Katarina Nápoles, a voz que habita o mar

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Minha conexão com Pernambuco vem desde que conheci a obra de Jomard Muniz de Britto. Daí pra frente, sempre busco romper os laços da saudade em busca de sons e paisagens que fortaleçam meu carinho por lá. Nesse busca, descobri um disco que já é marca das trilhas que compõem a pernambucanidade à distância: Guma. Conheci o álbum “Cais” (2018) e gostaria de compartilhar com vocês a importância de Katarina Nápoles (vocalista) para a nova cena musical brasileira. O painel se renova a cada dia e ela faz parte dessa transformação. Conheçam um pouco o que Katarina tem a dizer e escutem Guma. Vem mais coisa boa por aí na voz dessa mulher.

Por Aristides Oliveira

Quando você deu os primeiros passos com a música? Em que momento você percebeu que era possível seguir com este projeto na sua vida?

As minhas memórias mais antigas de criança envolvem música e o sonho de ser cantora. Não lembro de nenhum momento na minha vida em que esse não fosse o objetivo primeiro. Então, não posso falar de “um estalo” específico porque esse processo foi muito natural, sempre me acompanhou desde a infância: cantava na frente da TV o dia inteiro e minha mãe sempre alugava um karaokê pro meu aniversário. Ganhei meu primeiro violão aos 10 anos e, dali em diante, passei a pesquisar tudo na Internet pra aprender a tocar. Foi um processo bem natural mesmo.

Disponível no Spotify

Antes de lançar o álbum “Cais” (2018) com a banda Guma, o que você estava fazendo/pensando musicalmente?

Sempre escrevi muitas letras e, antes de Cais, estava trabalhando na melodia de algumas delas pra lançar um EP solo com a ajuda de um amigo. Mas o tempo passou e, em algum momento, percebi que aquelas músicas não faziam mais sentido pra mim, então deixei essa ideia totalmente pra trás pra focar apenas em Guma. De toda forma, vez ou outra postava (e raramente ainda posto) versões de músicas que gosto no SoundCloud, YouTube, Facebook e Instagram.

Que tipo de som você está escutando? Faça umas indicações pra gente. Como você define a importância dessas sonoridades na tua formação artística?

Tenho escutado muita música brasileira contemporânea, principalmente daqui de Pernambuco. Indico fortemente os novos discos dos artistas daqui: Macumbas e Catimbós de Alessandra Leão (inclusive vi um show recentemente desse disco, a coisa mais linda, quem puder, vá!), Flertar é Humano de Madimboo, Coruja Muda de Siba e Pág. 72 da Torre. Também tô viciada no novo de Emicida e no de Kiko Dinucci, Rastilho.

Esses artistas tem toda a importância na minha formação artística. Não tenho a menor vergonha de dizer que muito do que crio vem da escuta dos sons que curto e de uma necessidade de copiar e replicar mesmo. Acho que Kiko e Siba vêm bem antes, até pelo tempo de carreira, mas com o crescimento da cena daqui e até um maior contato que tô podendo ter recentemente, tenho ficado impressionada com a criação da galera, prestando muita atenção (principalmente nas letras, rs).

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Guma – Destilado

Guma. O que significa?

Guma é o nome do personagem principal do livro Mar Morto, de Jorge Amado. Esse livro foi um ponto de partida bem importante nas composições do disco e é também uma referência que acompanha a gente até hoje porque dá o tom de alguns aspectos do no nosso som, que conversam com a água, com o mar, o amor que nasce nesse cenário e também com a morte.

Em quanto tempo o álbum foi produzido? Existem planos para lança-lo em mídia física?

O álbum demorou quase dois anos pra ser finalizado. Começamos a estruturar as músicas e gravá-las no início de 2017, mas só conseguimos lançar o disco todo pronto no finzinho de 2018. O processo foi demorado porque tínhamos que organizar a agenda de todos e também porque, mesmo depois de todas as músicas gravadas, foi preciso fazer a mixagem e masterização de forma independente.

Lançar o disco fisicamente era um desejo desde o início, inclusive toda a identidade visual do álbum foi pensada pra isso. Mas a ideia acabou não se concretizando porque tivemos que priorizar outras coisas no lançamento e na divulgação – também porque o dinheiro era e ainda é pouco. Queríamos muito ter esse produto físico, mas acho que começamos a aceitar a ideia de que isso não vai ser mais possível com esse disco em específico, pelo menos não agora.

Créditos: Douglas Henrique

Falando da banda: como foi o encontro entre você e os demais integrantes? Que afinidades podem ser destacadas para o conjunto ficar tão afinado?

A gente se conheceu na Universidade Federal de Pernambuco. Eu e Caio fazíamos Jornalismo (em turmas diferentes) e Carlos fazia História. Eram prédios separados, mas bem pertinho um do outro. Foi bem natural esse encontro porque tínhamos muito tempo livre e também porque carimbávamos os mesmos lugares e as mesmas rodinhas de violão, rs.

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Acredito que a afinação da banda tem muito do ouvido dos meninos, que posteriormente estudaram produção fonográfica e ficaram 10x mais exigentes com a sonoridade dos nossos instrumentos. Confesso que se dependesse de mim, no início, faríamos algo bem mais amador. Aprendi e aprendo muito com eles todos os dias. Foi bem importante pra mim essa junção. 

E as letras compostas para “Cais”. Como foi o processo de criação? Qual o universo você quer alcançar através da paisagem sonora das canções?

A maioria das letras de Cais já estavam escritas antes de pensarmos em um álbum, então o universo que a gente alcançou veio depois da gente ter entendido o disco todo pronto. Olhamos a obra completa e entendemos que ela seguia uma linha de raciocínio que repetia alguns elementos como o mar, o amor, o medo, a morte, a água, a nostalgia, que veio inevitavelmente nas nossas letras antigas, escritas quando mais jovens…

Se você pega Adelino, por exemplo, é uma história de amor ambientada nesse cenário marítimo, assim como Destilado já parece contar mais o pós dessa história, na fase da desilusão. Então, naturalmente a gente acabou repetindo esses temas, porque eles vieram antes do disco ser o disco.

Créditos: Yasmin Lino

Qual a sua leitura sobre a participação das mulheres no cenário musical brasileiro atualmente?

Tenho me sentido constantemente renovada e instigada com a participação das mulheres no cenário musical brasileiro atual. Sempre preferi ouvir mulheres (até pra conseguir replicar o timbre, já que é mais fácil pra mim), mas nunca consegui ouvir tantas produzindo tanta coisa boa como faço hoje. E muitas delas são instrumentistas e compositoras. Na verdade, a grande maioria compõe as próprias músicas. Isso é absurdo porque antigamente era muito comum que mulheres só cantassem e interpretassem. E cantar e interpretar não é ruim, claro, mas a gente também tem muita coisa a dizer, sabe? Temos talentos para além disso. É muito animador poder ver, aos poucos, esses outros talentos – por tanto tempo negados à gente –  ganhando espaço.

De quebra, acabo me sentindo muito mais representada musicalmente quando vivo no mesmo espaço-tempo que Tulipa Ruiz, Karina Buhr, Ava Rocha, Josyara, Letrux… Elas têm coisas a dizer que eu entendo e me identifico. É realmente instigante, leva minha paixão por música pra outro patamar.

Para quem não mora em Pernambuco, fala para os leitores/leitores da Acrobata como está a cena musical daí. Além das bandas e artistas com reconhecimento nacional, que grupos estão surgindo e atuando? Tem espaço pra todo mundo mostrar seu trabalho?

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Muito do que tenho ouvido atualmente é daqui, então acabou que já dei boas indicações na outra pergunta. Mas ainda sobrou muita gente pra citar, então vamos lá: a primeira indicação que considero urgente e penso que é uma artista que o único caminho possível é o sucesso é Una. Ela lançou o álbum Esquartejada há pouco, um disco fortíssimo, que é pra combinar com a voz dela. Recomendo fortemente.

Uma banda que indico muito também é a Bule. Eles têm um som bem pop, dançante e um show muito instigante. Tive a oportunidade de viajar em turnê com o grupo e vi a galera se apaixonando pelo som. A Mazuli também lançou um EP belíssimo, super bem produzido, com letras lindas e nosso sotaque pernambucano que não deixa dúvidas de que o som é daqui. Outro artista que posso citar e que gosto muito também é Martins. Ele tem uma voz absurda, toca um violão empurrado e lançou disco solo recentemente (a banda da qual ele faz parte, a Marsa, também tem um disco dos mais lindos já feitos, recomendo fortemente).

Claro que ainda fica aquela sensação de que não tem espaço pra todo mundo. Isso porque aqui em Recife a gente tem pouquíssimos lugares pra tocar e, mesmo se valendo dos que resistem, fazer evento independente ainda é corre e ainda não gera lucro. Daí vem a sensação de que a gente fica se repetindo apenas com os artistas que conseguem levantar essa grana pra colocar um evento e reproduzindo esses privilégios.

Se a gente pensa em artistas fora da bolha de Recife como Mestre Anderson Miguel ou Cassio Oli ou até mesmo artistas fora da bolha da “cena de rock” como Siba Carvalho, Bione e Rayssa Dias (todos esses valem muito a pena conhecer), a gente ainda visualiza eventos muito nichados. Claro que tem uma parte do público que procura eventos de nicho, mas é explícita a falta de investimento em eventos que a gente consiga divulgar os vários Estados de Pernambuco. A gente não é só folclore, e a cena de Recife não é só de rock. Acho que é mais nesse sentido que pensar no cenário daqui me entristece.

O que Guma planeja para 2020? Por onde a voz de Katarina vai ecoar neste ano?

A gente já tem algumas composições prontas e a ideia é lançar singles durante o ano. Um deles já foi gravado, está sendo produzido por Marcelo Machado, guitarrista da Mombojó, e deve ser lançado agora em março. O outro vai demorar mais um pouco pra ficar pronto e a ideia é que a gente lance ele junto com um clipe. Queremos apostar muito em vídeo esse ano e, claro, rodar com nosso show por outros lugares do Brasil.

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–> O crédito da imagem de abertura é de Hannah Carvalho.

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