Por Henrique Douglas
Passando bem longe de peça de propaganda, “Anna dos 6 ao 18″(1994) é um estudo histórico eficaz, além de cinema de primeira ordem.
A história consiste em 5 perguntas feitas durante 13 anos para Anna do título – filha do diretor – diante das mudanças urgentes da URSS que acompanham mudanças geopolíticas e o esfacelamento da potência soviética.
O elemento narrativo já dá um “pega, desprevenido” em quem achava que o sensacional “Boyhood”(2014… e põe sensacional nisso!) foi pioneiro em filmar uma bela história em mais de uma década e acompanhar o desenvolvimento de seus personagens.
Em segundo lugar, a jornada do diretor mostra o quanto é importante entender, estar atento e apontar os fatos e acontecimentos para obter a dignidade da liberdade. E se feito com a típica poesia do cinema, a lição é catártica.
Fora tudo isso, o mergulho na sociedade soviética é intenso e não há como desprezar o gerador de influencias motivadas naquele país. Observo que se entregar ao discurso polarizador, maniqueísta e limítrofe da discussão é só ser mais um da fila da desonestidade analítica.
A grandeza, o pessimismo, a crueldade, a poesia, a inevitabilidade e um senso histórico comprometido estão todos presentes nessa obra prima cinematográfica.
Penso que duas cenas de impacto traduzem a nação que foi a Rússia, e em grande medida continua sendo: 1) o desprezo pelo então enfraquecido e golpeado Gorbachev no momento da assinatura da renúncia, em um ato cirúrgico de comitiva e assessores de não colocar chá em sua xícara na mesa de despacho. 2) o discurso de Boris Yeltsin com seguranças segurando ao seu redor, placas de proteção contra tiros.
Por fim, o olhar analítico do diretor impiedosamente se manifesta na doçura amarga de uma sentença inconteste: “Perdemos o respeito pela vida e pela morte. Transformamos a vida em um seriado de TV, a morte em um jogo de computador e a aquisição em destruição”.
Dias atrás, vi que um ministro declarou que “um socialista se faz em cinco minutos”. Compreendo que o mundo também é feito de bravatas e hipérboles, principalmente nesse mundo em que quem grita mais alto parece ter razão (Santa ignorância, Batman!).
Crie sua própria bravata, mas antes veja o filme. Esse tesouro histórico está no Youtube com legendas em português.
Então aí vai minha bravata, munida de feições mais pragmáticas e menos ideológicas, de como se constrói um homem, seja ele socialista ou liberal:
“Alguns vem da esquerda e outros da direita, mas os extremos sempre se encontram em alguns pontos. A crueldade não se importa em fazer contabilidade do mal, ela só deixa os cadáveres para contagem. Portanto, o ‘Chicago boy’ da era Pinochet esquece de observar que o entendimento das forças da sociedade é que pode trazer o equilíbrio da existência”. (HD)
Assista: