Vozes do Punk Vol. 9: “Punk tem que ser cruel, valente”

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Por Aristides Oliveira

Conversar com Gordo foi uma experiência muito boa. Com irreverência e trajetória, ele conta pra gente como conheceu o punk quando vivia em São Paulo e a relação inicial é bem diferente do que estou acostumado a ouvir dos entrevistados.

E não é só isso, Gordo é um pai que transmitiu a paixão pelo som ao seu filho Nandinho (guitarrista da Helpoison/Desorder, baterista  e vocalista do Pisa HC), hoje parceiro na jornada punk. De pai para o filho, a rebeldia e atitude se prolongam por muitos anos.

De Jaicós para o mundo, Gordo solta o verbo na Acrobata.

Cheguei em São Paulo em 1983, ainda jovem, 17/18 anos. Meu primeiro trampo foi na  Via Achieta. Nos anos 80, quase na década toda aconteceram as greves gerais, as trabalhistas. Eu trabalhava na marcenaria. Aí eu vi aquele movimento, trabalhador misturado com punk. Até então, não sabia que porra era punk.

Era um cara do interior que vai pra São Paulo, até a gente interagir com as coisas demora. Aqueles caras de coturno preto, aquela coisa toda, achava massa pra caralho. Aí eu fui interagindo e tal. Quando entrei no movimento punk, eu não conhecia o som, mas eu acho que foi por causa da participação da galera em protestar e reivindicar coisas erradas que estavam acontecendo.

Como eu sempre morei em periferia lá em São Paulo, a gente se identificou com o pessoal e queria saber o que era e tal. A via Anchieta é a mesma avenida que dá acesso a São Bernardo do Campo, ou seja, punk + São Bernardo + ABC, aquela coisa toda deu foi certo!

Mesmo tímido, comecei a trocar ideia com os caras. Nordestino, não sabia trocar ideia direito, mas fui conhecendo vários amigos de Santo André, São Bernardo, Mauá e comecei a frequentar, os caras me convidaram para os embalos, tá ligado?

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Em São Paulo, nos bairros têm as Casas de Cultura e eu frequentava a Casa do Moinho Velho, que era perto da favela onde eu morava. Nessas Casas, todo sábado tinha movimento: rap, rock, headbangers e tinha o dia do punk. Assim, a gente não podia se misturar, porque naquela época já começava a violência entre gangs e isso me marcou muito, porque eu procurava não me envolver. Eu era mais pacifista no caso.

Em relação à violência, eu não participei de tumulto, só com polícia mesmo. Aquele negócio: os “homi” chegava: tome cassetete, borrachada, entendeu? Naquela não tinha spray de pimenta, essas porra toda. Era cassetete mesmo! Levei muita borrachada e meio mundo de gente. As únicas violências que eu participei foi com a polícia e não com gangs.

Comecei a frequentar os bailes, os clubes que tinha da região: ABC, São Caetano (tinha pouco lá), Mauá, Santo André, São Bernardo então?! Vixe! São Bernardo era o foco. Eu ia muito para esses locais. Ensaio dos Garotos Podres! A gente tinha uma certa coletividade. Infelizmente não há registros da época, porque só quem tinha máquina fotográfica era profissional mesmo e algum perdido lá.

Minha entrada no punk não foi musical, mas nas greves, marchas. Eu via muito as pessoas se interessando em combater a repressão, brigar por salário bom e coisas melhores. Aí eu fui curtindo o som: Inocentes já tava na parada e eu curtia muito. Garotos Podres, como todo punk daquela época era nossa banda favorita.

Aí vem Replicantes, TNT (banda das antigas, nem sei se existe mais!), Olho Seco. Eu curtia tudo isso aí. O sonho era montar uma banda, aí eu fiquei em São Paulo de 1983-1994. Eu vi tudo. Aquele separatismo, confusão de João Gordo com o trash metal, o crossover, a aquela galera traidora do movimento, aquilo tudo eu acompanhei.

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Em 1994, como eu sou do Piauí, de Jaicós, meu pai e mãe são velhinhos e eu era o filho caçula. Então ele completou 88 anos, eu vou ter que passar os finais de vida com ele. Aí vim embora. De 1994 a 1998 eu fiquei curtindo e entrei na banda de Picos (PI) chamada Desorder e fazia cover, mas tinha um trabalho autoral. Tocamos em Floriano (PI), Picos…

Ep Caos – 2020

Até então eu dei um tempo porque na minha cidade só tinha eu que curtia um som mais agressivo. Outro lugar mais perto era Picos, que é a 45 km daqui. O busão era limitado e eu nem todo final de semana eu podia ir pra lá. Eu tava tocando meu comércio também, um barzinho e tal: o Rote 66 que montei aqui.

Como aqui não tinha ninguém eu falei: “porra é foda!”. Aí meu sonho de montar a banda acabou. Eu fiquei de 1998 até 2012… Pra você ver como é a coisa… Eu tive que casar, fazer filhos para poder montar minha banda! Tu acredita?! Meu filho com onze anos começou a tocar violão, com doze, eu já comprei a guitarra pra ele e meu filho é multiuso: ele toca violão, baixo, guitarra, bateria, ele grava nossos CDs aqui, toca em duas bandas em Teresina (PI) e toca comigo na Desorder HC.

Nando Garcia (Nandinho) e Gordo: punk em família.
Arquivo pessoal.

Quando eu vim de São Paulo, já trouxe tudo que precisava para montar uma banda: bateria, baixo, guitarra. Aí ele cresceu em cima disso. Fiz três filhos ( Nandinho, Álvaro (Bob) Dilan e Sara Janis (Joplin)). Não tinha como nenhum deles não ser algo do tipo. Esperei, cresceu, a gente formou uma banda em 2014 e tamo aí na luta até hoje! Demos uma parada por causa da porra dessa pandemia, mas temos um bocado de coisa já preparada para quando voltar tudo ao normal a gente arregaça!

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Até 2014 eu parei no tempo. Escutava só as coisas velhas que eu trouxe. Não me interessei por novidade e o que me fez voltar novamente foi meu filho, que se interessou mesmo e voltei tudo de novo. Teve alguns estilos que tive que me adaptar, como o trashcore, essas coisas de crossover, que na época pra mim era punk e mais nada.

Aprendi as novidades com ele, a escutar de tudo e frequentar Teresina e estamos aí! Logo em cima disso eu abri o Beko Underground e fazia dois eventos por ano, para o metal e o punk. Para o futuro, eu sou cinquentão e meu moleque tem 22, eu tenho alguns anos aí, 10, 15, talvez mais fazendo música.

Quando for a Jaicós, dá uma passada no Beko pra tomar uma gelada e ouvir som, beleza?!
Acesse: https://www.facebook.com/Beko-Underground-1749531278466056/

Quando eu parar de tocar vou dar continuidade ao Beko mesmo. Vou dar um grau aqui para ver qual que é, mas eu não pretendo parar agora não! Tô compondo, tem muito material novo que tô fazendo, as situações que a gente tá vivendo… Não precisa ser um super compositor pra gente ver o que tá acontecendo né?! E aí tudo de ruim tá na nossa frente. É tanta coisa que está acontecendo que é fácil compor punk rock.

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