por Aristides Oliveira
Conversei com o professor Fábio Almeida, que fez parte de uma das bandas que tornou-se referência nas raízes do punk em Teresina. Em qualquer roda de conversa, se alguém cita o nome “Grito Absurdo”, alguém interrompe brevemente o papo, levanta a mão e faz o complemento: “a primeira banda de punk do Piauí”. Para nossa alegria, a única demo dos caras foi digitalizada e está disponível graças a Solar6Voltz Discos. Não estamos aqui pra demarcar espaços, pioneirismos, mas até que provem o contrário, Grito Absurdo deu o primeiro passo…
Eu me chamo Fábio Almeida de Carvalho, ainda lembrado por muita gente em Teresina – onde não moro já se vão 30 anos – como Fábio Absurdo, ou Fábio do Grito. Fui um dos fundadores do Grito Absurdo, juntamente com – na primeira formação – Jorjão (Jorge de Oliveira) e o Plant (bateria). Talvez Grito Absurdo seja a banda punk mais antiga no cenário do underground teresinense.
Me espanta o quanto as pessoas ainda lembram do Grito, falam do Grito, aqueles que fazem o movimento punk desde lá (metade dos anos 80) até aqui e reconhecem a importância histórica do Grito e essa é uma coisa que me marca muito e da qual tenho que confessar, apesar de viver tão longe de Teresina e viver coisas tão diferentes em minha vida hoje em dia, pois me tornei professor de literatura de universidade pública, na qual trabalho há trinta anos, pesquisando populações indígenas e literatura.
Fiz uma carreira como professor de literatura e intelectual nesses trinta anos, mas muito me orgulha essa passagem pelo Grito Absurdo e diria que minha alma continua punk na mesma medida, aliás, voltei a fazer som nos últimos quatro anos.
Sai de Teresina em 1992. O Grito durou de 1985 a 1988 e vim morar em Boa Vista (Roraima), onde moro desde então. Passei alguns anos em Recife, onde assisti muito show do Chico Science, passei alguns anos no Rio de Janeiro e vivo no eterno vai e vem entre Boa Vista e Rio.
Quando o Grito Absurdo acabou no final de 88, toquei uns seis meses com o Megahertz. Fizemos vários shows. Fomos à Bahia, Belém, tocamos no antológico show na praia de Barra Grande (1991). Toquei com o Mega nesse evento. Depois do Mega toquei com o Noigandres e Asseclas.
Estava no lançamento do primeiro disco do Asseclas no Theatro 4 de Setembro. Hoje toco praticamente todos os gêneros, mas numa levada punk. Atualmente toco na banda Spetus, uma banda que tem nome de churrascaria, mas tem um compromisso com o anti-sucesso. A gente toca muito samba, reggae, tudo numa levada punk-rock.
Às vezes as pessoas nos perguntam: “essa é uma banda de samba ou punk rock? Ou é punk-rock-samba? Na verdade é uma mistura porque a gente leva tudo e mistura os gêneros. Na verdade, punk rock é o leitmotiv da sonoridade dessa banda.
O Grito Absurdo, na verdade, foi formado primeiramente por mim e o Jorjão. Eu conhecia o Jorge, ele estudava com um primo meu, mas quando entramos na universidade (1984) – ele fazia Música e eu Letras – nós fizemos as disciplinas do ciclo básico juntos e através do Jorjão conheci a Jane Ferreira Bispo, que tinha acabado de chegar de Salvador, onde passara uma temporada e militou no movimento punk. A Jane chegou com visual, atitude e postura punk.
Então conhecemos a Jane e Marleide (Lins) e essas criaturas foram fundamentais na cabeça daquele menino que queria um mundo diferente, queria outra coisa. Com esse grupo que comecei a ouvir muito punk e começamos a discutir muitas questões da hora, importantes naquele momento. Questões que iam desde a situação política do país, passando pela atitude frente a vida, o medo do armagedon, que naquele tempo se colocava no horizonte das expectativas que nós tínhamos naquele cenário de guerra fria e da questão ambiental.
Nós formamos – primeiramente eu, Jorjão e o Plant – o Grito Abusrdo, como já falei e depois, por conta de uma contenda, a banda se desfez e se refez com o mesmo nome. Na nova formação entra o Raudhflan, ainda bem jovem e tocamos mais ou menos 1 ano e meio e fizemos muitos shows.
Nesse momento, havia um amigo meu, o Jorge, que morava no [bairro] Buenos Aires. Era meu vizinho e diretor do Teatro do Boi e nós ensaiávamos lá, todo domingo. Fizemos shows nesse espaço e nos consorciamos com o Megahertz, fizemos uma parceria com eles, nós nos dávamos muito bem e tenho a maior admiração por eles ainda hoje, pelo Kasbafy, Mike, Gilvan e juntos fizemos vários shows e em outros lugares.
A única demo que temos gravada do grito foi feita pelo Kasbafy. Ainda bem que ele se dispôs a fazer isso porque por nós mesmos, a gente não estava nem aí. Como o Kasbafy tinha uma visão mais alargada em relação ao registro, foi dele a insistência e a efetivação desse projeto.
O Grito Absurdo começou como uma banda de universitários e a gente achava o movimento punk muito interessante. Reconhecíamos as limitações temáticas, as limitações das abordagens, havia muita palavra de ordem se repetindo, mas pouca consciência crítica, ou uma consciência crítica menos aprofundada em relação a essas palavras de ordem e tínhamos uma preocupação muito grande em dar um pouco de profundidade a isso.
Era uma coisa meio engraçada, porque… por exemplo: a gente fez um show “A Hora Absurda”, no Theatro 4 de Setembro (1988). A banda musicou doze poemas de Álvaro de Campos, o heterônimo modernista de Fernando Pessoa. Fizemos isso numa grande produção, quer dizer, uma grande produção dentro do que o movimento punk conseguia produzir, numa esfera bem limitada em que atuávamos.
A gente fez um show que tinha figurino, um ator no palco, havia todo um jogo de luz, poemas muito contundentes e a música era muito bacana. Eu acho uma pena não termos gravado aquilo. De qualquer maneira quero dizer que nós conseguimos colocar no teatro – para que vocês vejam as contradições que tocavam o Grito – nós conseguimos colocar punks, headbangers, uma galera toda de Teresina junto com o povo do teatro, universidade, artistas do meio teatral, a intelectualidade teresinense.
Colocamos várias tribos no teatro e foi muito engraçado porque, no momento que vinha a paulada do Grito, os punks piravam, depois tinham umas encenações e o Adalmir Miranda estava nesse espetáculo. Quando ele começava a recitar os poemas do Álvaro de Campos, os punks xingavam, vaiavam. Acabou que o Zé Reis Pereira – político conhecido na cidade – se levantou e saiu na mão com os caras, foi um negócio muito doido. Foi um show maluco!
No final deu tudo certo, foi uma loucura bacana demais!
O Grito não tinha uma classificação. Era uma banda punk no som, na atitude, nas letras, mas tinha uma concepção de vida que pretendia dar profundidade, em vez de ficar repetindo palavras de ordem, buscava discutir essas questões.
Na terceira fase do Grito Absurdo, o Raudhflan foi substituído pelo Cláudio Hammer – que tinha vindo do Megahertz – e ele era um baterista que naquele momento tinha mais recursos enquanto baterista do que o Raudhflan, muito embora o Raudhflan fosse mais parecido conosco no sentido da atitude.
O Hammer deu um gás na bateria. Foi com ele que gravamos a demotape, mas o Hammer se colocava pouco, não tinha uma atitude punk, mas de qualquer maneira a banda tocou em frente até 1987. Aí eu e Jorjão tivemos uma pequena treta, coisa ridícula de gente jovem que se arde com pouca pimenta e acabamos desfazendo.
Fui tocar com o Megahertz, Asseclas, Noigandres e o Grito Absurdo, na verdade, eu acho que quem viveu a cena underground teresinense de meados dos anos 80 deve lembrar do Grito, porque foi uma banda que, para uns despertava raiva e para outros adoravam.
Ser punk em Teresina era muito difícil. Muito embora eu não costumasse andar todo vestido de preto, porque o calor da cidade é insuportável e sempre preferi andar quase nu. O calor me incomoda muito, mas a questão do respeito era difícil. A gente passava perrengue de vez em quando com a polícia e tinha uma preocupação muito grande com o que a gente ia fazer.
Para fumar um beck era uma confusão. Se a polícia pegasse a gente faltava era matar. O certo é que o Grito Absurdo fazia um sonoridade que eu diria punk, apesar de muito personalista, com letras ou conteúdo que não eram exatamente aqueles que costumavam tocar no movimento punk.
Eram letras mais elaboradas, com uma preocupação literária, uma ligação com a poesia, havia uma dimensão política muito forte, mas também uma dimensão estética que configurava e era responsável pelo resultado final do produto que a gente conseguia em termos sonoros.
Na verdade, nós não éramos músicos. Nunca fui músico, apesar de continuar tocando até hoje, mas ter feito parte dessa história do movimento punk em Teresina é fundamental. Ser um dos precursores desse movimento, logo depois, um ano ou um ano e meio depois surgiu o Verme Noise, a banda do Chakal, que era fantástica e continua sendo.
Tenho a maior admiração pelo Chakal e pelos que sucederam o Grito.
Lembro do Leo Punk, Zenom… Essa história pra mim, apesar de vivenciar hoje uma realidade bem diversa, minha alma continua punk e a mente continua jovem. O grande barato é a gente morrer jovem o mais velho possível.
Tem uma coisa que acho que falta com a maioria dos caras que eu convivo hoje é aquela vontade de reunir para ensaiar, fazer um som, trocar ideia sobre música. O bom dessa vida é que tenho sempre encontrado os malucos que também passaram por essas coisas todas e chegaram numa vibe que tem orgulho de fazer isso.
O punk está na veia, é um rio subterrâneo que corre em mim. Vou morrer anarquista e tendo esse compromisso com aquilo que considero a verdade e a beleza.
Isso é o que me toca.
Isso é o que me move.
Agradeço a Marlon Rodner por mediar o contato com Fábio.
Entrevista e relato muito bom , de quem realmente vivenciou experiências dentro do movimento punk e da música pesada daqui.
Ótima matéria e fico muito feliz por termos visões bem parecidas, como as que foram relatadas no texto sobre o Grito Absurdo. Muita gente citada são meus amigos de infância dentre outros da geraçao 80. Mike, Gilvan e a turma do mega, conheci o Jorjão através de um amigo do saci, o Marco Cachorrão, o Cláudio também tocando no Mega, Zenon, Emanuel, Ronaldo,Ricardo Jr, Mário , Nixon, Junior Cd,Flávio pimenta, muita gente boa. Tem amigo das antigas e outros citados também que são parceiros do cenário rock n roll teresinense. Vida longa ao Punk sempre!!