“22 e depois” / Projeto Realizado em Comemoração do Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922.

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“22 e depois” é um vídeo-poesia que busca a contemplação e a escuta sensível do público, sobretudo pelo contraste entre o escalonamento lento das colagens e o ritmo intenso dos versos dos dois poemas que celebram a Semana de Arte Moderna de 1922, todos criação de Lia Testa. Lemuel Gandara montou o filme com um aspecto editorial que retoma a “Klaxon” (1922 e 1923) e a “Revista de Antropofagia” (1928-1929) – ambas vinculadas ao grupo de artistas modernistas -, isso está evidente na conjugação entre texto, música e colagens em que as críticas sociais escritas e imagéticas de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade são retomados em corpo fílmico. Além disso, a seleção de cores dos dois atos, verde e vermelho (em uma tonalidade quase marrom), nos chama para pensar o Brasil profundo longe do azul litorâneo.


p/ tarsila verde-amaral,
e depois de 22!?

o verde tarsila ia lá
no brasil verde amaral
vento verde versa
verte antropofagias
o verde oswald
o oliva o green grama
ganas de modernismo
o pau-sem-pau do pau-brasil
os brasis verdes vidas via o
macunaíma verde num
à vontade às brasilidades
que longe verde verde fica perto
o dia que a cobra fumou verde
o rabo do tatu a taturana verde
fauna antropofágica a magia o nó
do ramo pende verde no verde
cordão da liberdade liberdade livre
abra as asas sobre o verde viva o
grão de mostarda verde a lavadeira
no rio de água verde o capim verde
o bambuzal assovia o verde curupira
que puxa a maritaca verde na terra
de mário quem fica verde é o poeta
que risco verde nas amazônias que riso
amarelo da muiraquitã patuá bangalô
verde palha casa verde – quem viver verá
o verde na terra que tem bananas verdes
amarelo fome na fartura verde no rico chão
cabelo verde tem a mulher a estudante
a índia a caboclinha a imigrante o gesto da mão
que pinta afetividades páthos-brasis energia vital
o verde que engole o homem amarelo o japonês
a intensidade verde ramos folhas pedras frutos
os corpos todos verdes e o sertão seco e verde & as
técnicas do corpo que língua grande verde na taipa &
no arado arranha céu no cinza areal que mata verde
a peça de roupa verde que conservas no teu armário
convida a tocar e a cantar as bachianas brasileiras nº 5
de villa-verde-lobos grita à natureza o paradoxo-brasil
ri e chora verde o passarinho verde desperto cruel e lindo
o traço o pedaço da pintura que desdobra o verde óhhhhhhh
alma verde verde – e a vida verde natura – é madura é verde
ver o verde crescer morrer verde ser o amarelo sem deixar de ser o verde
[o verde-tarsila]

[final opcional] para cantar entoar performar:

ahhhhh óhhhhh éééééé ihhhhh o verde verde que se perde no verde & tudo fica sempre & para sempre sem pressa & para sempre ritmo verso verde-modernista verde-22-modernista canto canto no ar, no vento, no verde, no ar, no ar, no vento-verde-22, a gira na boca modernista o verde a girar verde verde ahhhhhh éééééééhhhhh éverde-22 no ar, no ar, no ar, a girar, a girar, a girar, no ar verde a girar verde-vento-modernista-22 no ar, a girar, no ar a girar 22 22 22 22 vinte-e-dooois

Colagens de Lia testa – parte do projeto “22 e depois”.

p/ mário-formiga-fogo,
e depois de 22!?

“espinho que pinica, de pequeno já traz ponta”
Mário de Andrade

o filho do filho da noite e do medo
o medo do filho do pai da noite do
filho era gente gente era silêncio fala
o filho escuta o pai do pai do filho e
vai pela mata densa na noite escura e
murmura e corre e adensa o corpin
e cutuca todacoisa e todaagente é é é
uma coisa boa demais o riso de dentro e
de fora e a dança na mata aos emboléus
brasis que preto dança e branco dança e
pulapulavam no fogaréu vixi que safadins
roda a umbigada a cinturin a gargalhada a
pernasolta o frouxin baixo da saia-ventre
vento curupira aipim os peixes cheiro bom
não espanta a cabeça, Mário é formiga-fogo
quenquém tem sementeplanta uma saúva
de cabeça decepada palavras que pinicam
a maloca da boca e na pajelança que lança
tudo vira festim fica aguardente e fumo e
tudo fica uivo em meio as pedras e as
verdes-matas e o ocre da terra-mãe e o
gigante que mastiga raízes amarelas e as
faceiras flores regadas aos beiços encar-
nados no manto azul na água azul do cipó
que reina dia e noite e tudo diverte a grota
a goela o gozo da gente, então todagente
essa gentadatoda primeira vez nos matos
bicho um dia essagentama mundãobrasis
pega no ganzá segurando firma cai não cai
canta os sapos ralham os grilosbrasileirins
bem-me-quere e mal-me-quere vai ser assim
té quando? um pino de sol uma cabaça cheia-vazia, ahh
só reza arma jeito aqui tudo cafundó e o judas Brasil
desaparece vagamundo gente grande e pequenina
que menino-home que menina-muié o passado o
presente, qual futuro? Que quizila braba que preguiça
tem heroica tem tadoagente uma gamela vazia-cheia
a barriga cheia-vazia, para uns o sol, para outros nada,
para que tantos mandachuvas? Yes! Yes!! No! No!!!!!
marimbondos nos mandacarus que os espinhos esbugalham
as gentes as terras as matas e as pedras choram as perdas
dasgentesofridas e os lamentos tantos epitáfios:
̶ tem tristes gentesaí !? tem tanta coisa feia aqui
Mas, a raiz da samaúma é forte é cautelosa
tem léguas de altura e sombras vastas e os
galhos abrigos acosta o peito seco faz uma
uma copada de esperança até o sangue correr
nas veias e nas mães-do-mato e nas florestas
o sossego a rede a felicidade o cheiro bom do
peixe moqueado o suor o calor inda que pinga
arvora os corpos inventa novas artes de estar
dias meses anos de umbigo e pé crescente
lua cheia os olhos despertos matutando como se livrar
de agouros e de varejeiras fascistas ahhh, a vida só vale livre
a vida, a Sol, à força da perna tal-qualmente faz o tempo
longe do medo, dizer: Basta! Outravez: Basta!! Outravez: Basta!! c’est vrai
quem pegou os guizos do rabo do tatu, menos mal menos mal menos mal
a vista do sambaqui o som da concha lírica e um mar todo de sonhar de
lembrar de esquecer, que há assi um brasi, que há assado um brasado
quem abra as alas? quem passa passa quem pensa que pensa que pressa
muito cedo se descarrila…. ó nosso ó teu ó meu
xexéus que ajuntem o fio da história para poder-se-ir,
já que ninguém sabe ninguém viu, inda que antes
no que vai dar depois de 22!? Edepois!? Principia
cada vez mais abrir a boca, a voz, a bulha, o tatalar…
fincar a força do talismã verde, rumar na margem
da estrela do sertão do sol do norte do sul sudeste oeste-
centrin e de toda terrama… que é muitaaa êÊÊêÊh,
estranhas entranhas estradas no brasil de dentro e nos grotões
tupã dai-nos pão mandioca todo dia nossa mãe dai-nos
a sorte os mistérios sarapantadas as lutas degentes Ogoró, Agorá,
abra o olho-verde que passo temporã ninguém espera asgentes e o
randevu-brasil oito ou oitenta quem viver verá um olho no rés do chão
e o outro na planta brasilis-que-ninguém-pode, pode? um corre-corre,
um pega-pega, um lufa-lufa, um tal de morde-e-assopra… Uhmmm que verdor alargando tudo
uma desvairada pauliceia tupy or not tupy that is the guaçu guaçu
meu queixo caído que mexe-mexe que xique-xique avante avante avante quem vai?
será que os males “POUCA SAÚDE E MUITA SAÚVA…” desinfeliz buraco, puxavante
tristinhos e feros, conturbados [ou quase] tudo nos deve deve reaver a riqueza a
terra o elo dos primeiros habitantes que o vil metal da má sorte e da má fortuna engoliu
um olho do gato tá no peixe o outro na amazônia (peixes já quase não têm mais, mercúrio)
envenenados, oh céus! oh dias! oh vida! oh azar! que eles comem toda nossa terra
sã moral quem há de ter? artérias abertas afeitas agruras afeitas amanhã lascaram-se
todas, que outro dia? Depois de 22? Edepois? Ésempre brasi, o pedaço do brasil a carne
a farinha o pão e amanhã? Depois de22? É banana é mandioca é biju é cozinha é boniteza
é a geografia a população pobre o ancestral povo o sabor da terra o saber das línguas o vasto campo-céu sobre nossas cabeças corações-cheios corações-de-vivas são as formiguaiadas remexendo e mexendo e misturando todaagente coisa boa tem cá coisa feia tem cá e fica tudo
misturando e remexendo e mexendo e gentaradatoda misturando e mexendo e remexendo &

Colagens de Lia testa – parte do projeto “22 e depois”.

QUEM ME DERA, MÁRIO, AMAR TODO VERBO INTRANSITIVO, AMAR

amar, verbo intraduzível
coração intransitivo ecosilêncio

amar, verbo-palavra tal-e-qual
registro quiçá sincero [insincero] desvario

amar, verso (im)pacientar e
nada de ciência razão vela de idílio

amar, verbar o disfarce do peito cego (ego)
ninguém infelicita o espinho o eco a eco sola

amar, verbo espantar uma aritmética inexata
de já hoje ontem hora acaba só amar só

amar, verbo de morar palavrinha curta
com memória bruta soa bem soa mal

amar, verbo cru agitador de sangue-quente
que diabos amar amar amar amar

& não ser verboamada(o), amor,
é pena, é dor. Não é? É? nãoé?

2 comentários em ““22 e depois” / Projeto Realizado em Comemoração do Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922.”

  1. Oi, Ana! Tudo bem!! Somente hoje vi seu comentário, mas fiquei emocionada. Gratidão pela apreciação e por te sido afetada por este trabalho. Obrigada, querida. Venha visitar meu perfil de produções artísticas no Instagram: @liatesta_colagista e página do lemuel gandara filmes.

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