De Tião Carreiro a Clara Nunes, o rap de Gon Salves

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 Rapper são-carlense mistura referências musicais com samples de peso e muita lírica

por Monyse Damasceno

Rafael Gonçalves tem a energia contagiante de um jovem de 24 anos, e isso ele prova em poucos minutos de conversa ou quando se sente à vontade para soltar a voz. Aliás, nascido em São Carlos, interior de SP, diz com muita propriedade que foi criado em um berço musical e relembra histórias da infância ao lado dos avós, que sempre fizeram viva a presença da música dentro da casa da família. Gon Salves, vulgo que adotou desde que escolheu traçar o caminho na cultura Hip Hop, sabe do desafio, não foge do trabalho diário e busca colher frutos dentro e ao lado do rap nacional.

Em outubro de 2019 Gon Salves lançou seu primeiro disco “Por Melhores Dias”, que traz em suas 12 faixas grandes influências musicais, como a moda de viola do mestre Tião Carreiro. O EP chega carregado de parcerias importantes para sua diversificação, que acabou sendo a sua marca graças aos samples que trazem Tim Maia, Clara Nunes e outros grandes nomes da música. A produção musical e os beats pesadíssimos foram trabalho da Correra Records, pelas mãos de Lincoln Rossi.

O mundo mudou e a forma de fazer música e rap também, aliado às redes sociais aposta nos canais midiáticos para divulgar seu trabalho pelos quatro cantos do país. Para um jovem do interior do estado de São Paulo que sonha em viver da música rap, o que não faltam são planos para imprimir sua identidade na música nacional e alcançar o máximo de pessoas possíveis com as suas letras e ritmos dançantes. Conversamos um pouco com Gon Salves para entender o que o torna esse aficionado pela cultura Hip Hop e seus desejos para os dias que vem pela frente, que, com certeza, serão melhores.

De onde vem a sua conexão com a música?

Minha família é totalmente musical. Desde pequeno sempre tive um contato íntimo com a música, lembro das coleções de CD e vinil do meu avô, inclusive, é presente na minha memória cenas em que ele parava para ouvir músicas e absorver cada ideia transmitida. Tenho um tio violeiro, meu pai também toca e, ainda pequeno, ganhei um violão da minha avó. E isso me marca muito, porque parece que funcionou como um estímulo, sabe? Outro dia descobri que meu bisavô fazia frente da Folia de Reis em Minas Gerais, não cheguei a conhecê-lo, mas são histórias como essa que me fazem acreditar no que sempre digo e tenho em mente, a música é uma herança na minha vida.

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Na hora de colocar as rimas no papel e pensar o seu som, quem são as principais referências? E quem mais influencia você a seguir nesse caminho?

Já deu para perceber que não tenho como falar do que eu faço sem falar da minha família, mas, o apoio que os meus pais me dão os fazem ser grandes influenciadores no meu trabalho. Meu pai, lá atrás, me apresentou a música, me fez abrir a mente para captar as ideias das letras. Já minha mãe, mesmo sem conhecimento técnico, analisa minhas letras e, com o feeling, é capaz de dizer se a coisa está indo pelo lado certo ou não. Referências tenho aos montes, são várias e variadas. A Moda de Viola, Tião Carreiro, e toda a sua base me trouxeram até aqui. A lírica, minha maneira de escrever, é inspiração pura que a música raiz sertaneja me dá. Na cena do Hip Hop vêm outras grandes referências, Marcelo D2, Eduardo Taddeo e Racionais MC’s, foram as primeiras. Hoje em dia existem outros, até mesmo na minha cidade (São Carlos/SP), uma galera de peso que está próxima de mim, como Lincoln Rossi, Subloco Coletividade, Sara Donato, Teddy Paçoka. Com base nas vivências, acredito eu, essa lista vai crescendo cada vez mais, e fico feliz com isso.

Quais vivências e momentos marcaram positivamente a sua carreira até agora?

No final de 2017 finalizei o primeiro EP “Matando as Baratas”, que foi lançado no ano seguinte, através da Correra Records e com gravações no estúdio do Thiago Santa Maria. Como primeiro trampo, esse foi um momento muito marcante, toda aquela expectativa gera um sentimento muito bom. Sem falar que esse trabalho contou com uma parceria muito importante que é o Dom Xande. Ano passado, 2019, realizei dois shows memoráveis, um dele foi no Sesc São Carlos e o outro foi durante o “Morada do Sol Rap Festival”, em Araraquara. Esse último show foi mil grau, porque durante a apresentação da faixa “Sankbronx”, do disco “Por Melhores Dias”, um b-boy que estava acompanhando na plateia subiu ao palco e performou. Naquele momento pude perceber que minha música estava sendo ouvida e sentida, e essa é uma das principais metas desse álbum.

Por Melhores Dias” é seu segundo trabalho, como foi o processo de criação?

Todo processo que envolve esse álbum foi gratificante. As participações que somaram são todas marcantes, artistas completos e complexos, que engrandecem o projeto com suas formas de fazer arte e música. Sobre o processo de criação, era metade de 2018, já possuía algumas letras prontas, outras para serem projetadas, nesse momento eu e o Lincoln Rossi fechamos uma parceria em que o álbum seria totalmente produzido pela Correra Records. Não tinha como dizer não, né? O cara é referência no que faz. Sentamos e organizamos o que precisava ser acrescentado. Entre a produção de uma música e outra, é importante resgatar que na época eu estava assistindo a série “The Get Down”, a narrativa sobre a história do Hip Hop me deu várias ideias, foi através dela que alimentei meu maior desejo: trazer os b-boys para dentro desse álbum, fazendo eles explorarem o meu som com o corpo.

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O álbum chega diversificado e traz grandes referências da música brasileira, como isso aconteceu?

Sempre gostei da arte do sample, esse lance de recortar uma música e construir o rap em cima dela. Uma das primeiras que me pegou foi “Desabafo” do Marcelo D2, uma obra de arte. O maior barato de “Por Melhores Dias” foi que eu pude apresentar as músicas originais para o Lincoln fazer o sample. Nesse processo misturamos sons brasileiros que fizeram parte da minha vida e pude conhecer outros. É como o Mano Brown diz “as músicas são recicladas e recicláveis sempre”. Samples do Tim Maia, Cassiano, Clara Nunes, Célia, dão a esse EP uma riqueza musical que eu aprecio demais. O Lincoln Rossi, Correra Records, foi extremamente importante, ele que direcionou o projeto, se dispôs inteiramente para que esse álbum se tornasse o que é, meu total agradecimento e admiração.

Já falamos de influências e referências, com quem você gostaria de gravar uma parceria?

Se as boas energias do universo me permitirem fazer rap como as minhas referências fazem, vai dar para gravar muita coisa com muita gente boa. Rap Plus Size e Sara Donato, que são artista da minha cidade, Souto MC e Bia Ferreira me chamam bastante a atenção, e existem aqueles sonhos de fã, como gravar com Marcelo D2, Emicida, Drik Barbosa, Marechal MC. Somar com artistas de outros ritmos, Péricles, Zé Ramalho, Chitãozinho e Xororó. Vamos estudando e projetando para alcançar essas referências, a arte aproxima o que a gente nem imagina, então, no trabalho firme tudo pode acontecer.

Qual a sua visão sobre a cena atual do rap no Brasil?

Muito doido ver que os nossos e nossas vem se empoderando cada vez mais os seus discursos, se valorizando como profissionais e artistas que são, vivendo dos sonhos, da arte. Hoje em dia a gente pode testemunhar que as referências brasileiras são mais buscadas, nomes bons reconhecidos aqui e lá fora, o rap indígena e nordestino tendo o destaque que merecem. Ver as minas rimando, não só no estado de São Paulo, mas Brasil a fora. A arte evolui, ganha solidez, e o cenário se fortalece.

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Por que “Por Melhores Dias”? E quais aprendizados resultaram desse trabalho?

O princípio da cultura Hip Hop, o que move a nossa existência, é a busca por melhores dias em nossas vidas, e isso cruza com a própria história do movimento da cultura periférica, que busca na expressão artística um ponto de escape para a violência, racismo e tantas outras mazelas sociais. Eu resolvi falar dessa busca na maioria das faixas, de forma envolvente e dançante, porque esse é outro princípio do Hip Hop, a dança, o movimento do corpo. “Por Melhores Dias” ainda vem me trazendo aprendizados, amadurecimento da parte técnica, mais afinidade com o estúdio, minha lírica e com o palco. Um processo contínuo de descobrir minha identidade através dessas 12 faixas que direcionam minha arte.

Você acredita que as redes sociais e a internet são fundamentais na atualidade?

Primeiro que é surreal saber que qualquer pessoa do mundo pode ter acesso ao meu som, não existem barreiras. Isso ajuda muito o artista independente, principalmente. A liberdade de fazer o seu som sem depender de uma gravadora, de um contrato. Nasci na metade dos anos 90, sou da era do CD, de reunir a galera pra ouvir e escrever a letra nos cadernos. Hoje em dia, com cliques, se poder acessar, compartilhar, tudo muito rápido. A criação de conteúdo movimenta as redes, a divulgação do rap, da cultura Hip Hop, a possibilidade de consumir e produzir arte, nossa própria música.

 Gon Salves vem chegando com novos projetos em 2020?

Nunca para, comecei a projetar um álbum, com o alvo em música romântica. O que eu não gosto é de ficar no mesmo. Busco sair da zona de conforto, buscar fazer o que ainda não fiz e o que não estão fazendo na cena, inovar. Me aprofundar na Música Popular e Brasileira, estudar bastante para trazer coisas interessantes para o público, quero fazer videoclipes, ainda tem muita coisa para ser feita.

Crédito das imagens: Monyse Damasceno.

Monyse Damasceno, jornalista pela UFPI, é natural de Floriano no interior do Piauí e hoje reside em São Carlos – SP. É mestranda em Imagem e Som pela UFSCar, pesquisando audiovisual e o rap nacional. Amante da fotografia e da diversidade da música brasileira, escreve sobre o que dá telha.

1 comentário em “De Tião Carreiro a Clara Nunes, o rap de Gon Salves”

  1. Parabéns ao Gon Salves … músicas boas de se curtir , som da hora ,sucesso no que tem ainda por vir…. Parabéns ao Lincon Rossi grande produtor !! E a grande jornalista Monyse Damasceno pela matéria !!! Sou fã de primeira de Gon Salves ……. ❤

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