“ASDRÚBAL TROUXE O TROMBONE” Teatro, Literatura marginal e outros desbundes: ENTREVISTA COM NINA DE PÁDUA

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Nina de Pádua conversando com Ana Cristina Cesar

por Patrícia Marcondes de Barros

A atriz carioca Nina de Pádua possui inúmeras participações em produções teatrais, bem como em diversos curtas e longas-metragens. Na televisão, atuou em novelas, minisséries e seriados. Sua trajetória no teatro teve início com a peça “Calabar”, de Chico Buarque e Ruy Guerra, com direção de Fernando Peixoto, em 1973. Contudo, sua estreia foi impedida, pois a peça foi interditada pela Censura Federal no mesmo ano.

Posteriormente, ela ingressou na trupe “Asdrúbal trouxe o trombone”, o que abriu portas para sua profissionalização. Durante nosso bate-papo, ela rememora a cena de efervescência cultural no Rio de Janeiro, no qual grupos de poetas, músicos, designers, atores e atrizes, entre outros, se uniram em meio ao ambiente sombrio vivido no Brasil no período da ditadura militar.

Patrícia – Nina, nos conte sobre a cena da efervescência cultural nos anos 60 e 70 no Rio de Janeiro, em um momento tão difícil como o da ditadura militar.

Nina – Na década de 60, meu irmão, o poeta e letrista João Carlos Pádua, e eu decidimos morar juntos em Ipanema. Ele era amigo de diversos poetas da época, integrantes da cena da poesia em mimeógrafo, e a sua poesia está presente na obra “26 poetas hoje” (1975), organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. Durante esse período, em nosso apartamento em Ipanema, recebíamos frequentemente essa turma da poesia, especialmente Charles, Luís Olavo Fontes e outros.

Naquela época, os jovens não tinham voz nem vez na sociedade. No entanto, com a música, especialmente o rock dos Beatles, Rolling Stones e toda a contracultura hippie, começou um despertar da juventude para expressar suas ideias. Antes disso, o jovem era quase que obrigado a seguir a vontade dos pais, sem poder expressar sua opinião.

A partir dos anos 60, esse cenário começou a mudar, e também surgiu o movimento da guerrilha, da luta armada. Respeitávamos muito essa turma, e alguns de meus amigos até participaram de ações, como o rapto do embaixador dos EUA, em 1969, pela Ação de Libertação Nacional e pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro, em protesto contra a ditadura militar apoiada pelos EUA.

No início da minha carreira, participei de uma peça chamada “Calabar”, que foi impedida de acontecer devido à repressão severa da censura no teatro. Mesmo com todas essas dificuldades e repressão, muitas coisas estavam acontecendo na área artística.

Foi por volta de 1974 e 1975 que o movimento “Asdrúbal trouxe o trombone” começou. Optamos por criar algo inédito, um teatro formado por jovens e para a juventude, focado em entreter e tirar um pouco do peso político de denúncia. Nossa resistência se manifestava ao mostrar as situações e absurdos do cotidiano, questões anacrônicas e conflitos com os pais e toda forma de autoritarismo. O público jovem adorava e lotava o teatro Ipanema.

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Realizamos uma viagem pelo Sul do Brasil, passando por Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, tivemos uma recepção calorosa e uma popularidade que nos surpreendeu, algo comparável ao sucesso dos Beatles (risos)! As pessoas nos seguiam e até precisamos de cordões de isolamento para entrar no teatro.

No entanto, a empolgação foi interrompida quando fomos presos em Santa Maria. Nessa época, Gilberto Gil e Rita Lee também haviam sido presos, mas conseguimos apoio dos estudantes locais, e Nelson Mota, no Rio de Janeiro, e Sergio Jockymann, em Porto Alegre, escreveram em nossa defesa nos jornais. Ficamos uma noite na delegacia, mas acabamos sendo soltos, embora quatro pessoas do grupo tenham permanecido presas.

O movimento “Asdrúbal trouxe o trombone” foi muito ativo no Rio de Janeiro. Antes disso, existiu a geração marginal, que produzia livros em mimeógrafo, tornando-se uma febre artesanal. Muitas pessoas passaram a adotar essa forma de publicação. Nesse contexto, o sucesso do “Asdrúbal” se deveu, em parte, ao seu caráter também artesanal. O teatro montado com delicadeza e dedicação tocava as pessoas. Embora seja uma relíquia do século passado, continua a ser fascinante, mesmo que nos dias atuais talvez não tivesse mais espaço.

Cena da trupe “Asdrúbal trouxe o trombone”, arquivo pessoal .

Patrícia- E como se deu o início da trupe “Asdrúbal trouxe o trombone?”

Nina – O “Asdrúbal” surgiu de um grupo que fazia parte do curso de Sérgio Britto em Botafogo. Naquela época, eu também frequentava esse curso, mas, quando o grupo foi fundado, acabei seguindo outro caminho. Apesar disso, eu sempre estive ligada ao Hamilton Vaz Pereira e trabalhamos juntos em diversas ocasiões. Entre os fundadores do “Asdrúbal” estavam Hamilton Vaz Pereira, Regina Casé, Luís Fernando Guimarães, Jorge Alberto e outros.

O grupo fez uma bem-sucedida apresentação de “O Inspetor Geral” de Nikolai Gogol no Museu de Arte Moderna (MAM). Posteriormente, encenaram “Ubu Rei”, de Alfred Jarry, em 1975. Durante esse período, novas pessoas se juntaram ao grupo, como Daniel Dantas, Julita, Perfeito e Conde, entre outros. Eu, por exemplo, atuei como camareira da Casé, ajudando-a a vestir a fantasia de Ubu, que era feita de espuma e demandava um curto tempo para ser vestida.

Perfeito trabalhou na produção, pois naquela época o conceito de grupo era realmente de colaboração, onde todos participavam com a mesma importância, independentemente da função desempenhada. Em um momento de racha entre atores e atrizes, eu e Perfeito também assumimos o papel de atores. Assim, remontamos a peça “O Inspetor Geral” e fizemos diversas viagens, incluindo uma para Brasília, onde conseguimos levantar fundos para produzir “Trate-me Leão”. Essa peça foi o maior sucesso do grupo, ganhou o prêmio Molière e foi o ponto alto de nossa trajetória juntos.

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Apesar das dificuldades enfrentadas, principalmente devido ao período de repressão imposto pelos militares após o golpe de 1964, aquela época foi muito especial. A juventude irradiava uma energia contagiante, e o “Asdrúbal” acabou abrindo portas para uma nova forma de teatro, mais anárquico e ousado, que viria a ser conhecido como “besteirol” e influenciou as experimentações futuras.

De forma pretensiosa, eu acredito que foi uma espécie de “Semana de Arte Moderna de 1922” em nossa geração! (risos). Como Úrsula Iguarán diz em “Cem Anos de Solidão”, a vida é cíclica, as coisas sempre retornam.

Patrícia – Percebe-se, na década de 1970, a importância desse espírito de coletividade por meio da experiência de comunidades artísticas, desde a “Nuvem Cigana” até o “Asdrúbal trouxe o trombone”. A ideia de grupo e de retribalização, que foi anunciada pelo estilo de vida do Living Theater, assumiu formas específicas no Brasil. Gostaria que você nos contasse sobre essa experiência que permeou a música, a literatura, o teatro e outras instâncias artísticas.

Nina – Eu até apareço na foto da revista “Almanaque Biotônico Nuvem Cigana”, em uma das edições, a ilustrada com a foto do Corcovado. Por conta do meu irmão e do Charles, frequentava bastante o bloco “Charme da Simpatia” relacionada ao coletivo “Nuvem Cigana”.

As melhores festas da época aconteceram na casa do Pedro Cascardo, em Santa Teresa. Então eu estava sempre ali. Teve uma época depois que apareci na contracapa do Clube da Esquina, que foi uma foto do Cafi, que foi meu marido posteriormente. O meu irmão como era poeta foi o que abriu as portas para mim nesse universo da poesia. Começaram as performances poéticas no Museu de Arte Moderna (MAM) e eu ia lá ver Chacal, Charles, entre outros. Tinha muita coisa acontecendo.

Arquivo Pessoal de Patrícia Marcondes de Barros. Revista Almanaque Biotônico Vitalidade e livro “Motor”(1974) do poeta e letrista João Carlos Pádua, irmão de Nina de Pádua.

PatríciaNina, você tem vasta atuação no cinema e na TV. Aqui, gostaria que falasse sobre sua participação nos filmes marginais da época.

Nina – No cinema marginal, participei do filme “O Segredo da Múmia” (1982), dirigido por Ivan Cardoso, uma experiência muito especial em minha vida, especialmente porque Anselmo Vasconcelos interpreta a múmia – somos muito amigos e trabalhamos juntos em diversos momentos.

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Esse filme foi realizado com muita determinação, pois não contávamos com muitos recursos financeiros. Por exemplo, para retratar o deserto do Saara, utilizamos algumas dunas na Barra da Tijuca. O “alfinete”, um amigo do pessoal do Jockey, emprestou cavalos para as filmagens. Tudo era feito no improviso, assim como ocorria no Asdrúbal.

No teatro, chegávamos até a trazer roupas de casa para as encenações, e “O Segredo da Múmia” seguiu a mesma linha. Esse aspecto improvisado tem um encanto extraordinário para mim, pois era realmente uma união de amigos, fazendo tudo juntos. Filmávamos um pedaço e, depois de algum tempo, continuávamos. Se conseguíssemos algum financiamento da Embrafilme, prosseguíamos com as gravações. Portanto, o filme levou algum tempo para ser concluído.

“O Segredo da Múmia” contou com a participação de grandes atores, como Wilson Grey no papel principal. Evandro e Regina Casé também trabalharam no filme, sendo que Evandro interpretou o galã. Além desse, outros filmes surgiram devido à minha relação com Ivan Cardoso, que foi meu marido. Um desses trabalhos foi “Nem tudo é verdade” (1986), no qual trabalhei junto com o diretor Rogério Sganzerla. O filme reconstituiu a visita do cineasta americano Orson Welles ao Brasil, quando ele veio para filmar o documentário It’s All True (Tudo é Verdade).

Patrícia – Nina, nos conte sobre seus projetos nesses últimos anos.

Nina – Em 2019, tive a oportunidade de participar de uma peça intitulada “Marduk”, ao lado de Anselmo Vasconcelos, que abordava a relação entre Hilda Hilst e Caio Fernando Abreu, dois escritores considerados malditos em seus últimos anos de carreira. O texto original foi escrito por Fábio Fabrício Fabretti e trouxe diversas discussões sobre temas como amizade, amor, feminismo, e outros assuntos relevantes.

O espetáculo não apenas abordava a amizade de Hilda com Caio, mas também refletia a amizade que se desenvolveu entre mim e Anselmo Vasconcelos. Essa relação pessoal entre nós dois trouxe um elemento especial para a representação em cena.

Além do teatro, também tive a oportunidade de ser contratada pela Record e permaneci lá até 2020. Estava previsto que eu faria parte de uma novela chamada “Gênesis”, e meu nome foi mencionado em relação ao projeto. No entanto, por motivos diversos, acabei não participando da novela. Essas experiências no teatro e na televisão têm sido enriquecedoras em minha carreira e me permitiram explorar diferentes facetas artísticas e temáticas.

Crédito foto abertura: arquivo pessoal.

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