Vozes do Punk Vol. 11 – Eduardo Crispim: “Não era música para agradar, era música para agredir”.

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por Aristides Oliveira

Retomando a série de conversas sobre a memória do punk em Teresina, Eduardo Crispim (Obtus, baixo) topou trocar uma ideia com a Acrobata e compartilhou suas histórias envolvendo música e o skate. Seu olhar atravessa um conjunto de experiências que viveu na década de 90, até a sua participação no Obtus, referência para qualquer ouvinte exigente de punk-rock e uma das bandas mais influentes do gênero em atividade.

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Comecei a ouvir punk-hardcore quando era moleque, tipo, chegando nos 11 anos. Amigo de escola chamando para dar uns rolê de skate e tal. Já andava de skate, bicicross. Com o skate consegui estar na rua vivenciando coisas de adulto e foi justamente nessa época que conheci aquele disco “Brasil”, do Ratos [de Porão], na época do lançamento, quando as coisas ainda tinham um delay para chegar na cidade.

1989

Aquela capa traz um retrato social do país muito louco e a música contagiante do punk-crossover que a galera escutava. Ficava ali no ciclo do Mocambinho, andando com o pessoal que estava escutando rock and roll, reggae, a gente sempre ia para os rolês de reggae (alternativas as serestas do começo dos anos 90) nos bairros vizinhos, Buenos Aires, Vila São Francisco, Poty Velho. Tinha um lugar chamado Chaparral.

A vivência pelo skate me fez escutar a música punk-hardcore. Com isso você vai buscando mais referências. Era um tempo muito fértil e eu morava num bairro muito fértil, que foi o Mocambinho. Morei boa parte da minha vida lá, de 1985 a 2000. Fiquei um tempo fora de depois voltei a morar no Mocambinho. Era um bairro com a juventude fervorosa. Tinha o pessoal do Mocambinho’s Bangers. Lembro do Iran, que estava sempre nos rolês de skate com a gente.

Comecei a visualizar show esporádicos no Liceu. Scud tocando no Liceu. No Matadouro às vezes tinha show, os pontos que sempre tinha show era na sede do PC do B, que ficava bem próximo ali do Instituto Federal de Educação (antiga Escola Técnica), que também rolava uns sons. Tinha uma cena na região do Barrocão.

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Vi um show do Megahertz lá e pra mim era muito bacana ver o rock acontecendo ali no caminho dos olhos. O punk-hardcore para mim é o som político. Não dá pra dizer que é esfera completamente política, mas a esfera do visual era consequência de usar uma camisa de banda, calça mais largada, as roupas que se tinham na época.

A gente pegava muito solavanco, às vezes por estar de coturno, com o cabelo diferente, camisa sem manga preta. Era constante ser parado pela polícia, ser revistado, esse tipo de coisa, para ver se encontrava algo. Com o skate não era diferente. Andar de skate em Teresina nos primeiros anos da década de 90… Não se tinha quase nada na zona leste… Potycabana tinha acabado de ser construída… Para andar de skate na cidade tinha que ser o mais distante da polícia, porque eles chagavam, tomavam, quebravam, batia. Era um esporte de resistência.

Foto: Aline Neves.

Isso foi mudando, se transformando no que diz respeito ao skate, mas no rock and roll não, é muito massacrado, visto com os olhos marginalizados. Conheci o Rogério Deathtrash e ele fazia uma coisa que na época pra mim foi muito massa. Me convidar para trampar junto com ele e fazer um fanzine chamado Baby Hell durante um tempo, cerca de três edições.

Eu ficava na parte de diagramar, recortar as peças, pedaços que tinham sido datilografados, uns lambe para fazer capa e a diagramação era no papel ofício e tinha que xerocar tudo e enviar para galera via carta. Tudo muito na dependência do Correios. As bandas se comunicavam por Correios, você conhecia novas bandas através das demo tapes. Na cena local, a banda Grito Absurdo tinha se desfeito, mas tínhamos o Verme Noise no comecinho, ativo. Em 1993, através do Deathtrash eu conheci os meninos do Beira de Esgosto, dois malucos do Morada Nova, irmãos, e um que morava na Piçarra.

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Tudo da zona sul e eu da zona norte. Conversa vai, conversa vem e daí nasceu o Terra Podre. A banda ficou viva com essa formação durante bastante tempo. Fizemos muitos shows. Gravamos uma demo chamada “Parte sombria” e um CD “Terra Podre”. Tocamos em São Luís, trouxemos bandas do movimento anarcopunk de lá para tocar aqui, mas com o ponto político musical. Primeiro porque a gente não conseguia espaço na cidade para tocar com as outras bandas.

Éramos vistos com uma “banda menor” e acho que por conta do ciclo de amigos mesmo. Em Teresina, as coisas sempre circulam na brodagem, bem como em outros lugares, mas as pessoas não queriam conhecer uma banda que já tivessem no ciclo de amigos delas. O primeiro show foi em 1994 na praça da Vila da Paz, em cima de um caminhão. Depois a gente foi convidado para fazer outros shows com o Fimose, que era uma banda que surgiu na mesma época. Era para ser o show de lançamento (1995) do Monasteruim, só que teve um evento conhecido como o “show do cachorro”…

Polícia fechou, como sempre, não enquadrou ninguém. Acabou com o show e saiu… Nos anos seguintes, em 1995 ficou morno. Teresina ficava muito apática, mas ainda conseguimos tocar com o Amnésia (SLZ), Demolidor e Cura Moderna. Você tinha um, dois shows por ano, de bandas tanto de metal, como de punk rock, e em 1996 a gente criou um evento chamado Chapada Rock.

Foi o primeiro show que a gente realizou. De 1996 a 2001 realizamos esse show anualmente. No primeiro show a gente trouxe o Terror-Terror (Crust, SLZ), que era uma banda de um grande amigo da gente, Joacy Jammes, uma grande figura do movimento anarcopunk brasileiro. Já tem um tempo que eles nos deixou…

Conheci o Obtus quando convidamos eles para tocar no primeiro show. A gente teve um papel muito grande no lançamento do Obtus. Já era bem amigo do Chakal e para virar amigos dos meninos não demorou muito. Depois de um tempo eu saí do Terra Podre e os meninos do Obtus me chamaram para tocar com eles. Continuo até hoje.

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Tive uma passagem pelo Káfila entre 2004 até 2006 que foi muito bacana. Na contra-cultura politica, o movimento anarcopunk nos anos 90 montou bandas e um grupo de estudo bacana (Grupo de Estudos Anarquistas). A gente via funcionar as ações do movimento anarcopunk, como a ocupação da Vila Irmã Dulce, que é algo muito importante.

Obtus na sequência: Assis (bateria), Chakal (vocal), Eduardo (baixo) e Neto (guitarra).
Crédito: Obtus.

E bandas como Ingovernáveis, Evidência, Anarcóticos eram atuantes. O punk-hardcore em Teresina não quis ser vanguarda. O piauiense em si tem aquela coisa de querer ser vanguarda em tudo, de “ser o primeiro”, “ter criado isso ou aquilo” e com as bandas de punk-hardcore não. Tocavam, passavam a mensagem e uma tentava agregar a outra: Grito Abusrdo, Verme Noise, Azinus, Terra Podre, Anarcóticos, Evidência, Ingovernáveis, Káfila, Obtus. Cada uma com sua denominação de som, seja mais político ou voltado para a diversão, mas tudo era música feita para ser forte.

Não era música para agradar, era música para agredir. Não dá para dizer que foi uma época bonitinha ou pensar que era divertido. Foram tempos bons que a gente quer que não volte. Dessas bandas apenas Kafila e Obtus ainda se mantem de 90 pra cá, por um misto de vontade e teimosia. Creio que Teresina tem muito mais para entregar de som barulhento e rápido para o mundo.

Aos sobreviventes, sair de um Plano Collor, entrar numa estagnação dos que sobreviveram ao governo Sarney – Alberto Silva – Mão Santa… E daí sucessivamente vários anos de PSDB, Itamar [Franco], Fernando Henrique. Foi bem Sofrido. Para a cultura então? Fazer musica rimando cajuína com Teresina não foi bem minha inspiração de vida.

Foto de abertura: David Oliveira.

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