Bate papo com Aristides Oliveira
Há vinte anos atrás, no dia 13 de dezembro, eu estava curtindo o show “Solidariedade”, no finado bar Palmares. Lembro do Scrok e Anarcóticos tocando o terror no palco. Entre uma música e outra (não lembro de qual banda), um cara sobe no palco, toma o microfone e grita: “Enquanto existe um revoltado, haverá um punk!” Aquilo me atravessou e quando cheguei em casa anotei essa frase no meu caderno da escola…
Nessa edição, vamos ouvir um nome importante do anarcopunk em Teresina (PI), referência para mim e muitos outros e juntos vamos compreender a importância que seus deslocamentos pelo país trouxeram na construção de espaços de intercâmbio com outros movimentos e ideias ligadas ao punk no Brasil.
Com a palavra: Baiacú.
Eu sou Carlos Eduardo, mais conhecido como Baiacú e eu vim ter noção, ideia do que era o underground em 1987 através de um amigo que estudou junto comigo: Alexandre. Ele tocava numa banda chamada Farenheit. Na época era ele, Marcílio, Anchieta e o Fauster Teles e aí essa amizade perdurou durante três anos, só que na época que eu os conheci eles racharam a banda no meio. Fauster ficou com o Anchieta e o Marcílio saiu junto com o Alexandre e formaram a banda Greenwich.
Através dessa amizade eu fui ao point dos headbanger… Aí eu conheci o Chakal, o Molão, Zenon, Bernardo, Kasbaf e eu fui me enveredando. E aqui no [bairro] Mocambinho tinham três amigos gente boa, são gente boa até hoje: o Charle Brown, o Bill e o Sandro, que na época tocava no Demolidor junto com o Zenon e o Fausto, que era baixista. Nós começamos a ir no [bairro] Matadouro.
Meu primeiro contato com o punk foi com o Leonardo. Ele parecia um punk de boutique, todo cheio de botton na jaqueta. Conheci o Leonardo e o Dionísio. Na época eu achei estranho. Leonardo sempre foi um cara prepotente, né? Na época era menino véi, eu também, mas eu não ia muito com a cara dele não… Tinha uma banda aqui em Teresina chamada Verme Noise, com seu Chakal Pedreira, Molão, Vidal e o Bernardo na batera e todo sábado a ideia dos headbanger era está indo na casa dessa galera.
E nós íamos alí, perto da Coca Cola, perto da casa do Bernardo vê os ensaios e o Verme Noise no Teatro do Boi era uma banda muito boa! Quando chegou nos anos 90, por volta de 1993 e conheci a mãe do meu filho e eu já estava mais afastado um pouco, porque aconteceu negócio muito interessante. Comecei a me interessar por fanzines e o Charle Brown, como éramos grandes amigos – e somos até hoje – nós tínhamos um grupo: eu, Sandro, Bill e Charle Brown: os Grinders of Noise.
O nome do nosso fanzine era pra ser Sladown. Meu primeiro contato com o metal foi o Kreator (Terrible Certainty), que o Alexandre me emprestou e o Slayer (Reign in Blood). Com o passar do tempo comecei a andar de preto, crucifixo de cabeça pra baixo, botava uns broche, né? Furava todos os dias que saía pra rua e tirava antes de chegar em casa (risos) e minha tia viu (como eu trabalhava pra eles), as minhas correspondências eu botava direto pra lojas de peças, na [bairro] Tabuleta e um cara abriu a carta e viu (eu andava com a cabeça bem baixinha, raspada… Nunca tive nada a ver com Careca, né?) e disse que era eu no cemitério. Minha tia fez “Inquisição” lá em casa e queimou todo material, os fanzines. Charle Brown ficou zangado, não queria falar comigo na época pensando que eu tinha me desfeito do material.
O zine não saiu. O Verme Noise acabou e os caras botaram uma banda. Parece que era “Jumentos Famintos não tem medo de lapada, pancada” traduzindo… E a amizade foi crescendo com Bernardo, Molão, Chakal e aí deixei de mão, dei um tempo…
Em 97 um amigo meu, vizinho tava sentado ao lado de casa… Tinha um cara lá, um cabeludo do lado dele e o cara: “Ei Bayaku, deixa eu te fazer um convite. A gente tem um grupo de estudo, um negócio e a gente quer te convidar porque tu gosta de som e é mente aberta, a gente tem o GEA (Grupo de Estudos Anarquistas)”. “Pô, eu vou nessa reunião. Quando é?” “Rapaz é lá no Pequena Rubim [escola situada no bairro Mocambinho] ou era no Alberto Monteiro, ao lado da Pequena Rubim.
Cheguei lá encontrei o Bal, Carioca, Makline, Peterson (o vira lata) e mais uns caras. E todos os sábados os caras tiravam um texto de um jornal chamado Libera e os caras se correspondiam por fanzines e eu fui me interessando pelo anarquismo. Até que apareceu o advento da Vila Irmã Dulce, quando os caras me convidaram pra participar da organização dessa invasão, que na verdade é uma ocupação.
Nós fomos e a medida que o tempo foi passando (1998) eu passei sete meses na Vila sem vim no Mocambinho. Eu, Bal e mais uns outros… Distribuindo os lotes e coibindo a venda e foi uma confusão danada. Enfrentamos um policial chamado Escovinha lá em baixo, depois do pé de piqui, conheci o Fofão e continuei fazendo os fanzines, só que de protesto.
Um era o Manifesto Indigesto e o Cabaré Voltaire, com um lado de poesia e dadaísmo e por último uma brochura chamada Momentânea. Quando foi em julho, o Makline disse: “rapaz vai ter um encontro Nordeste de Punks em Natal (RN) e ninguém daqui vai”. E eu: “Rapaz eu vou!” E aí juntei a grana que trabalhava com minha tia no escritório de contabilidade, mas tava com um monte de tempo ausente e tirei pra Natal.
Quando eu cheguei lá vi uma coisa completamente diferente. Uns caras inseridos em causas sociais igual nós aqui e o movimento punk muito forte. Aí eu vislumbrei o punk: os anarcopunks, na verdade. Conheci um cara (que até morreu) chamado Alex, de Recife. Ele fez ir junto em 98, de carona, nunca peguei carona na minha vida pra Recife e lá passamos cinco dias.
Eu tinha um sonho de conhecer um cara muito legal e conheci em Natal: Renato Maia, da banda Descarga Violenta. Conheci o Anaias e muita gente boa. Fui bem recebido e passei um mês numa viagem que era pra passar dez dias… Depois voltei pra Teresina, aí descobri pelas cartas que ia ter um evento em Fortaleza, uma Assembleia Geral a nível Nordeste, em dezembro. E nós fomos: eu, Bal, Bruno, Makline e Carioca.
Foi bom demais! Muita interação e quando foi nessa deliberação nós agendamos para Teresina sediar o encontro anarcopunk Nordeste. E foi na Vila irmã Dulce, numa estrutura precária, sem água, a gente tinha que comprar e carregar nos baldes, nos carros de mão e veio muito punk. Veio tanto punk que eu fiquei besta: Bahia, Amapá, Belém, João Pessoa, Natal, Ceará, São Luis, Petrolina e eu fiquei extasiado.
Eu tinha várias fotos desse evento, mas ficou perdida, infelizmente. Tenho alguns resquícios e foi deliberado várias coisas nesse encontro.
No outro [encontro] seguinte eu fui pra Belém com Makline e fiquei inserido no movimento anarcopunk. Eu era anarquista e anarcopunk. No decorrer das amizades que eu fiz fiquei viajando pelo Nordeste. Ia pra Fortaleza, Natal, João Pessoa, Petrolina. Tu acredita que eu fui de Recife para Petrolina de carona? Eu passei uma semana nas BRs e cheguei lá. Andei muito e fiz boas amizades. Em Belém foi bom demais! Vi punks do Brasil inteiro.
Vi o pessoal do movimento anarcopunk de São Paulo, Santos, a ACR (Anarquistas Contra o Racismo). Conheci bandas boas. Conheci o Rui, os caras do Abuso Sonoro, Deadmocracy, Marculino, Sabugo. Nunca tinha visto tanto anarcopunk, uns dois mil no mês, sabe? Aquilo ali foi levando… Aqui o GEA tava perdendo força porque, de certa forma, os caras estavam entrando na universidade e foram vendo que a universidade era um meio de atuação e começaram a colocar que as reuniões tinham que ser lá, que nós, os que não tinha passado no vestibular tinha que ter entrado no vestibular…
Todo mundo tinha que está inserido na estrutura acadêmica para poder fazer a forças… Algumas retóricas idiotas que não vale a pena comentar. Isso não é pertinente só a mim. Eu também não tenho tanta afinidade sobre isso. De repente eu fui morgando. Como eu vi que não tinham mais reuniões fui parando e continuei andando pelo Nordeste na casa desses meus amigos. O Alexandre Calango, de Fortaleza, o Sidney, Valcélio, o Denis. Fortaleza é um polo aqui no Nordeste que recebe muito punk, desde a década de 70.
Quando foi por volta de 2008, mais ou menos… Eu relaxei mais. Fiquei mais em casa. Fui dando continuidade na minha vida. Por volta de… Uns sete anos atrás, eu acho, comecei a ver as pichações punks/anarconpunks aqui em Teresina. E fui entrando atrás de uma galera. Comecei a andar, com quarenta e cinco anos de idade tentando ver…
Tenho vinte anos dessa história dentro do movmento punk/anarquista. Fui na praça do skatista aí tinha um coletivo lá e tinha uma galera denominada anarquista só que o grupo agora era GEAP, não era mais GEA. Quando eu cheguei me deparei com uma realidade totalmente adversa que eu vivencio e presencio dentro do movimento punk. Vi uns caras com denominações street-punk, punk oi[1], “punk isso”, “punk aquilo” e eu não tive afinidade com essa galera, até porque punk não tem nada a ver com “oi”, “street”, punk é luta, uma rebeldia direcionada.
Não adianta você colocar um moicano, fumar maconha, cheirar cocaína, fumar craque, dizer que é rebelde, que você se auto-geriu, fazer malabares no sinal… Mas cada um procura seu rumo. Dependendo do dinheiro pra tomar cachaça, usar drogas. Têm outras maneiras de se inserir.
Aristides, para finalizar eu posso dizer o seguinte: o que eu aprendi nessa parafernália toda foi que os moldes, que nós brasileiros, principalmente os nordestinos vislumbraram dentro do movimento punk é uma coisa meio surreal da própria realidade, mas o que me chamou atenção brutalmente foi a iniciativa de lutar.
Lutar contra o sistema é impossível, mas procurar moldes alternativos para poder desviar dos padrões que o próprio sistema insiste empurrar de goela abaixo. A própria questão da cultura se colocar como “contra cultura”, não que somos “contra a cultura”, somos contra um padrão elitizado e alienador de cultura.
Os aprendizados dentro do GEA foi a melhor coisa que me permiti, mesmo tendo enveredado pelo mundo caótico do álcool, mas eu já vinha bebendo antes, não vou colocar dentro, mas essa dita “liberdade” me aprisionou.
Hoje eu tô liberto desses vícios, só por hoje né? Eu faço uma programação totalmente contrária do que eu fazia antes.
Antes eu não me divertia, eu bebia para dizer que estava feliz e hoje me divirto na sobriedade, na boa. Era careta antes. Hoje sou maluco porque só ando sorrindo e não preciso de álcool ou drogas ilícitas pra achar que devo ou não devo fazer.
Minha vida tá boa.
Minha liberdade e meu questionamento ao sistema é bom… Os estudos que eu fiz aos sábados, lá no colégio com o GEA só me fez fortalecer como ser humano. Pena que os caras pegaram outro rumo. Acharam melhor que dentro da faculdade poderia ser o melhor polo de divulgação disso aí.
Cadê eles?! Estão aonde?!
Hoje são tudo funcionário, mas não estou questionando ninguém. Todos são concursados, pais de família. Cadê aquele punk que eles diziam que iam ser?! Cadê aquela inserção dentro da Universidade?!
Fizeram inserção porra nenhuma! Em lugar nenhum! E o grupo morgou…
Estamos abertos aí meu amigo! Obrigado pela oportunidade.
Força, luta, questionamento, contestação.
É isso que faz um ser humano melhor!
[1] A expressão Oi! nasceu nos anos oitenta a partir do jornalista britânico Garry Bushell para situar o chamado streetpunk, expressão usada na música dos Cockney Rejects “Oi! Oi! Oi!”. A palavra oi! tem o mesmo sentido da saudação oi! em português.A polêmica está que esse gênero possui certainfluência das subculturas hooligan e skinhead, som que circula entre punks e skinheads, mas aí já é outra história…
Ótimos esclarecimentos desse eterno companheiro anacopunk! Um amigo que destruiu os limites de qualquer tipo de política entre nós, um ser humano amigo de verdade!
A Acrobata fica feliz que você curtiu!
O meu nome é francijames Lima da Silva.Eu sou professor de língua portuguesa.desde de 1985 eu venho realizando cultura punk em floriano.Eu gostaria de contribuir com o projeto vozes do punk no Piauí,realizando o meu depoimento escrito na revista.o meu número 89 9 99978024.
Fico satisfeito em poder contribuir com esse e outros trabalhos, a vida é uma gama de inserções e divergências na qual nos fazem melhor compreender a vida, mas é o tempo q se encarrega de mostrar a veracidade dos fatos, srsrsrs