por Aristides Oliveira
Desde quando assisti “O Dilema das Redes” (Netflix) e entrevistei a jornalista Marta Alencar para este site, quis aprender mais sobre as engrenagens que movem e controlam nossas mentes na ordem do dia.
Encontrei “A Era do Capitalismo de Vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder”. O livro foi lançado pela editora Intrínseca em 2020. Gostaria de indicar esta leitura e abrir brechas reflexivas com vocês sobre Quem sabe? Quem decide? Quem decide quem decide?
O meu interesse pelo assunto deu-se pela vontade de me afastar parcialmente do universo das redes sociais, não totalmente, pois o inevitabilismo tecnológico nos obriga a manter-se conectado a vários aplicativos, ou ficaremos à margem do mundo. Quero reencontrar um novo lugar dentro da minha privacidade e compreender os motivos que nos provocam tanto desejo para expor o que ocorre no interior dos nossos lares/vidas.
Gostava de compartilhar discos, livros, fotos da minha filha e encontros com amigos e amigas, mas comecei a questionar: com que propósito? Penso isso porque fiz autocrítica e observei que esse gesto era reflexo do que outras pessoas faziam na mesma proporção. Provavelmente você que está lendo não assumirá para si, mas viver nas redes sociais é como não sentir fome, mas frequentemente abrimos a geladeira, mesmo sabendo que ela está vazia.
Percebi que estava sendo condicionado a participar das relações digitais – que vem ganhando forma desde o mIRC, Orkut, passando pelo Facebook, até chegar no Instagram – numa espécie de “colmeia humana”, que mantém suas vivências a partir da aprovação do Grande Outro, numa busca constante – talvez inconsciente – de aceitação, passividade e torpor psicológico às operações de captura comportamental.
Esses sequestros silenciosos em torno da individualidade foram sistematicamente construídas por empresas que comandam os circuitos que plugam os humanos numa nova forma de capitalismo, que rastreia cada passo que damos, desfazendo as fronteiras entre o público do privado.
Publique suas fotos do passeio no parquinho, do êxito na academia, do casal apaixonado, da criança brincando no jardim, até aí não há problema, mas para onde estas informações vão e quem se apropria delas?
Shoshana Zuboff dedica-se a investigar como nossos corpos e individualidades transformaram-se em dados de predição comportamental compartilhada entre conglomerados capitalistas que lucram a partir do que é exibido para o Grande Outro.
Afinal, o que significa Capitalismo de Vigilância?
A partir da abertura conceitual proposta pela autora, a obra explora os oito tópicos acima e define a nova fase da economia como “sem precedentes” na história. Para ela, o que separa o capitalismo comercial/industrial X vigilância são os objetos de captura.
Enquanto aquele se apropriou (nos séculos XVIII a XX) dos recursos naturais para aumentar a produtividade material/lucro, este se ocupa (século XXI) de sequestrar nossos hábitos, comportamentos e rastros espalhados ao longo da vida on-line, convertendo-os em dados distribuídos para empresas, que compram essas informações para direcionar seus anúncios às nossas plataformas “sociais”.
Tudo que postamos (ou não), clicamos, os termos de “adesão” a serviços pagos ou gratuitos servem como instrumento para o Google, Facebook e qualquer aplicativo instalado nos celulares/computadores terem acesso às informações privadas, que são direcionadas para uma complexa estrutura global voltada ao controle absoluto das nossas vontades. Ou seja, o capitalismo de vigilância é capaz de prever qual será a próxima compra, trajeto ou plano que o indivíduo irá fazer baseado no seu fluxo de atividades na internet.
Somos os meios para os fins dos outros.
A ausência de precedentes nos deixou desarmados e fascinados. No meio-tempo, o Google aprendeu a arte da invasão por declaração, pegando o que queria e chamando de seu. A corporação declarou seus diretos de desviar de nossa consciência, de se apossar de nossa experiência e transformá-la em dados, de reivindicar a propriedade desses dados e das decisões sobre seus usos, de produzir estratégias e táticas que nos mantêm ignorantes de suas práticas, e de insistir sobre as condições da falta de legislação requerida para essas operações (p. 389).
Nosso corpo/mente é o objeto de mercado desta nova forma de exploração de superávit, encontrando espaço para acomodar seus tentáculos no neoliberalismo pós-democrático, lugar onde as leis e o “Estado democrático de direito” não possuem uma legislação forte que impeça o avanço desta tirania, com capilaridade e alto nível de convencimento social: há uma interminável cascata retórica sedutora destinada a persuadir as pessoas das maravilhas associadas às inovações capitalistas (p. 391)
Afinal, quem irá contestar a autoridade dos “gênios” do universo computacional, já que eles conseguem enxergar mais longe que o restante de nós? (p. 391) Quem é este resenhista diante da obra de Mark Zuckerberg e Sundar Pichai?
O status que os CEOs destas empresas ocupam ao longo dos seus empreendimentos os tornam tão respeitados (ou temidos) que o Estado, em vez de garantir a segurança da democracia com leis reguladoras, se misturam aos programas de vigilância e justificam suas práticas, através de um fisiologismo que põe em risco a democracia e o direito à privacidade e até mesmo ao próprio direito pelo esquecimento.
Indico esta obra para todos/todas que sentem necessidade de conhecer os novos mecanismos que fundam o sistema capitalista do século XXI e os riscos que estamos correndo ao negligenciar o debate sobre o futuro da democracia nesse contexto que está cegando nossa capacidade indignação diante do que estão tirando de nós: a privacidade enquanto santuário.
O que está em jogo aqui é a expectativa humana de soberania sobre a própria vida e a autoria da própria existência de cada um. O que está em jogo é a experiência interior a partir da qual formamos a vontade de ter vontade e os espaços públicos para atuar conforme essa vontade. (p. 585)
Precisamos saber o que se passa por trás dos textos-sombra utilizados a partir do primeiro-texto que disponibilizamos nas redes sociais, contas bancárias e aplicativos. Não é uma simples foto, áudio ou texto, são filtros que roubam nossa individualidade e é vendida para definir os próximos planos dos capitalistas: os ciclos de despossessão estão a pleno vapor.
“A Era do Capitalismo de Vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder” é um livro fundamental para refletir sobre o fim gradual da nossa liberdade e o descaso pela busca por um futuro digital humanizado.
Estamos tão imersos nos celulares, tablets e esperando os likes do Instagram, ou na repercussão do texto lacrador com dezenas de curtidas no Facebook, que é provável que a obra de Shoshana Zuboff seja lida com atenção somente pelos nossos(as) filhos(as) ou netos(as), no qual se perguntarão: como a geração anterior deixou tudo isso acontecer?
Crédito imagem Shoshana Zuboff: New York – Intelligencer.
Excelente debate!