Vozes do Punk Vol. 4 Anarcóticos: vivências do hardcore em Teresina.

| |

Por Aristides Oliveira e Eduardo Djow

Dante Galvão, ex-vocalista da banda Anarcóticos, atuou na cena anarcopunk em Teresina-PI no final dos anos noventa, participando do Grupo de Estudos Anarquistas – GEA. Hoje ele é professor de história e sociologia; continua próximo dos movimentos sociais, estudando e pesquisando. Nesta edição ele retoma um conjunto de lembranças que marcaram a história da banda e as vivência no cenário anarcopunk. Confere o bate-papo!


Fala do percurso que te levou a Anarcóticos.

Eu comecei a ouvir rock de maneira geral, por volta de 95/96. Eu tinha entre 13/14 anos. Um primo gravou pra mim uma fita do Ramones e Sex Pistols. E foi aí que comecei a curtir a sonoridade do punk. Logo depois passei a ter contato com fanzines de metal e de punk. E aquela coisa do fanzine punk com textos mais políticos, com as ideias de militância… Aquilo foi me agradando. Fui me aproximando disso, muito instintivamente, pelo gosto e identificação. Entro no circuito da música de curtir/ouvir.

Primeira formação da banda: Dante (esquerda), Marcelo (direita) (em pé), Leandro (esquerda) e Nando (direita) (abaixo).

Por volta de 1997/98, conheci uma galera do [bairro] Parque Piauí: Robson, Leandro, Nandinho, Éder, que era uma galera que curtia rock e comecei a encostar ali. Nisso, o Leandro junto com o Pádua começou uma ideia de montar banda. A gente sempre se reunia para ver os ensaios. Eu lembro que o Leandro tocava bateria, o Pádua guitarra, o irmão dele baixo e, no início, o Éder fazia o vocal. A banda estava batizada de Anarcóticos. O Nandinho deu o nome e a gente ficava no entorno da banda, nos ensaios. Num determinado momento, o Pádua e o irmão dele saem, não lembro o motivo, e o Leandro tinha a ideia de manter o projeto. Aí ele chama o Nandinho e o Marcelo pra tocar, mas no fundo, o único que sacava um pouco de instrumento era o Leandro.

Dante (Anarcóticos), Djow (Piauí Punk) e Aristides (Acrobata)

Então ele compunha as letras, tocava bateria, fazia os arranjos de guitarra e baixo e o Nando e o Marcelo aprendiam o que precisava fazer na música. De fato, não sabiam tocar os instrumentos, eles sabiam tocar as músicas do Anarcóticos. A gente já ficava por ali no circuito e em 98 eu assumo o vocal da Anarcóticos e começamos uma dinâmica de ensaios mais disciplinada e frequente.

Todo domingo, oito horas da manhã a gente estava montando o som e ensaiando. Muito embora, de fato, não fossemos músicos no sentido dos meninos saber manusear os instrumentos. Tínhamos a disciplina e a rotina do ensaio e as letras da gente. A maior parte das letras era do Leandro, depois eu fiz algumas: “Morte aos Porcos”, “Falso Militar” e fomos ensaiando e formando um repertório e quando aparecemos pela primeira vez a galera ficou admirada com a banda.

Cara, tinha uma introdução que era a mesma do Ramones e emendava uma música da gente chamada “Ideologia Punk”, que era uma música bem porrada, de agitar valendo! Antes da gente começar a primeira estrofe da música o pau já tava trincando lá embaixo, porque a galera começou a se empolgar e quem tava na festa não entendia como era aquela dinâmica e achou que era agressão. Eu sei que em poucos minutos o pau estava generalizado. Acaba festa, acaba show, acaba tudo [risos].

Capa demotape, 1999. Arquivo pessoal.

Foi nossa primeira apresentação pública. Lá no Parque [Piauí] tinha um camarada chamado Lívio, que editava o Dig Dig Zine e organizava shows. A gente já tinha ouvido falar dele, morava no Parque e tal e uma vez conversei com ele e perguntei se rolava um espaço pra gente tocar. Ele tinha prometido um show, uma semana ou quinze dias depois desse na Igreja. Ele esteve na Igreja e viu a parada toda e essa coisa ficou nos anais da Anarcóticos de como a gente começou…

Acho que uma semana depois tocamos no [bar] Elis Regina, não lembro quais eram as bandas. Era uma época que frequentemente tocava Scrok, Káfila e Obtus. A gente tocou e foi massa demais! Foi super louco. Quando a gente desceu do palco a galera veio falar com a gente, conversar, perguntar de onde a gente era, se a gente vinha de fora e tal. A gente era muito menino. Ali em 1998 eu tinha uns quinze pra dezesseis anos. Era tudo muito novidade. Isso foi o início da gente. 1998 e 1999 foram os anos que tocamos muito no Elis Regina e Noé Mendes. O espaço que a gente tinha era o [bar] Elis Regina e bem pequeno, menor que o quintal aqui de casa [risos].

Elis Regina era um lugar liberado para show punk.

Era um lugar onde rolava a movimentação cultural. A galera do teatro sempre estava por lá, os artistas… Só que rolava os shows de rock na época. Rolava um circuito com a galera de São Luís, Caxias… A gente fez um show com a banda Sarcoma (MA).

Foi o show do caixão quebrado?

Isso! Nunca me esqueço desse show (risos)!

Os caras quebraram o caixão e cada um ficou com um pedaço!

Até recentemente a gente tinha a alça desse caixão com a data do show com o nome das bandas que tocaram. Uma banda muito louca (Sarcoma) de metal, heavy. Os caras tocavam com duas guitarras. O palco era tão pequeno que eles tocavam em baixo e piravam no meio da galera. Eu sei que o pau trincando, lotado de gente e como a galera do teatro andava por lá, tinha um caixão encostado num corredor e os malucos acharam esse caixão. Quando pensa que não, os caras entram com o caixão e uma pessoa dentro! Aí fizeram zueira e jogaram esse caixão no chão e a galera começou a pisar! Ficou só o pó e as alças! [risos]

Fala sobre o embrião da Anarcóticos.

Era uma intenção de banda que o Leandro (bateria) tinha com o Pádua. Começou com eles. Aí o Pádua (guitarra) traz o irmão dele e o Éder fazia o vocal. Então esse foi o embrião da banda. Como não vingou, o Leandro permaneceu com a vontade de seguir com a banda. E aí éramos vizinhos de bairro. Enquanto rolava essa proposta de banda inicial, a gente estava sempre juntos nos ensaios, depois ia beber e bater papo, tudo mais… Então, da minha parte eu não tinha intenção de ter banda e nem imaginava cantar. Quando o Pádua sai com o irmão, fica o Leandro e o Éder, aí vem o Nandinho, guitarrista, falecido, e o Marcelo, que eram vizinhos.

Eu morava uns dois/três quarteirões e o Éder um pouco mais afastado, mas todo mundo dentro do bairro e convergia ali na rua da casa do Lendro. Foram nessas tentativas frustradas que pintou. Como eu disse, o Éder é um amigo maluco, pirado, sempre foi muito doido e sarcástico. Ele negligenciava os ensaios, não se dedicava… Se o microfone sobrava, alguém encostava e cantava uma música cover e fazia uma onda. Uma vez nesses ensaios que ele faltava ou chegava chapado, o Leandro me ligou: “tu não quer cantar com a gente? Tu conhece as músicas. Pega a letra aqui…” Aí eu cheguei junto!

Leia também:  Vozes do Punk Vol. 12: “Eu sei o que é invadir o 7 de Setembro, rasgar a bandeira do Brasil, protestar”.

Acabou que ficou eu e o Leandro ficamos bem dedicados à banda. Sentávamos junto, fazia letras, passava o som… Sempre ensaiávamos no domingo de manhã. O Nandinho tinha umas caixas de som que alugava para fazer festas, geralmente no sábado à noite e o Marcelo sempre foi muito doido assim de “tá na noite”. Então domingo de manhã eu chegava cedo na casa do Leandro e montávamos o som, porque o irmão do Leandro também alugava som para festa e já tinha todo um equipamento lá e a bateria.

Depois que arrumávamos tudo a gente ia na casa dos caras acordar, empurrar eles da cama pra poder ensaiar. Às vezes a gente tava morto de ressaca. Quantas vezes o Marcelo chegou… Ficava suando feito um porco (risos) porque tava de ressaca e mal conseguia tocar, mas a gente ficava naquela insistência.

A Anarcóticos foi começando nessa vibe de ficar tocando em casa, mas quando eu chego junto a gente tenta dar uma força mais séria e engajada.

Arquivo pessoal: Zé Júlio, Arthur, Dante e Nando.

E sobre o processo de gravar a demotape. Conta como foi.

A gente resolveu gravar porque tínhamos um repertório razoável. A demo tem umas onze ou doze faixas. Tanto o Nandinho como o Leonel (irmão do Leonardo) tinham equipamentos de som, a gente tinha na mão certa facilidade de plugar os instrumentos e fazer uma gravação, mesmo que fosse ensaio.

A demotape não tem um tratamento de gravação. A gente fez um ensaio gravado. Plugamos tudo, combinamos de errar o menos possível para sair algo mais ou menos razoável na gravação. Foi em 1998. O ano que a gente tocou bastante e apareceu publicamente. A galera começou a conhecer o som.

Geralmente os shows eram Anarcóticos, Káfla, Obtus nos shows de punk. Teve um período que a gente ainda alcançou fazer show com o Terra Podre. Depois vem o Evidência e o Ingovernáveis que é outra etapa que a gente se insere. Eu tava lembrando agora que a foto que a gente tem no encarte foi na Rádio 1º de Maio, outro espaço que rolou shows.

A rádio era comunitária e tinha alguma ligação com a igreja e sindicatos. Na época eu era muito novo e não sacava essas questões. Sabia que era um espaço aberto.

Na época que a gente gravou tinha acabado de aparecer no mercado uma mídia chamada MD, uns cartões regraváveis. Depois passamos para o CD e fez a matriz para reproduzir as fitas cassetes. O tempo passou… Eu tinha essa matriz depois que a banda acabou. Fiquei com a “herança” do Anarcóticos, só que o CD ficou guardado por tanto tempo que tinha “despelado”. Perdemos umas três faixas. Foda porque não tinha mais esse registro. Quem tem a demotape da época tem todas as músicas. Eu não tenho mais. Quem colocou na internet as sete músicas foi o Majucian, um amigo do bairro. Não era da mesma turma que a gente, mas estava ali na órbita.

Rolaram umas camisetas que era a capa da fita, mas eu não fiquei com nenhuma. Não sei se o Aristides tem [risos].

Faixas e agradecimentos demotape, 1999. Arquivo pessoal.

Não tenho. Aliás, quem fez o desenho?

Foi um amigo do Leandro que estudava com ele. Ele tinha alguns desenhos de punks e colocamos um na capa.

Quando a gente pega o encarte da capa, ele é bem feito para a época, né? Como eu e o Demetrios (irmão do Dante) tinha mais essa coisa de se corresponder e trocar demotape, comprava a Rock Brigade e tinha na sessão de trocas… Conheci muita gente por ali e ia vendo os encartes, isso ajudou a montar o encarte da demo. Tanto que tinha uma boa qualidade de gravação, aparentemente. Conseguimos dar uma “cara bem arrumada”.

A galera curtiu pra caramba. A gente vendia e trocava as cópias [demos]. Nessa época da gravação eu tinha contato com bandas punks fora do Estado. A galera tinha as “distros”, as distribuidoras. Recebia a demo e repassava fazendo o canal, os intercâmbios. Só sei que a gente teve uma repercussão nacional. Mandei a fita para muitos lugares e recebi demos de muitas outras bandas de fora. A gente sempre foi muito elogiado.

Uma vez me espantei com uma carta em inglês, com endereço da Holanda. Corri para a casa do Leandro e a gente traduziu a carta. O cara dizia ter recebido a demotape e que tinha curtido muito o som e pediu autorização pra colocar as músicas numa coletânea que ele tava fazendo com bandas do mundo inteiro. Obviamente autorizamos e estabelecemos contato com ele e recebemos gravações também.

Nosso circuito era da correspondência e o contato fora do Estado numa época que não se tinha redes sociais e a internet mal tinha aparecido, a gente tinha uma movimentação de correspondências e intercâmbio com outras bandas que tivemos uma dimensão bem razoável de contatos no Brasil e fora, como Uruguai, Colômbia, Holanda. Foi um período muito massa e intenso!

E os shows? Tem ideia de quantos fizeram?

Eu não lembro quantos shows fizemos, mas à medida que vou lembrando dos nossos shows e ocasiões pelas bandas com quem a gente tocou… Teve uma época que eu guardava cartaz, flyer, correspondências, mas quando sai da casa dos meus pais o acervo ficou com o Demetrios.

Quando ele saiu de casa levou as coisas e outras ficaram. A gente tinha uma mala com todas as correspondências e cartazes. Uma vez nós estávamos lá e meu pai pressionando para a gente “dar fim” naquilo e retirar de dentro de casa [risos].

A gente começou a tocar num período que era Scrok, Obtus, Káfila e Anarcóticos: um show. Chegamos a tocar com o Demolidor, Zorates. A gente era fã do Terra Podre e acho que fizemos um show com eles. No nosso repertório a gente fazia cover deles (“As novas cruzadas”) e do Obtus (“Cidadão brasileiro”). Quando fazia cover do Terra Podre era para demolir o palco.

Como a gente não tinha muita banda para fazer shows específicos, a gente sempre tocou com todo mundo.

Leia também:  Vozes do Punk Vol. 8: A postura de Makline no anarcopunk em Teresina

Passado essa primeira fase da Anarcóticos teve o período que me inseri no GEA (Grupo de Estudos Anarquistas), uma fase mais militante da minha parte. Chegamos numa fase no final dos anos 90 que a gente fazia muito show com Evidência e Ingovernáveis. Nós éramos as três bandas do movimento anarquista. Sempre quando rolava shows mais ideológicos era com a gente.

Arquivo pessoal: Dante (vocal) , Nando (guitarra) ao fundo, Leandro (batera) show no Bar Elis Regina

Eu puxo a Anarcóticos para a questão da militância política. Era uma marca registrada da gente. Comecei a falar em público ainda muito menino. Em 1998 tinha dezesseis anos. Quando tinha show, cada letra fazia uma espécie de discurso e dizia o que tinha para falar, como a gente se posicionava e tal. Nossos shows sempre foram marcados pelas ideias políticas e a música.

Terra Podre e Obtus, apesar de não ser bandas de militância política e social tem letras muito foda. Os caras sempre foram muito conscientes politicamente. A gente sempre andou junto e temos um carinho enorme uns pelos outros e é uma grande alegria quando a gente se encontra. As duas bandas foram exemplos quando a gente começou a tocar.

Ingovernáveis e Evidência, apesar deles não terem a destreza musical que tinham o Obtus e Terra Podre, nos eventos com eles era mesmo a questão da militância. Então a Anarcóticos tem essas caminhadas. Entre 1998/99 essa minha aproximação com o GEA também faz esse outro rumo da Anarcóticos, na verdade não é mudança de trajetória, a gente começa a transitar nesse outro espaço da militância e fizemos shows na Vila Irmã Dulce, que é uma vila que na época era a maior ou segunda maior ocupação de terra em área urbana da América Latina. 

O GEA estava lá dentro. Foi o meu primeiro contato com o grupo nessa movimentação da ocupação da Vila Irmã Dulce. Eu muito menino sempre tive curiosidade. Já estava envolvido com as ideias anarcopunks por conta dos fanzines e as letras do hardcore. Quando soube do grupo, aquilo me despertou. Aí comecei a me inserir no grupo: militar e ir para as reuniões. Começamos uma ponte com o pessoal de São Luís, também ligado ao movimento anarcopunk. A banda Última Marcha de São Luís precisa estar registrada aqui. A gente fez bastante shows com eles. 1999 foi um ano muito decisivo. Nós éramos adolescentes e rolava muita treta nas famílias. Hoje os pais da gente adoram nossos amigos, mas naquela época, nenhum pai queria ver o outro [amigo] andando na casa da gente. Em 1998 – auge da Anarcóticos – o Leandro prestou vestibular e não passou. Isso gerou uma treta na família. “Ah, tem que estudar, passar no vestibular e estão perdendo tempo com banda”. Teve uma vez que eu estava arrumado para sair pro show e o papai: “tu pensa que vai pra onde? Quem foi que disse que tu vai sair? Que idade tu tem pra achar que manda na tua vida?” (risos)

Então, 1999 foi um ano muito tenso por causa dessas relações familiares e aí o Leandro se afastou da banda, mas a gente ficou “a banda não pode acabar”. Nessa época a gente já tinha um afinamento da banda muito bom. O Nandinho já estava estudando guitarra, o Marcelo já dominava o baixo e a gente não queria acabar a banda mesmo que o Leandro tivesse saído, embora fosse uma pena enorme. O Leandro era a cabeça musical da Anarcóticos.

A gente chegou a ensaiar com o Adriano Drex, baterista de várias bandas de metal de Teresina. Eu já conhecia ele de uma época atrás… Antes da Anarcóticos eu tive uma tentativa de banda com a galera do [bairro] Monte Castelo.

Adriano ensaiou com a gente e foi fazer um show no [bar] Palmares. Vira e mexe eu lembro dessa história porque sou sentido com essa situação e como isso vai ficar registrado é uma eterna desculpa ao Adriano pelo que aconteceu. Ele ensaiou com a gente, ainda não estava 100%, mas apareceu uma oportunidade de fazer um show no Palmares.

Quando a gente chegou para tocar, o Leandro tinha ido assistir. Percebemos que ele tava emocionado e acabou que, por imaturidade da gente, sem perceber o que poderia causar nas pessoas, colocamos ele para tocar. Aquilo foi um mal estar, o Adriano ficou sentido com o constrangimento, na época a gente não se deu conta… Foi uma história muito foda.

Depois do Adriano veio o Zé Júlio, um paulista que tinha tocado com o Tropa Suicida. Rolou dele tocar com a gente. Com a saída do Leandro a banda não teve mais a mesma pegada. O Leandro tinha um jeito muito particular de tocar. É como ouvir Iron Maiden sem Bruce Dicksson. O Sepultura sem o Max. A gente tentou reinventar a banda. Levamos mais um tempo e logo o Marcelo também saiu. Aí o Artur, um cara do Espírito Santo que foi morar no Parque Piauí, bem jovem, mas com experiencia de instrumento e tocava guitarra super bem se dispôs a pegar o baixo da Anarcóticos.

Com o Artur a gente ainda compôs cerca de duas músicas e infelizmente não fizemos registro. Ainda da época do Leandro, depois da demo, tínhamos um pacote de músicas com as quais fizemos alguns poucos shows. O que contribuiu para o fim foi a quebra do laço de amizade, que unia a Anarcóticos. Era o mais forte. A banda só fazia sentido com aqueles quatro caras da primeira formação, mais do que “os quatro caras” eram os amigos da vizinhança que faziam a Anarcóticos.

Tínhamos o Demetrios, o Robson, o Júnior Craveiro, o Éder em torno e era uma galera que toda vez que estávamos nos ensaios eles estavam ali: “a música tá massa”. Por mais que a gente tenha tentado a Anarcóticos com outra formação, quebra esse laço de amizade, não que a outra galera não fosse amiga, mas a gente carregava essa amizade no dia a dia.

Também tinha a questão de logística. Os ensaios eram na casa do Leandro, do Robson ou do Nando, todo mundo vizinho, os equipamentos já estavam lá. A gente não tinha o esforço de se deslocar, carregar equipamento e nem depender de horário marcado. Bastava chegar e ensaiava. Isso foi desgastando até perceber que não estava rolando a vibe.

Cada um estava no seu caminho fazendo uma coisa ou outra e a Anarcóticos chega ao fim nos primeiros meses de 2001.

Leia também:  Vozes do Punk vol. 21: Dante, Demetrios e a história do anarcopunk em Teresina (PI)

Tocar na questão anarcopunk em Teresina é falar diretamente do Evidência e Ingovernáveis. Qual a importância deles no cenário?

O Evidência tinha uma música muito bem elaborada e cadenciada. Não era um som pesado. Eles tinham uma melodia diferente. Adorava ouvir Evidência. Pra mim é o seguinte: temos o Evidência e o Ingovernáveis. Ingovernáveis é uma espécie de Sex Pistols: “Zuadento”, desarmônico e o Evidência é como se fosse o The Clash, mais elaborado e melódico. Cada qual com suas características. Ingovernáveis tinha muita energia. O Bal não fazia a menor questão de cantar no tempo. “Bal está fora do tempo”. “Que nada, mermão! isso aqui é punk!” [risos]

Como a Anarcóticos se encaixa (ou não) nisso tudo?

Como a gente transitou no rock de Teresina, tocamos com bandas trash, punks não militantes e militantes, a gente ficou naquela primeira geração de bandas punks no começo dos anos 2000. Tipo a tua geração Aristides. Tu era um pouco mais novo que a gente, mas fez parte.

A minha posição sobre a Anarcóticos é porque ela tinha um pouco de tudo: Terra Podre, Obtus, Ingovernáveis e fazia um som muito próprio.

Essa galera que veio logo depois da Anarcóticos pelo [bairro] Parque Piauí, Saci, pois no começo do ano 2000 teve uma geração punk ali que tinha a Anarcóticos como referência.

Eu sempre falei da Anarcóticos para essa nova geração. Tem uma galera que eu fui fazer uma palestra na Ocupação e muitos não sabiam que tinham banda punk antes deles.

Eu queria falar um pouco sobre o pós-Anarcóticos, principalmente no início dos anos 2000. Lá no

Parque Piauí teve outra banda logo depois da Anarcóticos que ficou com a herança do “punk do Parque Piauí”: Mocorongos.

Era uma banda formada pelo Ravel, Majucian e o Daniel. Eles não eram aquela galera colada na gente, mas a gente se conhecia do bairro, eles estavam perto quando rolava show. Então, sempre fomos uma referência para eles. A Mocorongos, apesar da vibe ser outra na questão de atitude, mas os caras faziam o punk e sempre estavam tocando música da gente. Quando iam pra show nos convidavam… Ficou aquela coisa viva de manter a memória da Anarcóticos.

Em 2007 ou 2008, o Maju [Majucian] e o Ravel encheram tanto meus ouvidos pra gente voltar com a Anarcóticos que começamos a ensaiar de novo. Eu era o único da formação original, Ravel na guitarra, Maju no baixo e o Aliandersonna bateria. Tocamos uma vez no CCHL [Centro de Ciências Humanas e Letras – Universidade Federal do Piauí]. Fizemos uns dois shows, acho que tocamos no Bueiro [do Rock – casa de show de Teresina] inclusive. Também tocamos no [Espaço Cultural] Noé Mendes [Universidade Federal do Piauí].

Ano passado [2018] o Maju quis voltar com a banda novamente. A primeira tentativa foi eu, Maju

, o Dionísio, ex-Evidência [bateria] e o Jardel [guitarra] do Maldito Necrotério. A gente combinou, mas acabou não saindo do papel. Depois o Maju juntou o Jardel e o Alex [bateria], que são colegas dele de outras bandas de metal: “bicho vamo fazer? Vamo!” “Cara, a gente chama de Anarcóticos?” “Não é interessante chamar de Anarcóticos porque é outra coisa”.

Entramos no entendimento de chamar a banda de “Maldito Necrotério”, que é o nome de uma música da Anarcóticos, composta pelo Éder, acho que foi a primeira música da banda, acho que uma das primeiras…

Era a musica carro-chefe…

A gente redefiniu a ideia do Maldito Necrotério. A ideia é prestar um tributo às bandas da época. Os meninos começaram e convidaram o Chakal [Obtus – vocalista] para fazer vocal com eles nos primeiros shows.

Quando o Maju disse que era o último show da banda, eu fui, mas aí eu disse: “que nada mermão, a gente vai continuar…” (risos)

Foto: Revista Acrobata

Foi no show que eu organizei no União Underground, no Espaço DK. A novidade era o Dante no vocal.

Aí depois teve o do [cine] Rex [Hardcore contra o Fascismo – 2018]. Aí era eu e tu pirando na frente (risos). Eu estava no show lembrando da época que ficava no quarto ouvindo minha demo…

Eu sei que a gente tocou na praça São José [Timon – MA], no Dama da Noite [casa de show, Timon – MA], na praça Pedro II [Hardcore contra o Fascismo], no [Espaço] DK a gente tocou duas vezes e o Maju tomou a decisão de não continuar com o projeto.

Como a ideia era tributo, a gente tocou músicas da Anarcóticos como base do repertório, mas rolou música do Evidência, Ingovernáveis e covers. A sensação que eu tenho é que qualquer hora dessas a gente brinca de novo e junta a galera.

A Anarcóticos fazia sentido naquele circuito da amizade, da vizinhança que a gente pirava e bebia junto. O Nandinho foi um cara que faleceu nesse tempo… Todo mundo seguiu seu caminho. A morte do Nandinho foi meio repentina… É foda porque era um cara muito querido por todos pelo temperamento dele, pela postura. Um cara muito solidário e afetuoso. Morte repentina. Muito jovem. Acho que não tinha 30 anos…

O Leandro seguiu a vida dele, é um grande amigo. A gente não se encontra com muita frequência, mas quando se encontra é uma alegria. Leandro, no dia que tu ler essa entrevista tem uns CDs teus aqui. A intenção era te dar o golpe do esquecimento (risos).

O Marcelo ficou no Parque [Piauí], não sei se ainda mora lá. Depois de muito tempo a gente volta a se encontrar pelo bairro… A gente foi ficando velho, formando família, saindo do bairro…

Ahh!!! Eu esqueci de contar a história cavernosa do show que tocamos com o Terra Podre. A gente tava começando a tocar ainda e não tinha muita proximidade com a galera do movimento punk, não conhecia ainda toda galera. O Terra [Podre] tava tocando e o Valteres fez algum discurso lá, não sei o que é que foi e o Baiacu tava abaixo do palco. Aí eu não lembro bem o que o Valteres falou e o Baiacu disse alguma coisa com ele: chamou ele de fascista.

O Valteres pulou do palco para ir em cima do Baiacu e de alguma maneira ele acertou e cortou o supercílio do Valteres. O Baiacu bem magrinho e o Valteres bem parrudo, conseguiu a proeza de acertar ele e foi aquele siribolo (risos). No final o Valteres tocou o resto do show ensanguentado. Ele se tornou um performer. Aquele som violento e o sangue correndo (risos).

E essa coisa do pau de briga de mais de vinte anos atrás… Outro dia lá no Bueiro [do Rock] e o Obtus ia tocar. Eu tava com os amigos das antigas… O Obtus ia fazer o show de abetura da turnê…

Eu tava aqui na frente [do palco] aí eles pararam…

Esse show eu te chamei [Aristides se referindo ao Djow] e tu não foi.

A gente se encontrou da melhor maneira. No meio de uma briga (risos).

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!