por Aristides Oliveira
Sid Vítor, músico guitarrista e compositor, caminha num percurso de 20 anos de história no mundo da música, participando de bandas como o Escoliose (punk/grunge), B.R316 (blues/rock) com álbum homônimo lançado, dentre outros projetos e participações.
Atualmente segue no projeto Aurodharma, lançando seu primeiro disco, que recebe o nome de “Cabeça do Tempo”, que abrange uma roupagem mista de post-grunge com rock nacional através de uma identidade diferenciada nesta fusão de referências.
Bati um papo com ele sobre os caminhos traçados até aqui.
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Na estrada percorrida até aqui, que lembranças vêm à mente dos tempos que você ainda estava arranhando as primeiras notas?
Bom, quando começando a tocar, essa vontade nasceu das bandas do cenário dos anos 90, mais precisamente as bandas de grunge, então foram bandas as quais aprendi primeiros acordes, além de bandas brasileiras que já tinha costume de escutar. Lembro que – desde aquele tempo – já tinha interesse em fazer música própria, mas comecei tocar em seguida fazendo covers, como toda molecada faz. Foi um tempo bem legal, cheio de sonhos e imaginando o que seria na frente quando montasse as bandas e por aí vai.
Eu considero você um dos guitarristas mais preparados dos que já vi pelos palcos de Teresina (PI). Imagino a disciplina e o tempo que vocês seguem para fazer um trabalho reconhecido. Como você concilia sua rotina de trabalho com a organização para manter seus exercícios constantes com a guitarra?
Obrigado pelo elogio. Desde esse tempo primordial, quando comecei a aprender os primeiros acordes, foi a sensação igual de tipo quando você se apaixona. Eu nunca deixei de namorar a guitarra e a chama da paixão pelo instrumento sempre se fez presente de lá pra cá.
Me formei em Geografia, porém nunca foi empecilho. Sempre arrumei tempo para tocar, às vezes estudando músicas de outros artistas ou compondo, mas com o fato de mudar para Sampa, trabalho no setor de instrumentos musicais e mesmo que de uma forma não didática tenho sempre algum tempo para exercitar os dedos, e até mesmo em casa tem o segundo turno (risos). Como trabalho literalmente com música, sempre me mantenho estudando. Enfim, não tem tempo ruim, tudo que a gente quiser fazer o nosso melhor possível, tem de haver entrega.
Você trafega entre o punk, grunge, blues, participando de projetos como Escoliose e BR 316. Como foi sua passagem/tempo por essas bandas e o que dizer sobre a transição de um projeto a outro, levando em conta os aprendizados e amadurecimento sonoro?
Cara, o Escoliose foi um trio onde comecei mais firme com produção de trabalho autoral. Foi a primeira escola onde aprendi a gerir o trabalho em equipe, onde comecei também a compor de maneira mais continua. Uma experiência fundamental para as coisas que viriam a seguir, quando resolvemos parar os trabalhos, onde já vinha fomentando o B.R316.
Então dei inicio com essa nova proposta de som, a principio estava muito imaturo e confesso que foi bem difícil mudar abruptamente de estilo, pois envolveu vários tipos de entendimento, desde reaprender a tocar, digamos assim.
Percebi que equipamentos que usava também não se encaixavam para o estilo, então foi uma mudança estrutural, desde como tocar até com o que teria que ter para tocar o estilo e foi bem diferente o começo.
Lembro que o nosso primeiro show, quando nós assistimos achamos horrível hahahah, mas foi aquilo o start para estudar profundamente o estilo e até para achar nosso lugar ao Sol e nossa identidade.
O B.R foi importantíssimo pra mim como artista. Foi a banda a qual lancei meu primeiro trabalho profissional: o disco homônimo. A banda com a qual toquei em vários grandes festivais e estive em contato com artistas “grandes”, tanto de Teresina como até internacionais, a banda a qual me levou em viagens inesquecíveis, lugares e pessoas especiais. Foi onde me senti mais maduro até então, e com a qual vi também que por mais difícil que seja você consegue trabalhar com música, tudo é uma questão de gestão e estar nas horas, lugares e pessoas certas para máquina andar.
Atualmente você mora em São Paulo. O que te fez tomar a decisão de deixar o Piauí e construir sua carreira em outra cidade? Você acredita que há poucas oportunidades para crescer artisticamente por aqui?
A banda vinha seguindo um ritmo normal, eu estava trabalhando numa empresa e saí da mesma, mas como havia conhecido um amigo de sampa, o qual estávamos fazendo algumas gigs, ele me convidou a experimentar esse cenário novo aqui, então resolvi tentar um norte diferente e expandir mais possibilidades musicais. Aqui, logo montamos um trio na linha de blues rock autoral, chamado Uzina Elétrica e fizemos muitos shows, bastante músicas autorais, mas por algumas demandas não conseguimos manter o projeto.
Em seguida conheci o Martin, segundo guitar/vocal que faz parceria comigo no Aurodharma. Continuo afirmando que Teresina é um lugar que tem excelentes músicos e artistas de forma geral. Quanto a potencial, não devemos a lugar nenhum do que já visitei, a questão de tornar-se um negócio para se viver disso é mais complexa. Trabalhar especificamente com arte exige além de bom conteúdo.
Toda uma logística dentro de politicas de gestão cultural, trabalho de impacto da mídia, senso coletivo dos próprios artistas, descentralização de algumas iniciativas, como certa vez aconteceu com o coletivo Salve Rainha, que aproveitou Teresina como palco para sua arte de forma generalizada, mas às vezes, a cidade pega um fluxo de looping e chega num ponto, desenvolve e volta para esse ponto. Os artistas podem arriscar mais macro, se não o trabalho não sai do lugar, ou seja, para crescer artisticamente, tem que começar aí, para partir em frente a outros horizontes.
Falando do seu novo trabalho em equipe, Aurodharma, com o disco Cabeça do Tempo, qual o diferencial desse disco para suas participações em produções anteriores?
O Cabeça do Tempo é o reflexo das minhas experiências adquiridas e uma visão mais amadurecida de produção, mas de certa forma uma volta as origens sonoras, tipo o blues man, que sai da cidade e volta depois do pacto com o diabo tocando melhor (risos). Esse disco marca meu primeiro trabalho gravado em São Paulo e um novo ponta pé pra minha vida com música e arte.
Conseguimos fundir todas as influências que tínhamos em comum, dizer as mensagens em português, que foi algo que frisei desde o inicio quando convidei o Martin para trabalharmos nesse projeto, além de explorarmos linhas instrumentais intensas e principalmente o duo de vocais, tornando o trabalho mais orquestral e ajudando as letras e seus diversos conteúdos a terem mais identidade.
E os outros participantes? Fala um pouco deles e como foram os encontros para definir o conceito musical deste projeto?
Somos um quarteto. Eu guitarra e vocal, Martin Guitarra e vocal, Luk no baixo e o Celão na bateria. Conheci o Martin e ele me convidou a participar de um projeto, logo o projeto não andou, daí sugeri a ele começar do zero com as ideias que falei sobre o disco. Em seguida conhecemos – através de um grupo de músicos nas redes sociais – o Celão, que já vinha também com um longo currículo e convidamos um amigo em comum (Marcelo).
Formamos inicialmente o embrião do Aurodharma. Eu já possuía algumas composições que vinha esboçando em casa e Martin também, então nos juntamos e trabalhamos os arranjos. Vimos que a banda tinha uma sintonia legal. Passou o tempo e com a saída do Marcelo, entrou o Luk, o qual veio do antigo projeto que toquei com Martin. Fechamos o time nesse período e tínhamos todas as músicas do disco prontas, compostas por mim e o Martin. Gravamos o Cabeça do Tempo.
Sempre me ligo nas capas e curto bastante os arranjos visuais que apresentam os discos. Quem desenhou Cabeça do Tempo e como o conceito visual de entrada dialoga com o conjunto das canções?
Achei o título numa conversa com um amigo. Estava falando sobre música naquele momento e o disse que tal nota havia caído em cima da cabeça do tempo, termo que musicalmente usamos para dizer que a nota cai certa, porém percebi que ter falado isso me soou dualista e essa outra visão recai sobre a atemporalidade das letras que falam coisas que suspiram no passado, presente e futuro.
Estávamos precisando de uma ilustração para o disco e como nada vem por acaso, procurei na minha mente pessoas que poderiam atender essa ideia surreal. Lembrei do artista escultor e grande expoente piauiense Braga Tepi. Falei sobre essas ideias e ele havia pintado um quadro sobre cabeça com engrenagens, como se estivesse andando para frente.
Uma arte mega surreal. A vertente artística a qual mais me encanto, coincidentemente ele havia pintado o quadro na mesma época que achei o título do disco, ou seja, duas partes de uma engrenagem que se encontraram alguns meses depois, daí ele nos cedeu esta incrível capa. Uma coisa foi puxando a outra até isso ficar concreto.
Em tempos de pandemia, que planejamento fizeram para repercutir o lançamento do disco num período que não é possível fazer shows?
Planejamos o lançamento, o qual ocorreu sobre um projeto da prefeitura que fomos contemplados e fizemos uma live, mas estamos trabalhando nas mídias sociais usando o melhor possível o tempo para deixar o terreno pronto e estamos investindo numa equipe técnica para fazer a gestão de visão da banda, até que possamos voltar a tocar. Além do trabalho de merchandising, como camisas, máscaras e em breve prensar alguns CDs para souvenir. Ou seja, estamos focando por hora no trabalho digital e de imagem, para poder articular os shows futuramente.
Lembrei um episódio ocorrido com Eric Clapton esses dias, quando lançou Stand and Deliver, música com pegada anti-lockdown, contra as políticas sanitárias para prevenção do novo coronavírus: “você quer ser um homem livre ou um escravo?” Essa canção desenterrou um passado do músico, quando discursou em 1976: “Vamos impedir o Reino Unido de virar uma colônia negra. Expulsem os estrangeiros, mantenham a Inglaterra branca. Os negros, árabes e jamaicanos não pertencem a este país e nós não os queremos aqui. “Precisamos deixar claro que eles não são bem-vindos. A Inglaterra é um país para brancos, o que está acontecendo conosco?” Eu não consigo desarticular música de política e confesso que fica difícil admirar um do maiores guitarristas de todos os tempos. Como você se posiciona diante dessas declarações no contexto que estamos vivendo?
Eric Clapton é um cara que me influenciou muito, toquei bastante suas musicas. Foram dois momentos muito infelizes na sua carreira. Primeiro que não concordo com qualquer forma de pré-conceito. O Eric posteriormente se retratou sobre o que havia falado, acho que nisso a maior retratação foi a quantidade de trabalhos que ele fez com músicos negros, latinos, etc.
Inclusive sempre os citou como sua maior influência, o que você consegue ler na autobiografia, quando o mesmo teve contato com a música norte americana. Eu vejo isso que ele falou como um monte de merda, mesmo que as tenha justificado, mas o respeito também pelo o que ele fez artisticamente por vários artistas, inclusive leiloou quase todas suas guitarras para cuidar de artistas que se perderam no caminho com dependência química, onde periodicamente faz o festival Crossroad, para levantar fundos e manter este instituto.
Essa questão do lockdown é a segunda parte que não consigo entender, o que o levou a minimizar essa problemática principalmente pelo mesmo ser uma pessoa pública e isso influenciar negativamente no que estamos lutando para conter, mas pela sua declaração e suas ações contra o lockdown, ele demonstrou ver o lado dos músicos e artistas que foram atingidos, visto que iriam ficar sem trabalhos, entretanto achou que ele quis ajudar a classe artística, porém de uma maneira incorreta.
Se um/uma jovem iniciante na música estiver lendo essa entrevista, que conselhos você daria?
Faça mais do que o seu melhor. Nunca, nunca deixe de estudar. Seja gentil com as pessoas. Tudo que você conseguir de bom é fruto da sua luta, mas não te faz melhor que as outras pessoas. Com isso seja humilde, se você quer fazer alguma coisa acredite, mas saiba que não vai ser fácil. Essa é parte do não desista, pois a coragem vem do medo de enfrentar, seja sempre grato as pessoas que te ajudaram e se você puder ajude também outras pessoas. Por favor, desculpe-me e obrigado!
Quem é Sid Vitor antes e depois de viver em São Paulo?
Eu sou o motivo dos meus próprios sonhos, um projeto científico, literário, social e artístico, até o dia que eu morrer. Isso é o antes e o depois. Um cara simplório, que tinha medo do “escuro”, mas que sempre teve coragem de arriscar, apaixonado por música, guitarra, cachoeira, ufologia e tantas outras mil coisas, e ainda cheio de coisa para fazer e aprender, mas que em São Paulo deu vários nomes aos estados de espírito que descobriu ao viver só na selva.
Hoje eu faço uma puta macarronada hehehehe. Hoje tenho o pé mais fixo no chão e as asas mais resistentes as correntes de ar que o mundo tem me mandado. Hoje mais que nunca, sei o significado da palavra saudade e o valor das coisas, e acima de tudo, que nunca se deve desistir. Aqui tem sido meu laboratório de vida, hoje e antes gratidão!
Imagens: Arquivo pessoal.