BZZ – Um Conto de Luiz Renato de Souza Pinto

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Luiz Renato de Souza Pinto, graduado em Letras-Literatura (UFMT), atua na docência desde 1998; Mestrado em História (UFMT) e o Doutorado em Letras (UNESP). Atualmente trabalha com Ensino Médio e Superior (Graduação e Pós-Graduação) no IFMT. Desenvolve oficinas de Escrita Criativa (em verso e prosa); Poesia e Filosofia; Letra e Imagem; Narrativas Curtas; Estruturas de Romance; Literatura e Outras Artes. Possui três romances publicados: Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Xibio (2018), Cardápio Poético (1993) e Gênero, Número, Graal (2017) livros de poemas. Autor também de Duplo Sentido (contos e crônicas), e mais dois no prelo (pequenas narrativas), a exemplo de A filha da Outra (2020), o mais recente.


BZZ

Senhoras e senhores, estamos aqui mais uma vez pra transmitir uma peleja sensacional. As duas equipes ainda estão no vestiário e o estádio está completamente tomado. Os surrealistas vão a campo prontos para da dar tudo neste encontro, que não é amistoso. Com muito desencanto pela burguesia e sua cultura hipócrita, vão sair jogando com a seguinte escalação: Tzara – Reverdia, Picabia, Ernst e Man Ray; Duchamp – Breton – Arp e Aragon: Soupault e Elluard. O técnico é Apollinaire; supervisor: Vachè; preparador físico: Rimbaud; Massagista: Valéry. A comissão de apoio técnico é composta por Freud, Baudelaire e Poe. O banco de reservas é composto por Crevel, Desnos, Vitrac, Artaud, Masson, Miró, Tangy, Naville e Pèret, os três últimos sem contrato. Entram em campo de maneira escandalosa. Todos estão com pés de pato, ao invés de chuteiras.

O Reacionários Futebol Club também já está escalado: no gol, Nixon; a defesa será formada por Maluf, Getúlio Vargas, Filinto Muller e Papa; armando as jogadas pelo meio, teremos Mussolini, Reagan, Comte e Eisenhower; Hitler e Stalin na linha de frente. O técnico é Anatole France; preparador físico, Churchill. O massagista é Dom Pedro I; não há reservas no time. O árbitro da partida será o já conhecido e afamado Monteiro Lobato – suspeito para os surrealistas – e será auxiliado por Lech Walessa (bandeira vermelha) e Kolmeini (bandeira amarela).

E começa a partida; vamos perguntar a Apollinaire quais são as suas primeiras instruções.

– As minhas ordens foram para que eles “derrotem Deus, a pátria, a família e recriem o homem”.

A bola está com Breton que organiza as jogadas pelo meio; lança Aragon na direita que passa para Soulpault; este tenta ligar a Elluard, mas Maluf faz o corte de verba, invoca a presença do xerife Filinto Muller, que desfere uma bolada contra os surrealistas, verdadeira bomba, passa muito perto da meta guarnecida por Tzara; este leva uma bronca do capitão Breton. Reverdia chama Duchamp, que dá um lindo passe, uma verdadeira pintura, pra Elluard, que invade a área, não dá nem bola para Eisenhower, para desespero do técnico France, que vê aos poucos cair a sua meta em gooooool dos surrealistas. Uma linda jogada de Duchamp que eu ainda cantei: verdadeira pintura e um a zero surreal; Tzara vibra e grita aos colegas:

– Chega de imperialistas, anarquistas, bolcheviques e democratas: vamos é arregaçar com eles -; e foi sem dúvida uma escrita automática. Anatole não quer dar entrevistas e Apollinaire comenta que se a vitória acontecer será porque seu time está sabendo explorar terrenos inexplorados sistematicamente, como o inconsciente, o maravilhoso, o sonho e a loucura. No banco, Desnos afirma que a mediunidade e o sono hipnótico são as grandes armas dos surrealistas para esta peleja. Reinício do jogo: Comte para Stalin, que se disfarça de extrema esquerda para penetrar na massa; este vira o jogo para Hitler na extrema direita, que atrasa para Mussolini; é pressionado por Breton e seus companheiros e perde a calma. Priiii! Apita o juiz, dando risadinhas. Falta perigosa a favor do Surreal F. Na barreira, Eisenhower, Maluf, Hitler e Papa. Breton prepara-se para a cobrança, enche o pé na cara do Papa, que tenta se desviar, mas não consegue; cai como um cadáver e a bola vai em direção ao gol; Nixon tenta segurar a Watergate, mas não consegue: gooooooooooollll E o juiz apita, encerrando o primeiro tempo. Vamos ouvir o técnico surrealista:

– Acho que a equipe teve um desempenho bom. Tenho a certeza de que, tendo a psicanálise como teoria e o automatismo psíquico como método, conseguiremos realizar a busca da realidade absoluta e venceremos. A moral, a religião e a família são como uma camisa de força. Nós conseguiremos vencê-las a qualquer preço.

Vamos tentar falar com o Breton; Breton, chega aqui: diz para nós como você está sentindo a batalha.

– Eu acho que a violência imposta pelo comunismo soviético através do falso ponta Stalin baseia-se em uma nova religião. O racionalismo mais brutal que já vi: impede o voo poético sobre a área e reprime a inquietação do espírito. É preciso que o mistério continue alimentando a farsa das religiões com explicações metafísicas e receituários morais. Viva o fascínio pelo passional. Vivemos a fase da razão do movimento, e quanto à prática política, é a libertação do espírito que temos que buscar. Modelos interiores; nosso dogma único é a revolta absoluta e a insubmissão total. A sabotagem em regra. Continuaremos utilizando os vasos comunicantes – o sonho e a realidade diurna em um só objetivo: volto a me aproxima da utopia anarquista e rompo agora com Tzara.

Taí; falou o Breton, meio nervoso. E tudo pronto para o segundo tempo. Nos surrealistas, sai Soupault e entra Miró, saindo também Tzara entrando Crevel. Os reaça fecham o cerco; Reagan invade o campo adversário, passa por Miró, derruba Aragon, passa por Elluard, finta Duchamp, mas Picabia rouba-lhe a pelota, liga rapidamente o contra-ataque com Arp, este liga Elluard para Aragon, que pisa na bola; Breton se irrita muito; pede ao técnico que o substitua. Elluard não acha justo e Apollinaire tira os dois. Tangy e Prévert entram; sai ainda Man Ray entrando Masson, mesmo sem contrato. O técnico recua Miró, Prévert e Arp; Tangy cruza para Breton, que cospe na cara de Eisenhower, vai em direção ao gol, mas é interceptado por Maluf, que liga Filinto Muller, este para Getúlio, que rola para Stalin, este vai firme em frente, dribla Crevel mas chuta forooooora! Que sufoco para os surrealistas; Stalin caído: Lech Walessa levanta a bandeira e vai prestar solidariedade ao companheiro – digo – amigo machucado. Dom Pedro I rapidamente faz um grito do Ipiranga, avisando ao técnico que tem condições de jogo. Comte é o mais positivista do time e ainda acredita na reação. Eisenhower assume a pelota, vai para cima da marcação de Breton, mas não consegue; derruba-o, e Monteiro Lobato, que se preocupava com as memórias de Emília, nada viu. Hitler recebe o lançamento, mas Kolmeini já levantava a bandeira. Churchill discute com Rimbaud fora de campo; o primeiro o mandar ir atrás de Verlaine para… o juiz manda prosseguir a partida nas reinações de Narizinho; Valéry lasca um poema em cima de Churchill que se aquieta: Vachè vibra com o resultado; Picabia cobra o impedimento para Crevel, o goleiro não tem pressa e chama Breton. Mussolini em cima dele, mas Breton dá um chapéu; Reagan para pra aplaudir levando por baixo das pernas; Breton invade a área, vai marcar, olha lá: é penalidade máxima!

Nixon reclama, mas nada feito. Duchamp e Miró na marca. Lobato apita: Duchamp partiu na traaave! O rebote fica com GV que liga a Maluf, este manda à frente, Eisenhower pega a esfera, liga Stalin que é derrubado por Prévert na entrada da área. Comte não se conteve e chuta fooora!

Priiii! Final de jogo; termina a partida no Sítio do Picapau Amarelo. Surrealistas 2 a zero nos Reacionários. Vamos novamente entrevistar o Breton, o grande cabeça da equipe. Breton, foi um sonho está vitória?

– O sonho é somente a recarga do desejo!

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