Entrevista realizada por Aristides Oliveira no dia 01 de fevereiro de 2025
Desde o ano passado que Chakal conversa comigo sobre a possibilidade de fazermos mais um projeto juntos. Dessa vez seria um livro comemorativo contando a história da Obtus, que completa 30 anos em 2026. Nos corres que a vida deu na gente, o projeto ficou no plano das ideias, mas nos prometemos focar e agora essa parada vai sair. Com Eduardo no baixo, Assis na bateria, Neto na guitarra e Chakal no vocal, Obtus é uma das bandas de rock mais perenes na atualidade. Os caras representam o que há de melhor dentro da cena do punk rock no país. Para comemorar essa trajetória marcada por trabalhos emblemáticos, pedi ao Chakal marcar um encontro com a banda. Fomos para a casa do Eduardo, numa tarde agradável de sábado. Ele nos recebeu e com muita gentileza, nos ofereceu um lanche maravilhoso, bem à moda piauense: café e bolo de goma. Entre risos, emoções e o cuidado em percorrer três décadas com um olhar atento aos detalhes que constituíram a identidade da banda, temos agora o privilégio de mergulhar nas histórias não contadas por todos esses anos.
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Assis: Cara, tudo começou quando o Dionísio montou uma banda cover do Ramones. Ninguém tocava porra nenhuma, né? Neto arranhava uma guitarra, o Erivelto tava começando a tocar baixo, e aí ele inventou de fazer uma banda cover Ramones. Ele chamou o Cezinha, e aí tinha uma outra pessoa que eu não lembro o nome, e a gente saía do [bairro] Marquês a pé pra ensaiar na Água Mineral [bairro], uma associação de moradores. A gente não, eu ia só pra assistir, né? Eu não fazia parte da banda porque eu não tocava porra nenhuma. Então a gente saia, ajudava ali a carregar tripé, prato, baixo, guitarra, saia aquele comboio ali da turma e chegava lá, era uma associação de moradores que tinham liberado um espaço lá pra ensaio. O Neto, acho que chegou a ir também nesses ensaios. Eu chegava nesse ensaio, o Erivelto tocava com o Dionísio, e o Cesar Joe, o Erivelto tocava, né?
Chakal: Tocava… Aprendeu pra tocar.
Assis: O Erivelto era baixo, aí tinha o… O Cesar Joe tocava baixo, né?
Neto: O Cezinha era baixo.
Assis: Enfim, a gente ia, eu ia pra esse ensaio, o Neto chegou aí também, acho que umas duas ou três vezes. E eu ficava sentado no banco, às vezes eu até cochilava na hora do ensaio. Os caras falavam, como é que tu consegue dormir com esse barulho, velho? Eu deitava, os caras tocando aqui, às vezes cochilava. Num desses ensaios até entrou uma… pulou um cara fugindo da polícia, a polícia dando um tiro, o cara passou por… assim, no meio da banda, assim, passou correndo no meio da banda.
Aristides: Onde era esse ensaio?
Assis: Na Água Mineral [bairro]. Na Associação de Moradores que tinha lá.
Neto: Era uma baixada feia que subia, descia ali.
Assis: Depois disso, num próximo ensaio. Eu não lembro agora, faltou quem tocasse bateria, porque eu não lembro exatamente quem era a formação, se o Dionisio tocava bateria ou era guitarra, mas aí que faltou. Aí ele olhou para mim e disse: “vai lá, toca aí”. Eu disse: “não, pô, não sei tocar não, nunca sentei numa bateria”. “Se não, mas tenta, porque Ramones é fácil, só tu fazer assim, com o pé, tá?” “E segura aqui no chimbal e aí vai, só marcando o tempo pra gente não perder o ensaio, né?” Aí ele me deu um toque rápido ali e eu consegui, meio capenga, pegar o… e fiquei nisso pra eles puderem passar a música. Aí… Depois ele falou: “não, tu tá na banda agora”. Eu disse: “como assim? Eu não sei tocar. O que eu fiz aqui foi um remendo”. Ele disse: “não, mas dá pra tu tocar do jeito que tu tá aí. Aí, no próximo ensaio, acho que nem teve lá, né?
Neto: Depois desse ensaio aí, foi pra casa do Dionísio.
Assis: Eu sei que a banda do Ramones não deu certo. Parou, né? O Cezinha saiu e tal. Aí o Dionísio inventou de montar o Go Back.
Chakal: Uma banda cover.
Assis: Antes disso, o Neto sempre vivia falando, conversando com o Erivelto, de montar uma banda, né?
Neto: O Erivelto morava três casas depois da minha. A gente era vizinho mesmo, vizinho. Eu, Chakal e o Herivelto, a gente era bem vizinho. O Assis já morava um pouco mais distante. Na vila, a gente morava na Primavera [bairro], ali. E eu sempre falava pro Erivelto que a gente ia montar uma banda.
Assis: Nessa época eu estudava com o Erivelto. Estudava naquela época de comprar LP, gravar fita, cassete, trocar som. Então a gente estudava junto no [colégio] Padre Almeida e ele era vizinho do Neto que também era um cara que tocava e que tinha ali sempre uma conversa, vontade de montar uma banda.
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Erivelto (baixo), Assis (bateria), Neto (guitarra) e Chakal (vocal), nos anos 90.
Aristides: Isso foi mais ou menos em que ano o período?
Assis: Ou foi em 94 ou foi em 95.
Neto: Eu acho que a gente brincou de conversar, acho que uns quase dois anos.
Assis: A gente tem 96 com o início da banda por conta da Chapada [festival], né? Pô, a gente conta porque é show.
Eduardo: Aquele show que a gente fez lá no Cabo Caizeral, que foi lá, era que ano?
Chakal: Ali era 95.
Eduardo: Não, era o segundo show do Terra [Podre], o primeiro show do Terra foi em 94, e eu entrei pra banda, a gente formou a banda em 93, aí o primeiro show foi em 94, em 94 a gente fez um show na Vila da Paz.
Neto: Eu lembro desse show que foi em cima no caminhão.
Eduardo: Aí depois a gente só foi fazer show lá nesse aí, que era justamente… No Cabo Caizeral, que era justamente o show que o… ia ser… o Monasterium ia estrear. O Fimose tocou. Cabo Caizeral, era um bar perto do [colégio] Dom Barreto.
Assis: É famoso pelo “show do cachorro”.
Neto: O cachorro que o Leo Punk deu um chute no cachorro.
Assis: Não, não foi o Leo Punk não. Foi o Neto Cirrose.
Neto: O Neto Cirrose! Deu um chute no cachorro.
Assis: O show tava rolando e aí o Neto Cirrose tava lá fora, mas o outro cara que eu não lembro o nome. E apareceu um cachorro, chutaram a porra do cachorro que era da vizinha lá. E chamaram a polícia.
Eduardo: Não deu 5 minutos a polícia tava lá.
Assis: A polícia chegou com um fuzil, invadiu o lugar e mandou parar tudo. “Pára, pára, pára. Acabou”. E acabou, né?
Eduardo: Era a prática dos anos 90. Todo show que fazia a polícia… Não, a polícia já chegava…
Assis: É, ele chegava meio pra acabar, não tinha conversa não. Acabou, pronto, desligou tudo e vamo-se embora.
Eduardo: O centro ainda tinha muita… A residência ainda era bastante residencial ainda.
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Aristides (revista Acrobata) e Eduardo (baixo).
Assis: No comecinho dos anos 90 ali, até a primeira metade ainda era bem residencial.
Eduardo: Foi muito diferente de hoje, né?
Neto: Essa conversa de montar a banda já rolava bem antes, né? Justamente pelo fato de eu ter o Erivelto como vizinho. Vizinho mesmo, eu vi ele de pequeno, mais velho do que ele. E a gente sempre conversava. O fato de… o detalhe… o nome da banda, né? A gente tinha três nomes, né? Eu dei uma ideia de Atrator, né? Ser Atrator, na época. O Assis chegou com Obtus, até a grafia do nome Obtus é diferente, vou botar essa diferença, de não ficar sendo aquela “óbito”, atestado de óbito.
Assis: O nome é só a questão do óbito, a questão de obtuso também.
Neto: E dá uma referência a morte social, entendeu? Tem essa diferença, né? E tinha outro nome, qual era?
Assis: Tinha um nome que foi sugerido pelo Willian aqui, então…
Neto: O Willian, que o Willian também fazia parte. Foi um cara, primo do Assis. Inclusive, a primeira letra da banda, a primeira música da banda, Inferno Verde e Amarelo, a letra é do Willian, que é a primo do Assis.
Assis: O Go Back, acho que foi em 94, 95. Aí o que aconteceu? O John Lee chamou a gente pra tocar. A gente tinha um pensamento de, “vamos botar uma banda”, não tinha instrumento.
Neto: Não tinha nada.
Assis: O Erivelto tinha um baixo que ele tava estudando. E aí a gente aceitou, porque a gente tava seco pra tocar, a gente queria estar tocando, né?
Neto: A gente queria ter experiência, né?
Assis: Só que a gente não sabia, velho. E aí o repertório do Go Back era rock dos anos 80. E era uma coisa que tava muito além do que a gente sabia. A gente sabia o básico do básico. Tipo, eu lembro do Dionísio chegar e: “cara, pega essa música aqui, do Ira. Eu olhava assim, nunca que eu vou tocar isso aqui, velho. Nunca, mas tentava pegar. Quando chegava no ensaio, não rolava, porque estava além do que a gente conseguia fazer. E aí ele ficava até zangado. “Pô, vocês não estão pegando a música”. Eu disse: “não cara, porque a gente não faz é conseguir tocar”. Ele se chateava e com essa chateação os ensaios não rendiam, né? Porque a gente não conseguia pegar direito as músicas do repertório que tinha que colocar. Toda vez que acabava o ensaio eu dizia: “deixa a gente tocar três músicas aqui”. E aí ficava eu, o Neto e o Erivelto. E aí a gente começava a tirar cover do Ramones, do Cólera, do Ratos de Porão. Aquelas bem mais fáceis, né?
Neto: Garotos Podres.
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Chakal arrochando um self na galera.
Assis: E aí foi nessa. Começou daí. A gente ia pro ensaio do Go Back já pensando no final de ter esse momento de nós três tocar o que a gente gostava mesmo. A gente não tinha como tocar em outro lugar. O Dionisio tinha um equipamento lá e a gente tinha uma secura da porra de estar ali tocando, né? Até pra fazer o trocadilho, né?
Chakal: Em vez de ser Go Back, era Go Away, né? (risos)
Assis: E aí ele viu que: “rapaz, não dá pra a gente seguir não, porque vocês não estão conseguindo, vocês já estão tocando aí as coisas que vocês gostam”. E aí a gente saiu do Go Back, logo em seguida ele se mudou do Marquês [bairro] lá perto do cemitério de São José, montou um estúdio.
Neto: Ele montou um estúdio na própria casa dele, lá no fundo do quintal da casa dele.
Eduardo: Era pertinho da Vila, porra.
Neto: E a gente ensaiou lá. E a bateria era mistura de lata com madeira. Que foi feito improvisado.
Assis: Nessa época ele fez a bateria. Inclusive ele até me emprestou pra passar um tempo em casa. Era uma bateria de lata de lixo. O bumbo era um latão de lixo cortado, mais ou menos no comprimento de um bumbo normal. E ele colocou um aro de um bumbo, conseguiu umas tarraxas, botava pele e era o bumbo. Era feito de tambor de lata de lixo. Os tons ele fazia de compensado, também colocava óleo. Criado e construído por ele, né? A bateria. Era de lata de lixo com as coisas que ele pegava e fazia. Era toda rústica.
Neto: Aí a gente passou a ensaiar. Esse repertório de Garotos Podres, Cólera… E quem cantava era eu. Tocava e cantava.
Assis: Nessa época aí que a gente começou a ensaiar, teve o William, que é meu amigo, e eu comprei uma guitarra. Aí ele soube que a gente tava com uma banda de ensaio, tem uma letra e tal, e ele entrou. Fez parte do início. Mas ele veio com uma guitarra e com a letra, né? De Inferno Verde e Amarelo. Foi a primeira música da gente. Com a letra do William e o…
Neto: Eu musiquei a letra.
Assis: Começamos a fazer ensaios, onde a gente pegava a cover dessas bandas Cólera, Ratos [de Porão], Ramones, e inseria essa música [Inferno Verde Amarelo]. O William participou de alguns ensaios, aí depois ele sumiu.
Chakal: Acho que foi na época que ele foi pra polícia.
Assis: É, ele passou em concurso e pá, deixou de mão, né? E aí ficou nós três ensaiando, sempre ensaiava lá, o estúdio do Dionísio já era lá perto do cemitério São José. Começou a ir pra lá, e lá tinha uma concentração de bandas, né? Muita gente ensaiava lá, inclusive o Terra Podre.
Neto: E engraçado é que quem intermediou, quem fez essa ponte pra gente tocar no primeiro show, foi o Dionísio, né? O Dionísio conhecido no Terra Podre e eles ensaiavam lá. Aí tinha esse show chamado Chapada Rock.
Eduardo: Já estavam com o show, com o cartaz pronto, né?
Neto: Aí tinha uma fita cassete, a gente gravava as músicas que a gente ensaiava. Inclusive, a gente tá evoluindo, porque a gente passava a… quer dizer, a gente achava que tava evoluindo. Além de ter umas músicas do… dos Garotos Podres, do Cólera, né, e tal, a gente tinha uma música também do Nirvana. Lembra que a gente tocava Nirvana?
A gente até gravou. Eu sei que o Dionísio fez terminação e entregou essa fita cassete, com os meninos aí no… Acho que os caras devem ter pensado: “pô, essa banda aqui pra tocar, mas pô, não sei lá”.
Assis: Tocando Nirvana.
Neto: Tocando Nirvana e tal, totalmente diferente do que o evento era.
Assis: E o Nirvana era meio desafio pra gente, porque a gente também não conseguia tocar direito, então a gente, cara, vamos tentar pegar essas músicas.
Neto: Mas melhorava, me senti melhorado.
Assis: Entendeu? Porque tinha uma técnica que a gente não alcançava, então a gente ficava tentando pegar pra ver se a gente conseguia evoluir. Era diferente de tocar o Cólera, que era a gente só sabia tocar, né? O Nirvana tinha umas coisas a trabalhar, assim, vamos tentar pegar isso aqui, porque isso aqui é legal.
Neto: Isso também era para evoluir, só para tentar melhorar, mesmo se a gente melhorar com o dedo aqui, a batida e tal, mas a ideia era essa. E assim que foi. E para nossa surpresa, os caras aceitaram.
Assis: A gente queria tocar, mas não sabia se ia acontecer. Aí ficava nessa, todo sábado a gente. Se reunia pra tocar.
Aristides: Então tu foi o vocal pré-Obtus?
Neto: É. Eu nunca gostei. Eu não gostei da minha voz (risos).
Chakal: Mas o timbre dele era bom. Tanto é que quando fizeram o convite, eu achei que ficava bacana. Porque assim, a Inferno Verde Amarelo tinha muito essa questão de ter back [vocal], né? Porque assim, quando eu entrei, eu tava em casa, né? Aí até essa história eu já contei, né? Mas assim, a gente bebia bastante, sabe? Aí a gente foi pra Sinhá [depósito de bebidas e bar] e estavam os três sentados. Aí o Pardal: “Ih, cara, esses meninos ensaiam lá no Dionísio”. Porque o Pardal, ele conhecia…
Assis: Vivia lá, é muito amigo do Dionísio, né? Sempre estava lá com ele.
Chakal: Aí apresentou o meninos. Falaram que ia ter o Chapada Rock. Eles falaram que tiravam a cover, né? Nesse tempo tinha saído, acabado de sair do Vermenoise. Aqui tinha essas proximidades, né? Conhecia Eduardo… por conta dessas movimentações, né? Eduardo andava de skate, a galera se conhecia. Nesse tempo já tinha o Vermenoise né?
Que é de 1990. Aí perguntei se eu podia participar… dar uma palhinha, né? Porque eu tinha uns covers.
Assis: É, ele perguntou depois que a gente falou… Já que a gente vai tocar um scover, ele falou qual eram os covers. Que era sempre Ratos e Cólera. Aí a gente convidou ele.
“Pô, que legal!” A gente convidou ele pra ir pro ensaio, né? Vamos lá, de repente tu canta uma música. A gente já conhecia do Vermenoise e tal, sabia que o Chakal já tinha uma experiência com o banda. E aí a gente tava começando. A gente convidou ele pra ir ao ensaio. E aí…
Neto: Isso foi uma semana antes do show.
Assis: É. A gente fez um ou dois ensaios e logo em seguida foi o show. E o Chakal depois ficou.
Aristides: O convidado virou vocalista.
Assis: Foi.
Chakal: E assim, já tinha umas duas músicas, tinha Inferno, Velho e Amarelo, Povo Sofredor, hoje eu nem conheço essa música.
Assis: O que que acontece, as letras da gente era muito… Era muito fraca. A gente teve o Inferno Verde e Amarelo, que era a música do Willian, que a gente achava massa. A letra ainda hoje a gente acha que é. A gente nunca mais tocou ela. Mas aí tem essas outras coisas, Povo Sofredor, Ironia Social, que é coisa minha e do Neto, que não te impactam. Quando o Chacal entra na banda, ele traz a bagagem dele, da história, da filosofia, da vivência com banda, e dá um up na parada, entendeu? Quando ele mostrou a primeira música, eu não lembro qual foi que tu trouxe.
Chakal: Eu acho que foi Caravana.
Assis: Caravana e Cotidiano.
Chakal: Cotidiano foi um pouquinho mais depois.
Assis: Porra, isso aqui tá em outro nível, sabe? A gente passou de umas letras fuleiragem pra fazer umas letras decentes, né? Com a entrada do Chakal.
Neto: Chakal, além de trazer a letra, ele trazia a música também.
Assis: Trazia a letra e a base.
Neto: O Caravana é 100% dele. Aí eu só tive a… trabalho, muito trabalho.
Eu achava dificuldade demais. “O que que eu pego pra isso aqui?” Entendeu?
E ele já fazia porque ele já tinha experiência. A gente não tinha, de muito tempo, ficava duro e tal. Mas… rolou e… Então, a entrada do Chakal é um divisor de água, sabe?
Aristides: E a repercussão depois, assim, quando vocês se assumem Obtus
Quando eu digo assim, se assumem no sentido do Chacal assumir o vocal, né? Aí vocês começam integrar esse cenário, ir pros lugares… Como é que funcionou esse movimento dentro da cidade?
Eduardo: Eu acho que a percepção, isso aí, partiu com o primeiro show, né? Foi do Chapada Rock. É, a gente do Terra [Podre] organizava. Então, eu costumo dizer que eu tô no Obtus desde o começo, porque eu organizei o primeiro show. Mas eu só fui começar a tocar na banda em 2000. Mas aí, a gente ensaiava no mesmo lugar que o Obtus. E aí, pelo convite do Dionísio, a gente só ficou com receio de ter alguma… Como é que eu posso dizer? Alguma figura não querida na banda. Não era nem a sonoridade, nem nada não. Era só de ter algum… Algum otário, né? Algum zé-bunda na banda, tá entendendo? Dionisio, “quem são os caras?” “Não, cara, são os meninos aí…” Quem conhecia eles? O Chakal também tá andando com eles aí. “Ah, cara, então bora botar os caras pra tocar”. Vamos tocar junto aí. Aí marcou, o show já estava marcado, é tão tal que o nome do Obtus nem entra no cartaz, o cartaz já estava feito, colado na cidade todinha, que era muito do lambe mesmo, de fazer e colar. Então, e aí ficou a expectativa do Terror Terror tocar. A gente era muito amigo do James, que desde a época do Estrago, uma das pessoas, das figuras da cena de São Luís assim mais presentes, então quando ele vinha pra Teresina, ele sempre tava, ficava na casa da gente, quando a gente ia pra São Luís a gente ficava na casa dele, então era muito amigo mesmo, e das figuras de lá de São Luís que a gente é amigo até hoje. Chegou o dia do show, eu lembro que os meninos chegaram, tudo muito acanhado, né? Só o Chakal que já conhecia todo mundo, mas os meninos ainda não conheciam, assim, a gente e tal, pessoalmente. E… Chegaram lá com uma garrafinha de fanta laranja, uma garrafa de vodka, e aí vamos beber, vamos beber. E aí fizeram o show deles, todo mundo curtiu, daí pra frente as bandas meio que se integraram, a gente já chamou eles pra organizar o festival junto com a gente. Então, teve shows que a gente fazia, que a gente até inventava uma coisa de só um ou dois do Terra Podre, um ou dois do Obtus, aí ficava o TerrObtus. A gente ia meio… era um negócio meio vandalismo mesmo. O dono de som ficava preocupado quando acontecia isso, mas ficou aquela integração, ficou aquela amizade grande que prosperou até agora, né? Já está com 30 anos, vai fazer 30 anos dessa bagaça aí.
Neto: E engraçado que tudo, na realidade, a partir do primeiro show, a partir dessa primeira reunião que aconteceu com o Chakal, lá no Sinhá. Só lembrando que a Sinhá era uma época num bar que era muito movimentado.
Eduardo: Era um depósito de bebida na zona norte de Teresina, que vendia cerveja a um real.
Aristides: Ainda existe?
Neto: Existe, mas agora é uma mercearia, né? É um comércio. Então era a cerveja de um real, então era um lugar que… Era um depósito de bebida grandão, você ficava ali bebendo no meio dos engradados e tal. Então, era um point pra todo mundo liso (risos).
Neto: Então, essa reunião que houve. Na verdade foi um encontro, né? A gente tava lá, a gente chamou o Chakal, mais o Pardal, e aí a gente convidou o Chakal, e a partir daí, do primeiro show, que começamos realmente a pensar como banda.
Assis: Essa coisa que tu fala de integrar um cenário. Quando a gente terminou de tocar no primeiro show, uma galera que a gente nunca conhecia ninguém, né? Ninguém conhecia a gente. Então, o pessoal que tava lá achava assim: “porra, o show foi legal pra caramba, vocês tocam bem”. E a gente era muito dedicado. A gente era muito, a gente ensaiava muito, então a gente tocava, a gente não tocava muito, mas a gente tocava bem aquilo que a gente se propunha a fazer naquela época, né? E a gente conseguiu tocar. Fazer um show do jeito que a gente ensaiava, tudo redondinho e tal, e a partir daí começaram a dizer assim: “não, esses caras aqui, eles tocam direitinho”. Acho que vai dar certo pra eles continuarem nessa parada.
Chakal: No período aparecia muita banda, mas não durava uma semana, não durava um show. Os caras só se preocupavam, assim, só em destruição. Tinha a destruição da gente, mas… A gente bebia, fumava, coisa e tal. Mas, assim, tinha essa questão do ensaio, de sentar no ensaio, né?
Assis: Era muito comprometido.
Chakal: Comprometido com a coisa. Aí eu acho que isso aí também fez um diferencial, assim, porque tinha muita banda naquele período. Começaram a surgir umas bandas…
Assis: Não tinha aquele compromisso. A gente, não, tipo, precisa fazer um show legal.
Começo, meio e fim, tocando direitinho, sabe? Quando a gente conseguia fazer isso, era uma alegria muito grande.
Chakal: E, no caso, o Terra Podre já tinha essa questão de saber trabalhar camiseta, pintar camiseta, fazer cartaz, coisa e tal… Aí eu acho que isso aí também já deu uma carga também assim na banda, de começar a ter esse cuidado. Assis já desenhava. Esse cuidado com o visual. O CD da caveira, de uma logo pra banda. A percepção que eu tinha quando entrei na banda era tipo assim, que banda de punk rock. O Terra Podre era aquela coisa mais agressiva, nervosa. Tinha até uma pegada assim mais de metal. Eu comecei a sentir bem punk rock. Os primeiros desenhos que eu fazia, botava a caveira, botava Obtus punk rock. Com o passar do tempo foi tendo essa questão de ser mais uma banda de… mais outra banda de hardcore dentro do cenário. E assim, eu acho que o Terra Podre também deu bastante essa sustentação.
Neto: Eu sempre gostei do Terra Podre, apesar dos caras não me conhecerem.
Quando eu cheguei no show do Cabo Caizeral – o show do cachorro – foi bem na hora que o Terra Podre estava tocando a música que eu sempre gostei, que é a Vida de Pobre. Foi bem nessa hora aí que teve essa confusão. Então, o Terra Podre teve uma influência, eu particularmente, e uma influência na banda. Pra banda hoje eu sei o que é, pelo fato do som e também pelo fato de ter nos convidado para o evento. Os convidados não, a gente tinha que ter o detalhe de ser penetra no show. Porque o cartarrá tava feito, sabe? Uma semana antes do show, a gente pediu pra tocar mesmo. Isso é o nosso primeiro show, como de fato foi o nosso primeiro show, no local que foi literalmente um cabaré. Era Roots, mas antes era um cabaré lá. E engraçado que uma semana depois, não sei se foi uma semana, mas foi um pouco mais de uma semana, esse local pegou fogo. Foi um incêndio. Entendeu? Esse encontro na Sinhá depois. com essa cervejada que a. gente tomou lá, ficou um show, meu show. Aí realmente a gente começou a pensar como banda, A gente tinha esse lado de querer ensaiar e compor. Quando o Chakal entrou, a gente tinha letra.
Assis: A gente tinha o Terra Podre como uma referência. Os caras já tocavam há mais tempo, já tinham mais experiência e ver os caras tocando um repertório só de música deles, sabe? Sem o vocal estar impostando uma voz pra parecer com o vocalista “X”. Ele tava tocando com a voz natural dele.
Chakal: Natural e sem camisa, né?
Assis: É, e fazendo um trabalho que eles criaram, isso aí era muito… Era muita influência pra gente. Pô, muito massa ver como eles tocavam e a maneira como eles se compõem. Isso influenciou a banda. Fora a amizade que veio depois.
Neto: A partir desse show aí, a gente começou a se infiltrar. Timidamente, mas começou a se infiltrar. Com a amizade que… desse litro de vodka com fanta que o Gordo [Eduardo] falou aí. A partir daí, lembro também nesse show, tinha trazido uns camarão, né? Porra, ficou podre, ficou podre, cara. Tava no camarim lá, né? Lá no show, mas tava bem fedido lá.
Chakal: Tinha uma galera que já curtia o Terra Podre. A galera esperava um show do Terra Podre com o Obtus. A gente essa parceria. Era muito difícil, assim, até pra ser chamado pra tocar.
Neto: A partir daí, desses encontros e show criamos amizade que até hoje a gente tem com o Terra Podre e tal. Aí foi onde a gente começou a entender um pouco mais e fazer show. Entramos na amizade que criamos. Fizemos a segunda edição do Chapada Rock.
Eduardo: Por que que fazia? Ou você organizava o show ou você não tocava. Não tinha convite.
Chakal: Tinha muito show de metal. O Waltere falava: “vamos acabar com essas panelas”. Que geralmente era uma banda “X” que convidava os amigos e fazia show. O cenário ficava limitado. O Terra Podre e a Obtus já tinham essa ideia de romper com esse problema. O Chapada Rock foi mais essa ideia também de interatividade.
Assis: Exatamente.
Chakal: De troca, trazer bandas de fora. Na época dava pra fazer isso, já tava um pouco complicado. De dar um jeito de pagar as passagens dos caras virem. E os caras, em contrapartida, levar a banda pra tocar fora. O primeiro show fora foi em 98 em São Luís. Acho que era pro Terra Podre tocar. Aí foi que eles falaram, não, vocês vão, não sei…
Parece que foi assim, né, Eduardo?
Eduardo: A gente foi em 97. E aí a gente já deixou o caminho aberto pro Obtus ir. Foi quando entramos em contato com o Comportamento Estranho e conheceu outras bandas de lá que a gente não conhecia. O Estrago tinha acabado. Então era o Terror Terror o Amnésia, que é uma banda muito antiga. Uma das bandas promissoras, percursoras do hardcore, do punk hardcore lá na ilha. Na época a gente tocou também com o Tanatron, mas na época era Hecatombe. Ainda hoje eles tocam, fazem shows e são amigos da gente. Essa coisa de fazer o chapada, era coisa de que a gente não conseguia, o Terra Podre não conseguia tocar. O pessoal não gostava da gente, porque a gente não… Até pelo visual a galera encrencava, assim: “os caras não tocam com camisa de banda, não tocam parecendo banda de rock. Eles tocavam de bermuda, de chinelo e sem camisa”. Aí o pessoal tinha um preconceito disso aí, tá entendendo? A gente fazia um set de 20, 25 músicas. Só a música da gente, tá entendendo? Não tocavam no Slayer nem no Black Sabbath pra poder alguém bater palma não.
Neto: Sobre São Luís, conseguimos tocar. Foi um show lá bom.
Eduardo: A gente achava que depois da primeira banda a galera ia embora.
Neto: A gente tocou em cima de uma tábua de peixe, foi?
Chakal: Era o Clube do Bento.
Assis: Eles juntavam essas tábuas, e aí aquilo ali virava um palco.
Chakal: O mesmo lugar que o Terra Podre tocou.
Assis: O banheiro era numas palafitas. No final de uma área cimentada… aí tinha uma palafita que você mijava olhando para o abismo. A gente ficava pensando: “se essa porra cair aqui”.
Neto: E lá aconteceu a primeira entrevista também.
Chakal: Nessa entrevista, foi eu e o Neto. Eu não lembro se já tinha bateria, se nesse tempo a gente se ensaiava na tua casa.
Assis: Não tinha bateria.
Chakal: A gente começou a ensaiar na tua casa quando?
Neto: Foi a partir da chegada da bateria.
Assis: Nessa época, o meu pai jogava muito Poupa Ganha. Tinha uma banca de revistas, então ele vendia cartela. Com o apurado das cartelas, em vez dele ficar, ele comprava tudo de cartela pra jogar. Aos domingos, ele acordava os filhos todinhos e dizia: “bora marcar”. E cada um ficava com três, quatro cartelas assistindo a TV pra marcar. Eu dizia: “rapaz, você tá comprando esse monte de cartelas”. E ele: “não, bora, vamos marcar todo mundo”. Ele acordava os filhos todinhos pra marcar. Ele ganhou carro, televisão, ventilador, apartamento. Ele ganhou uma vez um carro. Era um Corsa. E aí, depois ele vendeu esse carro.
Neto: Depois de um tempo, sem bateria, sem nada. Aí eu falei: “pô, Sr. Assis, você deveria dar uma bateria pra gente”. Aí ele falou: “só se eu ganhar no Poupa Ganha”. Aí eu falei: “ah, Sr. Assis, é desse jeito aí, um raio não cai duas vezes no mesmo local”. Ele era bem direto e falou: “espere aí”, E saiu. Depois disso, ele ganhou de novo um apartamento junto com outra pessoa e didiviram a premiação. Aí eu nunca fui pra cobrar, brincando eu falei pra ele: “você falou que se ele ganhasse no propaganda você daria uma bateria pra gente”. Aí ele sempre foi assim né? Beleza, ficou nisso e tal. Alguns meses depois, sei lá, nem pensava mais nisso. Foi tudo brincadeira, né? Houve um casamento do irmão do Assis em Brasília. E seu Assis foi. Eu falo isso porque na casa do Assis era o quartel-general da banda. A gente estava lá bebendo debaixo de um pé de acerola. Não todos os dias, mas… sagrado. Final de semana tava lá. E nesse dia foi no meio de semana à noite. Chegou o Sr. Assis do casamento… “Bora, bora, vamos sair daqui, vamos sair daqui, bebendo, isso aqui, bebendo, bora tirar essas coisas aqui, essas caixinhas que tu bota dentro do quarto do Assiszinho”. E nesse dia, eu lembro que no quarto do Assis não tinha luz, tava queimada, sei lá, era escuro. Aí a gente foi embora rápido. Eu não lembro se tu ligou pra gente ou pro Erivelto no mesmo dia, que as caixas que ele tinha colocado era a bateria que tinha comprado em Brasília e te presenteou.
Assis: Ele botou lá, mas eu acho que eu tava achando que era alguma coisa que…
Ele veio de Brasília, às vezes os meninos mandavam roupa, tenis eles não usavam mais, eles mandavam para cá. Quando os meninos foram embora, aí ele falou: “tu não vai abrir essa caixa não?” Fui no quarto, na hora que eu abri era uma bateria, toda desmontada.
Os cascos, as peles, os parafusos, tudo solto. Aí eu fiquei feliz demais. Agradeci e dei um abraço. Daí eu fiquei doido. Passei a noite montando a bateria no escuro. De vez por outra, três horas da manhã, ele dizia: “rapaz, vai dormir, larga isso aí”. E eu lá montando no escuro a bateria. Ontem de manhã eu estava com a bateria montada e falei pros meninos: “agora a gente tem uma bateria para ensaiar”. Aí a partir daí a gente pegou um amplificador que era do Fernando, uma caixa que dava pra colocar microfone nela e compramos um cubo de baixo.
Neto: Eu acho que ligava tudo, baixo, vocal…
Assis: Ah, era o baixo e o vocal, é isso mesmo. E tinha um amplificador Giannini, que era do Terra Podre que deixou com a gente. Então a gente tinha um set up ali que já dava pra fazer alguma coisa em casa. E aí a gente começou. Comprou um microfone e começou a ensaiar em casa, né? Todo sábado era sagrado. Tendo show ou não. Inclusive, teve ano que a gente não tocou. Teve ano que a gente tocou uma vez, porque a gente não era chamado.
Aristides: Você ganhou a bateria em 1999?
Assis: Foi mais ou menos por aí. Depois disso teve essa regularidade de ensaios por muito tempo. Show eu não lembro agora, se foram poucos. Daí veio a nossa outra época importante que foi a gravação do CD. O Eduardo pode falar melhor, que ele botou grana.
Eduardo: Rapaz, eu tinha acabado de entrar na banda pra fazer a segunda guitarra.
Acho que deu pra gente gravar foi tudo. Aí ficou naquela vibe de… “Rapaz, vamos gravar alguma coisa que já tá no tempo e tal”. Passou-se um ano. E aí eu tava trabalhando e…
Terminou que sai da empresa. Tinha um fundo de garantia, essas rescisões de trabalhistas. “Agora tem um dinheiro aqui. Vamos gravar esse negócio”. Isso era no ano 2000. A gente fez a parte gráfica em casa mesmo. E aí o Neto foi na gráfica ver o orçamento pra pedir pra fazer. O Erivelto entrou também com um pedaço da grana. Pagamos algumas horas de estúdio e gravamos tudo. 16 horas de estúdio e gravou o Sangue no Olho.
Assis: A gente tinha o dinheiro contado e o tempo do estúdio. A gente não tinha experiência de gravar em estúdio. Eu tive uma experiência quando eu estava fazendo um curso de música no CEFET [atual Instituto Federal do Piauí], que uma das provas de conclusão era montar uma banda e gravar alguma coisa. Era uma atividade que valia nota. Então, eu tive essa experiência e vi mais ou menos como é que funcionava. E aí eu vi que as coisas eram feitas por vez. Primeiro bateria, depois vai, vai, né? E eu falei: “rapaz, a gente tem que ensaiar muito, a gente tem que ensaiar muito, praticar para a gente não perder tempo”. E assim, se não a gente vai, a gente queria gravar seis, a gente tava com medo de conseguir gravar só duas, três músicas, com conta de perder tempo. A gente chinelou o ensaio, ensaio, ensaio, definindo música, até pra ficar tudo redondo. Aí como é que a gente fazia pra se ouvir? A gente comprou um monte de fita cassete virgem e tinha um som lá em casa que era duplo-deck. Então, a gente tinha uma mesinha de som também, então botava dois microfones na bateria, aí eu gravava a bateria da música. Aí pegava aquela fita com a bateria, jogava pro play, botava uma fita virgem. Aí acertava a guitarra ou o baixo. Então, aí dava o play e botava pra gravar no outro deck. O play tava rolando e o Erivelto gravando por cima. Aí eu tirava aquela fita que tinha bateria e baixo, botava no play, botava outra fita virgem…
Eduardo: Aquela história, aquela ciência de que você… O experimento que a gente sabia que ia dar merda no final, porque uma cópia em cima da outra cópia não podia prestar, mas era o que a gente tinha e foi o que foi feito. E pelo menos pra gente ensaiar e pra gente tentar se escutar era a solução mais prática, a solução que tava na mão ali.
Assis: Daqui que chegasse na última fita que tinha todo mundo, já tinha passado…
Uma cassette tinha só bateria, outra cassette tinha bateria e baixo, outra cassette tinha bateria, baixo e guitarra, aí até chegar. E aí a gente ouvia, né? “Olha cara tá legal, isso aqui tá legal, isso aqui a gente pode melhorar”. “Isso aqui a gente gosta”. Aí quando chegou no estúdio a tecnologia era outra e tal. Como a gente estava bem ensaiado, a gente praticava muito, a gente conseguiu gravar tudo dentro desse período.
Eduardo: O Erivelto gravou os baixos de uma lapada, de uma vezada.
Assis: De uma tira. O Mike [tralhava no estúdio] olhou assim e falou: “rapaz, você não dá lucro pra estúdio não”.
Neto: O Erivelto era muito seguro. O que ele tinha de calmo, tinha de seguro.
Eduardo: Com certeza, além dos ensaios, ele chegava em casa e ficava no quartinho dele, sem janela, só lenhando.
Neto: Então, essa época do estúdio aí, de gravação, foi uma época que a gente aprendeu muito. E é outro divisor de águas, o CD Sangue no Olho. A gente teve uma resenha da Rock Brigade, muito bem falado, até mesmo da gravação, a qualidade da época. E a partir daí a gente começou a dividir shows com bandas que não eram convidados na época. Aí a partir daí a gente começou a tocar já com o Monasterium.
Assis: A galera começou a dar uma moral pra gente. “Ah, os caras agora tem o CD aí”.
Neto: E passamos a ser convidados pra shows. A partir daí o grande divisor que hoje, acho que, não sei se é bom falar, se é bem respeito assim, né? A gente começou a ser… É, ser olhado com os outros olhos, entendeu?
Assis: Quando a gente recebeu o CD pra ver se precisava de algum ajuste pra dar o retorno pro estúdio, passamos a noite bebendo e escutando direto.
Neto: Antes de entrar no estúdio a gente fez muitos ensaios, gravava uns ensaios com um gravador tocando aqui e o Chakal segurando um gravadorzinho e cantando. Ele cantava sem microfone. Ele esguelava pra poder sair o vocal, pra cobrir ali pelo menos a batera, a guitarra e tudo.
Chakal: O Mike, que é engenheiro de som disse: “vocês querem que fique parecido com o que?” Com Garotos Podres? Ratos de Porão? Acho que foi o Eduardo que falou: “não, a gente quer que fique o som parecido com o som da gente mesmo”. Aí foi o diferencial. Com o material gravado, a gente já teve a oportunidade de começar a mandar pras pessoas. E assim, começaram a vir críticas boas, né? Mandamos para Rock Brigade, Road Crew [revistas] e outros fãs foram aparecendo. Acho que isso deu uma maior visibilidade pra banda. E nesse incêndio foi que o Eduardo teve a ideia de fazer o clipe que junto com a música e ganhar prêmio.
Eduardo: No mesmo ano a gente fez um clipe do Sangue no Olho. Até a metade dos anos 2000 tinha o Festival de Vídeo de Teresina e era material de todo o Brasil. A gente fez um clipe de Sangue no Olho e ganhamos como melhor vídeo do festival, melhor vídeo piauiense e melhor vídeo do festival. Aí rolou uma graninha da Fundação Cultural Monsenhor Charles na época. E aí foi que foi investido na banda. A gente conseguiu comprar uma caixa de baixo e comprar microfone. Foi tudo reinvestido. Comprar CD pra poder queimar [gravar], porque os CD a gente não mandou prensar fora. A gente tava fazendo artesanalmente mesmo. Fez as capas na gráfica e tava envelopando. Sangue no Olho não é uma demo, é um CD gravado do jeito que os outros foram gravados, só que não foi prensado. É o primeiro CD do Obtus. E não tem quem venha dizer pra mim que aquilo ali é uma demo tape não, porque não é. O pessoal tem muito essa coisa de discriminara questão de não ter sido prensado fora, não ver o CD envelopado e tal, bonitinho. E hoje o cara lança uma música e bota nas plataformas digitais aí diz que é um single e pronto, todo mundo engole seco e só escuta aquela música ali e pronto. A gente lançou um disco com seis faixas, mas todo mundo escutava as seis faixas, não ficava escutando só uma faixa.
Chakal: O Assis, me lembro que a gente pensou, bolou a ideia da capa numa mesa de bar lá no seu Aquino, o Assis fez um desenho, podia pensar um galo, questão do galo, coisa e tal. A gente deu o melhor naquilo. Com toda dificuldade e acho que o resultado foi muito bacana. Ficamos satisfeitos de ter conseguido ganhar esse prêmio. E logo de som pesado, né? E de uma galera que não era conhecida.
Assis: A foto da capa é a foto de uma rinha de briga de galo que tinha no vizinho lá de casa. Funcionava no quintal, todo domingo eu ia pra lá assistir. Era o programa de domingo da juventude da Vila Operária, assistir briga de galo. Aí ele liberou e eu fui lá. E fiz a foto. Ele tinha vários apartamentinhos, assim, onde a galera chegava de tudo quanto era lugar e região de Teresina pra colocar os bichos pra brigar e eles botavam nessas prisões, sabe? Eles ficavam lá. Passava uma semana ou passava um dia e sempre tinha um galo lá. E o sangue no olho vem muito disso. O galo é um símbolo de resistência. Ele tá na briga, ele não sabe porque ele tá brigando, os caras tão apostando nele, e ele tá ali pra tentar sobreviver, e pra sobreviver ele pode matar o oponente. Eu cheguei a ver briga de galo lá, onde o galo tava quase morto. O outro em cima dele, bicando, bicando, bicando, e todo mundo vibrando porque aquele já estava morto. O galo que estava caído levanta de uma vez e dá uma esporada na cabeça do galo, que o outro vai e cai. Ele, que estava quase morto, matou o outro galo. Está ali, morrendo, se fudendo, mas ele tem aquela gana de força para ainda brigar. Então isso a gente levou para o CD que é a cara da gente, né?
Neto: A gente lutou muito. Não desistia.
Eduardo: Não querendo dizer que a gente é a favor de rinha de galo, de qualquer bicho, qualquer bicho que se coloque numa situação de combate até a morte, isso é completamente avesso ao o pensamento da gente, mas era uma coisa da cultura da época da nossa infância. Então, a foto foi tirada numa época que a gente já era contrário aquilo ali. Quando a gente ia pra rinha ver briga de galo, a gente era criança, era levado pelos pais ali, arrastado pela mão pra ver as brigas e tal. Por contraponto de fazer uma releitura e uma coisa visual de contestação mais forte foi colocar a foto do galo preso.
Assis: Ele não está brincando, ele está preso. Ele está aprisionado ali naquele mundo que colocaram ele.
Neto: Só voltando a gravação do Sangue no Olho, a gente não tinha técnica, não sabia nada do que era. Quando a gente queria falar: “rapaz, dá um tutupá na bateria, tutupá, tutupá, tutupá” era assim, né? A gente tinha esse vocabulário da gente, mas quando a gente falava, o Mike era o cara de “tutupá, tutupá, tutupá, tutupá” (risos). É isso aí, o “tião” [riff] da guitarra. Não, não fazia um “tião”. “Tião, tião, tião” da guitarra, né? Não sabia o nome, nunca ouvi, não sei nem como é que chama aquilo ali. Mas pra dar um “tião” aí que dá certo, né?
Aristides: Vocês inventaram outras regras…
Neto: Esse detalhe é engraçado na gravação, né? Além do Sangue no Olho, que deu uma proporção muito grande, porque além desse clipe, o CD nos deu um outro clipe, o Tiros da Noite, entendeu? O Sangue no Olho, quando a gente foi gravar, pegamos aquela galera da rua onde ensaiávamos, onde é a casa do Assis, na Rio Grande do Norte. É uma famosa rua, RGN. Lá era bem perigoso, lá a galera tinha um receio. Então a galera que fez o clipe Sangue no Olho, era a galera dessa rua. A gente pegou esses coadjuvantes da rua porque eles viam a gente ensaiar. no quarto ou ensaiava no terraço da casa.
Assis: Eles não gostaram, não curtiram o som, mas eles pararam pra assistir. Aí quando a gente ensaiava no terraço, ficava aquela… velho, menino, jovem, “tesoura”, na porta de casa, na grade. “Estou olhando”.
Eduardo: Tiros na Noite foi gravado lá por 2004. Lembro que estava ausente da banda. Não estava tocando na banda essa época. Estava uns problemas pessoais, coisa de família e tal, e aí os meninos me deram a licença maternidade. Aí eu fiquei até tocando no Káfila durante esse período, pois o Rubens tinha se ausentado por algum problema também. Porra, eu não estava tocando com os meninos, mas todo o ensaio eu estava lá. E aí, vamos fazer outro clipe. Só que esse clipe já tinha mais uma historinha, uma ficção.
Aristides: É um filme.
Eduardo: Não é um clipe de fulano, de beltrano, não é uma música de cicrano. Todo mundo mexeu na coisa pra poder ter pertencimento, porque todo mundo tem que dizer que se aconteceu a culpa é de todo mundo. Fez com as condições que tinha na época, mas aí ficou… juntou um amigo que tinha um pai que tinha uma picape, juntou umas… transformou umas fardas de cobrador de ônibus em fardas da polícia.
Assis: Toda a galera da rua lá da casa da mamãe participou. Meu irmão, cunhada… é… primo… todo mundo… tudo junto.
Eduardo: Tinha que fazer uma encenação lá com sangue aí… “não, compra um ketchup aí porque como é a noite não vai dar pra ver detalhe” Compraram um ketchup apimentado e jogaram na cara do cara lá. Ow pimento medonha! (risos)
Assis: Tem a cena que os caras tão fumando numa roda no começo, né? Aí chega o carro da polícia pra fazer a partida e tal. E aí os caras queriam tá fumando mesmo real ali. “Não, vamos acender”. “Tu é doido! Se a polícia passar aqui e vai levar todo mundo”.
Aí era o papel enrolado pra tacar fogo só no papel mesmo e fingir. “Não mermão, tem que ser real. Bora bolar…” (risos)
Aristides: Nesses 30 anos, vocês tiveram algum hiato?
Eduardo: De forma alguma. Nunca se pensou em parar. Nunca se falou: “ah, vamos acabar a banda”. Nunca se falou. A gente não vive da banda, é fato. Ninguém nunca parou assim pra: “Ah, vamos acabar a banda porque não dá mais, não sei o que”. Nunca se falou isso, nunca se conversou isso.
Chakal: Nos momentos mais difíceis foi a banda que deu o suporte, sabe? Eu passei por uma depressão gigantesca. Não queria ver ninguém, coisa e tal… O Eduardo passou um momento difícil dele, o Assis também passou… O Neto passou… Enfim, mas a banda sempre foi o nosso… O nosso lugar comum, assim, sabe? Porque geralmente é assim, como você está perguntando, justamente porque lembra… tem bandas que te falam assim: “não, cara, nunca mais quero te ver, não sei o que, moleque, e tal, não”. Acho que a gente nunca… Teve um momento de tensão, porque são seres humanos, mas… Um momento que eu achei que foi bem foda foi quando eu estava com depressão mesmo, assim, eu passei seis meses com síndrome de pânico, e… eu quase não queria sair de casa… enfim… Teve um show nesse período… e eu tomava uma medicação… é para dormir mesmo, sabe? Eu tinha parado de beber… eu parei de beber da noite para o dia… aí… toda aquela carga… Passei seis meses com síndrome de pânico meio que sem saber que tinha… Fiquei meio doido, assustado. Aí teve esse show. Teresina É Pop na praça dos skatistas. Nessa época eu participava do coral da igreja. Era uma forma que meus irmãos, minha cunhada e meu irmão encontraram para eu, tipo… o pessoal tem essa ilusão de…
Eduardo: Era o terapêutico dele.
Chakal: Quando dava dez horas da noite, eu tinha que tomar aquela medicação, porque senão eu ficava… sabe, começava… Eu também tava naquela nóia. Depois me falaram, pô, tá todo mundo preocupado, assim, pra aguentar…
Neto: Esse show aí, cara… não lembro qual foi a data. Eu até me emociono.
Assis: Foi em agosto de 2009.
Neto: Nesse show, eu me emocionei, eu chorei. Literalmente chorei. Porque eu sabia o que estava acontecendo. Ali é um bastidor… Esse bastidor aí acho que é importante a gente contar, porque se você me perguntar qual foi o melhor show que a gente já fez, eu posso lhe garantir que é esse. O primeiro show que a gente nunca esquece. Não porque a gente tocou bem, não. Eu lembro desde o primeiro dia, quando a gente foi pegar o Chakal, na casa dele, e ele tava com esse problema seríssimo, e todo mundo com muito problema sério. Tanto é que a gente tava… fisicamente, a gente tava abatido. Eu… se tiver foto meu desse show aí, eu tô… um retrato da fome, literalmente. O Guilherme tava segurando o baixo, ele tava recém-separado, tava uma confusão muito grande. Todos da banda, sem exceção. Todo mundo tava atolado na merda.
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Chakal: O show era pra ser… Acho que era meia-noite… Não, era tipo dez… É, porque era o tempo de eu tomar o remédio. Depois desse horário, eu ficava na neura, Não era neura não, porque o corpo já começava a formigar e tal. Eu não tomava remédio ansiolítico, eu tomava remédio para dormir. Quando foram me pegar, eu estava tão assim que nem a roupa do coral eu tirei. Era era calça social preta.
Assis: Cheguei na porta da casa do Chakal e ele abriu a porta, ele estava tipo calça social. “Não sei o que está acontecendo com o Chakal, mas…” Aí ele disse: “eu não vou”. “Não, Chakal, vamos, cara. Vamos lá, vai dar certo, a gente chega, vai pro palco, pro backstage, toca e vem embora na hora que acabar”. Porque quando Chakal chega, todo mundo quer falar com ele, né? E ele disse: “não, eu não vou conseguir, eu não vou”. Eu disse: cara, vai ser bom sair, tocar, botar pra fora um pouco. Se tu não quiser, também a gente vai entender. A gente vai lá e fala pro povo que teve alguma coisa e tal, mas…” Aí entrou no táxi e… A gente foi na praça. Quando chegou lá, na hora que descemos do carro, alguém já disse: “Chakal!” Aquela coisa, né? A bebida e tal. “Ele parou de beber, cara”. “Não, conversa!” “Ele parou de beber, não oferece essa merda, não”. E a gente parou atrás do palco e já foi para um lugar que era cercado e entrou ali. A gente também tinha que proteger aqui o Chakal. E ele todo o tempo com medo. Chakal estava com pânico naquele dia.
Neto: Eu via que as pessoas estavam achando o Chakal estranho, mas ninguém sabia o que estava acontecendo. A gente sabia. Ele tava com abstinência e tudo, em alto grau, pânico em alto grau, depressão em alto grau, um negócio fuderoso. E eu protegendo aqui, teve uma hora que eu até me alterava com a galera e tal. “Porra, não rola mesmo, aqui não dá, o cara não tá precisando disso não e tal”. É aquela coisa, entendeu? O motivo é pra proteger ele. Porque ninguém sabia o que tava acontecendo.
Assis: Pouca gente sabia que o Chakal tinha parado de beber.
Eduardo: Outro detalhe doido é que nessa época ficou todo mundo da banda sem beber também. Ou a gente parava de beber ou o Chakal não ia parar de beber.
Assis: Todo ensaio, todo sábado, depois do ensaio eram duas caixas de cerveja. A gente sentado e conversando. Era sagrado.
Eduardo: E durante o ensaio era uma garrafa de cana. A gente tinha um problema de alcoolismo e era fato. Isso não é coisa feia de se dizer. Tinha esse problema.
O Chakal foi o primeiro a romper essa barreira.
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É raro você encontrar um show dos caras com pouca gente…
Neto: Por respeito vamos parar também. Esse show [Teresina É Pop] realmente foi importante pra mim. Foi difícil… Foi o show mais importante da banda. E eu lembro que
tinha uma multidão, a praça estava lotada. E a galera quase estava esperando a gente.
Me preocupei, porque eu achava que o Chakal não ia aguentar.
Assis: A gente só queria chegar, tocar e ir embora. A gente não queria saber se ia ter 5 ou 5 mil pessoas lá. A nossa responsabilidade era essa: chegar e tocar e vamos embora.
Chakal: Eu ainda tenho raiva, porque era pra gente trocar o horário, aí ficamos pra tocar meia-noite, não foi? Tinha horário pra tomar o remédio. Eu vou, mas me aguentando aqui. Não podia tomar o remédio, porque ia apagar.
Neto: Eu lembro que foi a única vez que a gente se reuniu antes de um show. Não sei se você lembra, a gente se reuniu antes de começar o show. O show já tinha montado os equipamentos e tal. Era só chegar, a gente se reuniu e pegamos uma na mão do outro: “óh, o show é nosso, o momento é nosso, e vamos tocar”! Sempre que a gente começa uma introdução do show, dando um “peeeehhhhnnn”, que a gente fez isso aí, subiu uma fumaça do palco, aquela fumaça, né? Dentro dessa fumaça, saiu o Chakal. E aí que cresceu. Aí eu me arrepiei. Como eu tô me arrepiando agora aqui! Agora vai, agora vai! Moço, quando começou o show… que eu não sou de olhar pra público, não sou de olhar. Não sei o que tá acontecendo, mas eu tive a curiosidade… eu olhei e eu vi aquela multidão fazendo bagunça, aquela coisa toda. E show é muito marcante, eu me emociono mesmo, cara. Só eu sei o que a gente tava passando!
Eduardo: Foi um dos shows mais loucos que a gente já fez.
Assis: Um show muito massa, velho. O Chakal parecia que ele não tinha nada. O Chakal botou tudo pra fora nesse dia. Eu olhava lá da bateria e disse. Caralho, o Chakal… E eu achava massa porque ele tava conseguindo cantar, sabe? E parecia que não tava tendo nada. Na hora que terminou o show. Ele se recolheu e…
Neto: Ficou forte, cara.
Assis: Minha preocupação era desmontar as minhas coisas da bateria o mais rápido possível para a gente poder ir embora dali. A gente só queria sair. Só queria sair dali.
Neto: Foi um show forte, cara.
Aristides: Esse show do Teresina É Pop eu não fui, mas quem foi me contou:
“cara, tu perdeu”.
Eduardo: Foi muito louco. Um divisor de águas na vida de cada um.
Neto: Foi diferente. Isso aí é uma coisa que a gente nunca andou falando, mas a real foi essa.
Chakal: Tem até um lance engraçado que eu me lembrei em 2018. A gente fez o clipe Inominável. Justamente sobre aquele imbecil [Bolsonaro]. lá, né? Um fulano de tal disse que não ia continuar escutando o som da banda.
Aristides: A ignorância é audaciosa.
Neto: Essa coisa que a gente conseguiu é… conseguiu a gente ter, assim, acho que é o respeito, acho que a palavra é essa, não sei se é bem isso, de tantas de bandas que não é do nosso estilo. Entendeu? Isso passou a surgir depois do Sangue no Olho.
E veio se concretizar, assim, esse crescimento depois do Ver, Ouvir, Calar (2014).
Chakal: O Nokku é de 2013. Tem o single, que foi o Eduardo que a gente fez três músicas. O Eduardo chamou de tringle, né?
Eduardo: Rapaz, vamos fazer, pegar aqui, pegar três músicas, emendar aqui e fazer alguma coisa.
Aristides: Eu recebi o CD Nokku… Tinha uma professora tava que me entregou o CD. Eu tava fiscalizando o prova, Aí pô, aproveitei e abri pra ver… Aí caiu camisinha pra um lado, lubrificante pro outro! “Professor, o que diabo é isso?!” (risos)
Eduardo: Foi um sacada muito… Cara, foi um insight muito bom que veio na minha cabeça. Porque aí tinha o Adriano. Ele trabalhava justamente na prevenção de doenças infectocontagiosas. E aí a gente fez símbolo com um nome muito imagético.
E aí a capa ficou até uma coisa bem imagética, assim, um azul no círculo e tal. A gente sempre tava ensaiando, aí ele chegava com essa camisinha, lubrificante e tal. “Adriano, arruma essa parada aí, vamos encartar essa porra no CD. Não deu outra, cara. Aí a gente volta pro começo dos anos 2000, que é o show que a gente fez no Clube dos Diários. A gente tocou uma vez lá e não foi muito auspicioso não. A gente se inscreveu no Boca da Noite e foi contemplado. Só que o detalhe é que era duas horas de show. Caralho, todo mundo ficou: “pô, como é que a gente vai tocar duas horas de show, meu irmão?” A gente levou o Riso da Mocidade pra tocar com a gente no começo do show. Ah, o povo do metal ficou meio ofendido com isso e tal, mas foda-se. E aí a gente pegou uns covers, tocou umas músicas do Terra, eu sei que a gente fez duas horas de show e conseguiu encher pela primeira vez o Clube do Diários e a rua do lado todinha, mesmo tendo o lançamento do CD do Mano Crispim no teatro. E estava tendo um evento também na sala Torquato Neto. Foi brutal, brutal. E aquela velha coisa, terminou o show, cara, a gente foi caminhando pra Vila Operária, pra sentar no bar daqui, todo mundo caminhando com os instrumentos nas costas. Tinha um amigo da gente, o Hugo, e a gente pegou as coisas, jogou dentro do carro dele. As peças de bateria, aquelas coisas mais pesadas, né, prata, essas coisas, nem era tanta coisa assim que a gente tinha na época, mas aí o instrumento de corda botou tudo nas costas e foi pro bar do Aquino comemorar tomando cerveja e comendo caldo.
Chakal: Nesse evento gente criou o Kit Bob Esponja.
Eduardo: Aí chamou gente pra fazer piada lá em cima, criou uma coisa lúdica pra poder prender o público. O kit era um celular de mangueira, uma revistinha de sacanagem. Era uma revistinha de putaria, miudinha. Tinha o CD da banda, um cartão de telefone com uma ligação e um vale-transporte. Ah, tinha um preservativo também (risos).
Aristides: Vamos falar da fase do disco Ver, Ouvir, Calar…
Eduardo: Com a saída do Erivelto, ele deixou os baixos gravados. Depois a gente teve que fazer umas misturas, algumas coisas. A minha participação como baixista é mínima, tá mais na parte de algum arranjo, alguma coisinha diferente ali na guitarra, alguma coisinha colaborando com o Assis e com os meninos. Ele surge de uma nova fase. O Guilherme tinha entrado… Aí numa lapada a gente soltou o Nokku e logo em seguida a gente sentou pra gravar o disco. A sonoridade já tinha mudado bastante, a gente já tava muito mais impaciente. Então não vamos criar musiquinha, vamos botar só lenhada aqui. O Assis começou a fazer os estudos dele de gravação em home studio mesmo. Gravamos tudo com o Assis, na casa dele, no quarto com uma placa de dois canais, mas já era o que a gente tinha e o resultado é fantástico. A gente fez um show de lançamento lá no Bueiro [do rock] grátis. A gente recebeu elogio da parte técnica, sonoridade e evolução musical de cada um. Porque o “foda-se, vocês são um lixo, vocês não tocam porra nenhuma”, isso aí a gente já tem, cara, já tá envelopado na gente. Então, quando a gente faz as coisas e já não fica muito preocupado não. Aí quando vem esses elogios, essas coisas, a gente não cai pela malícia do ego, não. A gente fica contente porque, por exemplo, o João, do Ratos de Porão, guitarrista, pegou o disco e botou no videocast dele, tocou o disco. Pô, isso aqui é muito bom e tal, e disse o que disse e tal… E o pessoal que vem de fora também elogia. A gente já tocou no Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco.
Assis: A gente passou muito tempo pra soltar [o disco], porque na medida que eu ia estudando, aprendendo, ia tentando melhorar. Até o dia que eu disse, não, bora lançar, acabou. Ficar lambendo assim, não acaba Pra mim ainda dava pra mexer mais (risos). A gente sempre procurou fazer o melhor possível com aquilo que a gente tinha. Esse é disco o que a gente tinha de melhor com o que a gente conseguia fazer.
Eduardo: Rapaz, vamos fazer o seguinte: vamos fazer aqui uma parte burocrática. A gente elaborou um projetozinho, confeccionou um projeto e levou para amigos.
“Está aqui ó, o projeto está aqui. Você pode colaborar com quanto? Uns 10 reais? Uns 100 reais? Com 1.000 reais?” Então, com isso aí, a gente conseguiu prensar mil cópias. A galera colaborou. Gostou do som da gente.
Aristides: Vocês têm plano pra disco novo na cabeça?
Assis: Um, dois (risos).
Aristides: Tem previsão ou estão conversando?
Eduardo: Eu acho que esse ano sai coisa. Tem música pra dois CDs. Tem música que a gente já tá tocando em show. Fora um CD que é temático. Esse temático vai ser depois, a gente vai trabalhar com calma. E vai ser uma coisa totalmente diferente do que a gente fez e faz até agora. Será pro ano que vem.
Aristides: Pra finalizar, uma curiosidade que eu tenho. Do início da banda pra cá são 30 anos e vocês são testemunho de uma época. Entra presidente, sai presidente, entra conjuntura política, sai conjuntura política. Vocês pegaram aí muita coisa. Qual é a leitura que a banda faz dessa história? Como é que vocês compreendem, se situam hoje dentro da questão política, social? Como é que vocês se situam hoje e o que é que mudou? O que foi a Obtus e o que é a Obtus nesses 30 anos?
Eduardo: Eu acho que é a questão de pensar nesse intervalo de tempo como uma roda que gira, não é nem, não posso dizer que é uma roda, são vários ciclos girando orbitando em cima do mesmo eixo assim. Nada de plano, nada de terra plana nessa coisa, mas uma coisa que pra quem viu a gente começando, seja banda A ou banda B, ou em período da década de 90, primeiros cinco anos, depois segunda, é muito distinto porque lá as pessoas viam a gente tinha uma percepção mais próxima. Você tinha uma percepção mais próxima ali. A gente costuma dizer que a gente sentiu o cheiro da saliva de todo mundo. Hoje não. Hoje a gente coloca um clipe na internet aí os comentários que tem lá: “essa é uma banda de apartamento”. “São punks de apartamento”. Se você olhar no clipe da gente lá, os comentários, tem todo tipo de comentário. Punks de apartamento? Como assim punks de apartamento? Então, eu acho que, na minha percepção, tanto eu como Obtuss, eu falando como banda, a gente é o que é, e é desde o comecinho. A gente melhorou tecnicamente, musicalmente, mas a gente evoluiu dentro das possibilidades com essa estagnação social que a gente viveu desde o Fora Collor. Saindo das lambidas do governo Sarney, Fora Collor. Para o governo Fernando Henrique, que foram oito anos de paulada. E a gente vê o governo de esquerda entrar, que se transforma num governo não tão de esquerda, mas por conta do desenvolvimento social e da construção social do país. Eu acho que a gente se manteve na propriedade que a gente tem desde o começo. Temos fidelidade aos pensamentos da gente, ao companheirismo como banda, ao companheirismo com amigos, companheirismo até como família, que a gente sabe que isso é um órgão social que a gente acha meio falido, porque como a gente vive num país pseudo-laico e a gente absorve essa coisa do cristão. Então, há famílias que não são bem aceitas, há formatos de famílias que não são bem aceitas. Então, a gente é o que é. Não que a gente seja um defensor do outro, a gente se defende, não. A questão é que a gente tem um respeito muito grande um pelo outro. Então às vezes tem coisas que a gente um não concorda com o outro. Não são quatro caras que concordam em tudo e se não. Tem umas coisas que a gente não concorda um com o outro. A gente respeita e escuta e aí vem a melhor forma para poder caminhar junto. Nesses 30 anos de banda uma coisa que eu acho muito real é que a gente nunca parou, pensou em parar. Não pensamos em parar. “Vai, vamos dar um tempo, não sei o quê.” Talvez isso aconteça. Talvez por conta de trabalho, de trabalhos externos, a gente precise… “Oh, meu irmão, vamos parar uns seis meses, parar um ano até, enquanto resolve esse trabalho bem aqui”. A questão mesmo é só a sinceridade mesmo, uns com os outros e a gente com o público. Se a gente vai tocar num lugar e tem duas pessoas, a gente vai tocar do mesmo jeito. Se tem 20 mil pessoas, a gente vai tocar do mesmo jeito. Então, meu pensamento é esse, né?
Assis: Eu acho que hoje eu me vejo… a gente tá mais velho, né? Passou por muitas questões pessoais e questões de banda, de experiência de tocar em lugares diferentes. A gente amadureceu na questão do som, mas os… No passado, a gente vivia numa situação que precisava de grana, precisava correr atrás das coisas, ou estudando. Hoje a gente consegue ter uma vida melhor, por conta… do passar dos anos, a gente conseguiu trabalho e tal. Ninguém vive da banda. O cerne do Obtus, acho que continua a mesma do início, né, cara? A gente sempre procurou fazer, botar pra fora aquilo que rodeia a gente na vivência diária, né? Seja em casa, no trabalho, na rua. Então, as mazelas de quando a gente começou, muitas ainda hoje estão aqui. Ainda nos cercam. Hoje em dia de uma maneira mais, digamos assim, ruim. Depois de um governo de direita, de extrema direita, muita gente se revelou, muita máscara caiu e pessoas que a gente achava que conhecia, acabou entrando nesse turbilhão de um pensamento distópico da realidade. E a gente continua com essa mesma verve de falar do que tá acontecendo. Isso em termos do conteúdo da banda, de tocar, de primar por fazer um som cru, direto e agressivo, porque as letras pedem isso. Hoje em dia, a gente se olha se a gente precisa fazer, às vezes, até uma música mais simples, mais prática, para a gente poder se divertir quando estiver tocando. A gente não pensa em fazer uma música muito técnica para estar preocupado na execução da música quando estiver tocando.Não. A gente quer fazer uma música para se divertir. Quanto mais simples a gente puder fazer, e claro que ela fica de uma maneira legal para todo mundo, pra gente da banda. Se a gente gostou da música, massa. Se alguém se interessar e se identificar com aquilo, vai ser massa. Se não gostar também, não tem problema. Hoje a gente tem uma maturidade de enxergar o mundo, acho que de uma forma mais abrangente, sabe? As mazelas estão aí, continuam, e a gente vai continuar fazendo o som da gente com a mesma pegada.
Neto: De 96 até hoje, acho que essa indignação que a gente traz até hoje não vai mudar.
Essa coisa de tocar como a gente quer desde 96, desde os primórdios mesmo, continua a mesma coisa, a mesma vontade. Não mudou nada. O que mudou? Como a galera falou aqui, foi o… Essa… A gente cresceu musicalmente. Dentro das nossas limitações. Eu particularmente sou muito limitado. A gente cresceu um pouco. A gente teve essa experiência, principalmente em palco, show, que a gente cresceu. Eu, particularmente, posso falar da minha mudança. Eu era muito agressivo. Hoje eu sou mais calmo. Uma coisa que a gente aprendeu durante esses 30 anos aqui foi ter paciência. A gente tem uma paciência hoje pra poder gravar, pra poder lançar. Antes a gente era mais aperreado, entendeu? Então a gente aprendeu a ter paciência. E com isso eu aprendi uma coisa, cara. Depois que a minha filha nasceu, depois que nossas filhas nasceram, a gente aprendeu que essa paciência virou uma coisa até mesmo que vem do espiritual. E hoje eu me encontro mais na paz. Mais comigo mesmo, né? E eu sempre digo, aprendi que o que é a paz? A paz não é a ausência de guerra, é você estar na guerra e se tornar sereno. Eu aprendi isso aí, entendeu? Essa agressividade, indignação, insatisfação é de 96 até hoje. Não tem como muda. E a gente consegue colocar essa indignação, essa insatisfação na música, nas letras. E hoje uma coisa que a gente também, pela idade, a gente já tá com 50, praticamente 50, a gente trabalhar o nosso corpo em shows, em música, pra poder a gente se divertir nesse próximo álbum da gente que a gente vai lançar. Tem uma música que é muito antiga, acho que tem uns 20 anos, 20 e poucos anos, que a gente vai lançar essa ela e mudou ela, porque ela era rápida e a gente deu a ênfase de tocar um pouco ela mais lenta para as pessoas entenderem a letra, principalmente isso. E também para a gente curtir ela, porque hoje ela ficou sexy, a música é bem sexy, entendeu? Então tá bom de tocar ela, né? É a Por Desespero. Eu acredito que você conhece, você vai ver a versão ficou melhor. Entendeu? Isso é a maturidade musical que a gente teve nessa… Durante esses 30 anos. A indignação é a mesma. A agressividade é a mesma, de tocar, de fazer. E a única coisa que eu quero que as pessoas entendam é apenas a nossa sinceridade.
Chakal: A gente nunca conseguiu superar a ansiedade da gente de estar sempre querendo fazer uma coisa… Quer queira ou quer não, a gente termina sempre fazendo coisa agressiva, né? O lance da banda é que ela tem esse papel na vida da gente, de colocar as aflições da gente, as raivas da gente, a necessidade de falar da gente de forma sonora, de materializar essa percepção. É uma válvula de escape. Eu acho que, não sei, acho que todo mundo incomoda alguém. Tem uma frase que diz: que você ser grande, incomoda muita gente. Agora, você ser gigante. Isso aí atrai o ódio de todos. Você percebe o tamanho do desagrado da pessoa pelo que ela lhe responde em troca, sabe? Então, no caso lá do “cara do apartamento”, com certeza ele tava dentro do apartamento fazendo… Não tinha muita coisa pra fazer. O que a gente trouxe de lá pra cá foi essa ansiedade. Ansiedade de continuar sendo agressivo, pulsante, sincero. A gente bota pra foder.
Neto: Houve uma mudança muito grande de conhecer as pessoas através da sua hipocrisia. Hoje a gente vê aí os hipócritas sendo visíveis, entendeu? Eles falavam dentro de um quarto, hoje eles se expressam já pra todo mundo saber o que é. Então, a gente entendeu essa mensagem e vamos transferir isso. E com tanta coisa, com tanta merda, A caravana não pára.
Varreta ereta, continuem botando a mula pra andar, grande abraço.