine “Silêncios”, que era sobre crônicas que retratam a solidão na cidade de São Paulo.
Depois disso, a colagem tornou-se bem presente, principalmente como forma de ilustrar meus poemas e textos. Tanto as analógicas, quanto as colagens digitais, embora eu trabalhe mais com colagens digitais atualmente. Aos poucos, fui entendendo o meu processo e a linguagem quase secreta que havia ali. Em minhas colagens, eu quase não utilizo homens como personagens principais, eles aparecem vez ou outra e, se não for para algum trabalho externo, jamais são o foco principal de criação.
No meu processo, eu busco retratar um pouco do caráter solitário de ser mulher e da mulher que possui transtornos mentais, da mulher conflituosa, aquela que possui um infinito caótico dentro de si e, muitas vezes, é repleta de dores e traumas universais e intrínsecos em suas histórias inseridas numa sociedade machista que jamais nos deixa passar ilesas, e, muitas vezes, nos coloca num lugar de histeria, de irracionalidade, por essas questões. Então, são questões que quase parecem não ser compartilháveis, porque difíceis de explicar, de retratar. Porque são muito particulares e, portanto, solitárias, ainda que tão comuns.
Nesse aspecto, elas possuem um caráter surrealista, nos elementos mais comuns, utilizo muito o universo, o espaço, as estrelas, planetas, o céu, nuvens, cidades. Elementos que sempre me dão uma sensação de distância, infinitude, de vazio e, também, de plenitude. Em cada colagem existe um lugar autobiográfico. Não por ser narcisista, mas por acreditar que são experiências partilhadas entre mulheres, entre as pequenas tempestades das crises, da violência do machismo cotidiano e das cicatrizes que adquirimos ao longo da nossa existência.
Os astros aparecem como essa representação, e as mulheres, na maior parte das vezes, sem rostos, representam esse sentimento. Muitas vezes utilizo pinturas clássicas, ou fotos contemporâneas, fotos antigas, e até estátuas… As mulheres, em minhas colagens, são muitas. São um espelho de meus sentimentos, mas também da minha condição. São solitárias, mas não estão sós, porque a ideia não é falar de algo desesperançoso, apenas desses momentos, esses vazios, essas agonias que não duram para sempre, mas que fazem parte de nossa condição feminina.
É claro que essa percepção não nasceu do dia para a noite, esse sentimento foi tomando forma, se modificando na mesma velocidade que as cores e elementos das minhas colagens também se modificaram. No entanto, este processo germinou-se, a partir das minhas experiências em 2016 (e muito antes) e foi tomando forma à medida que eu entendi meu transtorno e comecei a melhorar.
É sobre a necessidade de falar deste sentimento solitário, quase incompartilhável, mas também da força que jaz em nossas experiências e o que fazemos delas. Quando penso em criar uma colagem, parto de um sentimento e de uma foto de uma mulher, depois, os elementos vão se colocando a partir desses dois motores: a foto desta mulher e desse sentimento, dessa agonia, mas jamais falo de fraqueza, ou de submissão.
Não acredito que essas experiências pessoais e as colagens que crio são sobre a fraqueza e não acredito que o processo de solidão, dessas dores silenciosamente compartilhadas em nossa sociedade, são sinais de submissão ou fragilidade. Existe uma força combativa por trás de cada uma das mulheres que estão presente em minhas colagens, existe uma grandeza no lidar com a dor e entendê-la, em se admitir frágil por vezes, e abrir para mundo, as veias de nossas sensibilidades.
Daí, talvez tenha algo de autoconhecimento e um processo de buscar me entender, de entender nesses processos, meus momentos de crise, meus traumas, meus momentos de ansiedade e que vejo em outras mulheres também, ao ressignificar as imagens e tentar retratar sentimentos tão grandiosos e universais que ressoam (como faíscas ou incêndios) em cada uma de minhas criações.
Para conhecer mais trabalhos da Michelle, acesse o instagram: @mi_asoares
QUERIDA MICHELE,
SOU MAYLA ARAUJO E GOSTARIA DE DIZER-LHE QUE AMEI SUA ARTE SURREALISTA,NOS PARECEMOS UITO AFINAL EU TAMBÉM GOSTO DO SULREALISMO E TIRO FOTOS SESTE GENÊRO.MORO NO MARANHÃO E TENHO 43 ANOS,MAS COM 19 ANOS FUI DIAGNOSTICADA COM TRASTORNO BIPOLAR E ANSIEDADE.TIVE 2 CRISES HORRIVEIS,,JÁ FUI INTERNADA,MAS HOJE TOMO MINHA MEDICAÇÃO NORMALMENTE.,APESAR DE ANTES NÃO ACEITAR MUITO.OLHA,PARABÉNS PELO SEU TRABALHO E QUE DEUS LHE ABENÇÕE NO SEU TRATAMENTO TAMBÉM eE NA SUA VIDA PROFISSIONAL.ABRAÇOS,MAYLA ARAÚJO.