Vozes do Punk vol. 14: Jorge Oliveira e o Grito Absurdo + bônus track

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Vozes do Punk continua abordando a importância da banda Grito Absurdo para o “nascimento” do gênero em Teresina. Desta vez, quem fala é o Jorge, conhecido entre amigos e amigas como Jorjão, guitarrista do Grito. Marlon Rodner nos ajudou a encontra-lo e fomos muito bem acolhidos.

Cândida, companheira de Jorjão, foi muito atenciosa e mediou o bate papo, disponibilizando uma série de fotos raras com apresentações da banda, bem como recortes de jornais muito valiosos.

Jorjão é um cara gente boa, que carrega objetividade na voz, nos gestos e nas palavras.

Agora sim! Ficamos mais felizes com o andamento do projeto, porque falar de punk por esses cantos sem compreender a presença do Grito Absurdo não teria sentido…

Para fechar essa rodada com chave de ouro, vamos de bônus track com o artigo “Grito Absurdo: tudo por uma consciência crítica”, escrita pela jornalista Edilene Mota, no jornal Diário do Povo, numa quarta de 27 de julho, no ano de 1988.

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Me chamo Jorge de Oliveira Santos, participei do Grito Absurdo com meu amigo Fábio Carvalho. Tocamos diversas vezes na Praça Pedro II. Na época que todo mundo era contra alguma coisa, pensávamos dentro do nosso estilo. Não vagar com ideias mirabolantes que não ajudam em nada, infelizmente cometendo o mesmo erro de sempre.

Fizemos algumas composições com letras de Fernando Pessoa e seus heterônimos na década de 80, que nos proporcionou apresentações variadas. Com auxílio de Marleide Lins e Adalmir Miranda viajamos para o Rio de Janeiro com a coreografia dele e muitas composições eram feitas por mim e Fábio.

Toquei na banda Menthoria (com Paulo Regis e Ypson), cujo a ideia era fazer um som rápido e com atitudes muitas vezes no contexto que vivíamos.

Marleide Lins nos ajudou muito e ela proporcionava manifestações de maior ímpeto. O Fábio era apaixonado pelas letras e poemas de Fernando Pessoa. Era o nosso intuito fazer certas coisas que às vezes ficava um pouco despercebido, mas queríamos fazer algo diferente de todos naquela época.

Lembrei do Marcos Cachorrão. Foi um sujeito que tocou comigo várias vezes e tinha o gosto muito parecido com o meu: Black Sabbath, Deep Purple e Led Zeppelin. Pensávamos antes do Menthoria em nos juntar para compor, já que tínhamos tudo a ver e gostávamos dos mesmos sons. Na verdade, o que nos interessava era fazer um som ótimo! Deixamos um pouco a mordomia e encaramos o dia dia. O Marcos me acompanhou muito e quando soube do lançamento do Vozes do Punk a as primeiras manifestações do punk em Teresina ficou bastante curioso para ver no que ia dar. Ele me mandou algumas fotos do Grito Absurdo e sempre esteve disposto a ajudar.

Um rolê pelo Rio.

Hoje sou o Jorge formado em Arte e desenho técnico. Atualmente sou professor de Arte. Também sou arquiteto e não deixo de proporcionar nas minhas aulas, artes para meus alunos. Trabalho naturalmente lembrando dos velhos e bons tempos. Marleide e Adalmir seguem exercendo suas profissões. Ela como motivadora da arte e ele como ator.

Eu acredito que o Fábio, Raudhflan e o Cláudio Hammer estão a fazer as mesmas coisas. Falo por mim que estou disposto a encarar tudo de novo se tivéssemos uma oportunidade melhor. Quanto ao rock de hoje, escuto de tudo um pouco, mas escuto sozinho, relax.

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Vejo um certo despreparo nas pessoas que fazem rock hoje em dia.

De certa forma o que impressiona é a fadiga e ter uma vida tranquila desfrutando o mínimo necessário para que se tenha uma vida digna como nós merecemos.

Grito Absurdo: tudo por uma consciência crítica (por Edilene Mota, 27/07/1988)

Uma mistura de punk rock e hardcore, duas linguagens de rock agressivas e pesadas, mescladas com muito teatro, mímica, dança, humor e, claro, bastante poesia, é o que a banda de rock piauiense “Grito Absurdo” está oferecendo no seu show “Hora Absurda”, já apresentado uma vez em Teresina, nos próximos dias 3 e 4 será mostrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O show foi montado para ser apresentado no final da “Semana Fernando Pessoa”, no dia 17 de junho passado, quando o público teve a oportunidade de ver e ouvir as poesias desse grande poeta, mais precisamente de seu heterônimo Álvaro de Campos, serem transmitidas através de uma guitarra, um contra-baixo, uma bateria e muita “garganta”.

Raudhflan (bateria), Fábio (vocal, baixo) e Jorjão (guitarra).

Hora Absurda é definido como um show que integra “várias expressões artísticas” que, segundo um dos membros da banda, Fábio Almeida, “é uma das características mais palpáveis da arte contemporânea”. Essa definição é dada pelo contrabaixista Fábio, devido a maneira como o show foi recebido pelo público teresinense, na apresentação  do dia 17 no Theatro 4 de Setembro, quando a plateia estava dividida entre aqueles que queriam apenas rock e os que desejavam apenas poesia, ou seja, esse público não pôde sentir a proposta do show que era de exatamente juntar as duas coisas.

Todo o show é composto restritamente por textos de Álvaro de Campos, tanto as letras das músicas, quanto as poesias que são interpretadas pelo ator Adalmir Miranda. Fábio diz que os trabalhos de Álvaro de Campos estão muito próximos daquilo que a banda propõe. Para o guitarrista Jorjão, quando a banda quer “falar” sobre a fome, ela o faz “usando apenas a realidade nua e crua sem fantasias”, é exatamente essa linguagem que Àlvaro de Campos utiliza em seus trabalhos. O baterista Raudhflan, definindo sua identificação com os textos do poeta, diz que “quando eu os li, era como e fosse uma coisa que eu já estava sentindo, mas que não tinha expressado ainda”.

A proposta de se fazer um show de rock pesado em homenagem a um poeta, partiu da professora Dourinha, da Universidade Federal do Piauí e especialista nas obras de Fernando Pessoa. A professora reclamava do seu desgaste em realizar tantas palestras sobre o poeta e sua intenção era de fazer alguma coisa diferente, de preferência, um musical, e deu no que deu: um espetáculo “pauleira” em comunhão com a poesia, o qual é vista por muitas como um trabalho de pessoas paradas e que só curte o silêncio, visão que foi negada no show “Hora Absurda”. Fábio diz que só não aceita essa união “quem não lida com a arte”.

Apesar de toda a complexidade do espetáculo, a banda Grito Absurdo teve apenas dois meses para montá-lo, e, em consequência de todo o trabalho, Fábio diz que “fazer outro igual a esse, só se for com muita grana, pois pouca serve apenas para matar a gente, embora o prazer esteja aí”. A banda informa que a montagem do show dividiu em três fases: uma para compor as melodias e definir as letras; outra para produzir todas bases de violão para se colocar em cima dos textos e a última foram os ensaios, “uma barra” devido a falta de aparelhagem do grupo e impostação de voz.

Embora os componentes da banda achem que seus espetáculos são diferentes de todos os outros propostos pelos grupos de rock em Teresina, Fábio diz que teve a preocupação de não deixar que esse show “fosse simplesmente mais um do Grito Absurdo”. Foi dessa preocupação que surgiu a ideia da participação do ator Adalmir Miranda, que além de interpretar as poesias, dramatizá-las, fazer mímica e coreografia, é também diretor de todo o espetáculo, figurinista e responsável pelo cenário.

Adalmir Miranda encostado no coqueiro curtindo a brisa.

“O objetivo era dinamizar, juntar em uma só plateia, pessoas que gostassem de poesia, de teatro, de rock, de dança, tanto é que eu já esperava aquela confusão toda na apresentação do Teatro”. Fábio refere-se ao tumulto ocorrido na primeira apresentação do show, quando foram reunidos as pessoas que estavam realmente interessada em ver, não só a banda, mas principalmente o trabalho do poeta homenageado, e pessoas que se dizem roqueiras, mas que “não sabem consumir o produto e por isso eles mesmos causaram sua própria indigestão”.

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A última frase refere-se ao “roqueiros” que ficaram no show o tempo todo gritando quando as poesias eram interpretadas por Adalmir, que impossibilitou que se entendesse quais foram os textos de Fernando Pessoa estava sendo usados no show.

Diante do resultado da primeira apresentação, que para Fábio não havia como dar certo, pois não se pode unir “lobo e cordeiro” (embora o baixista admita que o que o público da Hora Absurda estava mais para lobo do que para cordeiro), o grupo espera que nessa apresentação no Rio de Janeiro, haja uma abertura maior e uma maior flexibilidade por parte do público.

O grupo se apresenta nos dias 3 e 4 na Universidade Federal, onde será realizado o Encontro Nacional dos Estudantes de Letras, os quais já tem uma conscientização maior do que é poesia e do que é rock, sendo perfeitamente esperado uma aceitação por parte deles. Fábio acredita que dessa vez o público vai captar direitinho a proposta do show.

Fábio reclama da falta de consciência crítica tão presente na população teresinense com relação ao rock e afirma que essa consciência só será conseguida através de muito estudo e reflexão. Ele acha que a deficiência da maioria que se diz roqueira em Teresina é que eles estão com uma visão muito dirigida e limitada, e foi explicitamente refletido na apresentação da Hora Absurda, pois o neguinho sai de casa disposto a ver só aquilo que sua lente (consciência) é capaz de captar”, ou seja se o roqueiro vai para um show de rock “ele se limita a querer ver só a porrada”.

“Muita gente está colocando rótulos no próprio rock”, continua o contrabaixista, afirmando que com isso só estão conseguindo fazer com que se fechem todas as portas e espaços para aqueles que trabalham esse tipo de música.

CRIAÇÃO DA BANDA: “Grito Absurdo” foi criada no início de 87, sendo que sua imposição como grupo foi oficializado em um show, no Centro de Convenções, em março do mesmo ano, ocasião em que apresentavam mais de 10 bandas de rock. A banda se firma na proposta de “fazer com que os mortos vivos, por si só, sejam capazes de abrir seus próprios olhos carcomidos”.

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Fábio esclarece que não se propõe a mudar nada, ele deseja ser apenas um meio, pois as mudanças devem ocorrer conscientemente em cada pessoa.

A banda teve uma apresentação marcante no show de rock realizado no aniversário de Teresina, no ano passado na prainha, ou seja, no show Velho Monge. Outra apresentação foi na última mostra de teatro amador no final do ano passado, quando a banda se apresentou em plena praça Pedro II.

COMPONENTES: Três rapazes formam a banda:

FÁBIO ALMEIDA: contrabaixista. Começou tocando violão aos 16 anos, e hoje, aos 23 anos diz que foi criado como todo menino do interior: “ouvindo forró”. Depois do forró, Fábio começou a se interessar pela música popular, de Chico, Caetano e outros. Em seguida veio seu interesse pelo heavy metal, que foi seguido pelas bandas punks, que para ele, “têm uma proposta perfeita”. Fábio nasceu em Campo Maior, morou até os 7 anos de idade em São João da Serra, de onde veio para Teresina, sendo um dos primeiros moradores do Parque Piauí. Hoje ele é estudante de Letras da Universidade Federal do Piauí e dá aulas particulares de Português e Francês. Com relação ao uso de drogas ele diz: “eu prefiro está sempre consciente”.

JORGE SANTOS: Tem 24 anos, nasceu em Santa Cecília (Monsenhor Gil). Seu primeiro contato com o rock foi através da “primeira banda de rock do planeta, a Sex Pistols”. Toca violão desde os 16 anos e atualmente é guitarrista da banda. Faz o curso de Artes Plásticas na UFPI. Com relação ao uso de drogas, tão associado ao rock pela parte conservadora da sociedade, ele diz: “a partir do momento que eu sei que estou vivo, que saio de casa para enfrentar uma barra terrível com essas pessoas que te olham de maneira diferente, se eu estou consciente ou não, esse é o caminho que escolhi, e o fiz com sinceridade, pois eu faço tudo por mim e não por outras pessoas”.

RAUDHFLAN OLIVEIRA: Tem 19 anos, baterista desde os 16 anos e diz que não cresceu como seus companheiros, ou seja, ouvindo forró, pois desde pequeno já gostava de Rita Lee, dos Beatles, e outros. Seu desejo de tocar com um grupo começou aos 12 anos, e ele diz que aprendeu a tocar bateria sozinho, embora nunca tenha possuído uma.

Fábio Grito – baixo e vocal, Jorjão – guitarra, Cláudio Hammer – bateria. Produzido originalmente em 1988 por Carlos Kasbafy. Produção executiva (relançamento): Fábio Crazy. Remasterização: Levi Nunes. Capa: Artur Fontenele. #Solar6VoltzDiscos #Original1988 #Relançamento2020

Fotos: arquivo pessoal Jorge Oliveira.

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