10 Poemas de Adriano Wintter

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Adriano Wintter (1971), poeta e tradutor, nasceu e reside em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Traduzido ao inglês, espanhol e catalão, tem poemas publicados em revistas internacionais e nacionais. É autor de Suma Lúcida / Poesia Reunida (1991-2022), editora Patuá (2023), que pode ser adquirida no link:  https://www.editorapatua.com.br/suma-lucida-de-adriano-wintter/p


casta

procuro
pérolas
aqui

(pérola:
lira
de Anfíon — fogo
possível)

procuro um cofre
solar: urna
de música onde
as uvas da beleza
mergulham
seu açúcar difícil

procuro
uma forma
de fazer a língua
do Lácio puxar
toda a força
do cosmo
como um ímã
que depois
explode

porque a soberba
do sonho
roubou do céu
a sua hipérbole

e tenta
abrir na letra
a substância
da palavra:
paz

macerando
macerando
macerando clave
por clave

num trabalho
que une
(prima função
da harpa)
nosso ser ao Sumo

(A Busca da Luz / 1991-1992)


jornada

a explosão regressiva na revolta
carência: saudade no cansaço

vidas no meio da montanha
brigando com o sol

na fuga das grutas
drogadas: ancestrais

feras entristecidas
crianças em busca do abraço

Amor é a voz que sussurra: «vem»

(Luz Léxica / 1993-1995)



pugnaz

cabeça do sol
cabeça do símbolo
cabeça do amor e da morte
cabeça da ausência e do medo

cabeça do sáfaro
pacto com a dor
e seus árduos
leões

cabeça do nada
que tu guilhotinas
passo a passo
com teu sim

cabeça do luto rolando
sobre as cinzas
dos rios intercisos
e selvas da união

tu
tens ódio do sol
nojo do fogo
e te inclinas ao caos

carregas
um grosso grilhão
e afirmas
no escuro do mundo
com as mãos:

minha existência
não foi mais
que a pantomima
de um menino mudo
tentando o grito

(Luz Léxica / 1993-1995)



1

a polimusa hiperbela
mistério que artencerra
sempresente sempretérita

dimanasce e descendela
fogoceano e revela
excelsolo e celesterra

polimusa metafísica
floremite nualogias
defluentes: flamultífluas

vatescreve e élainspira
a belezaeros lírica
que transincende a poesia

(Polimusa / 2010)



Hidra

I

a dor
(aquoso
soco)
estronda
contra
o esforço

II

o esforço:
teimoso
molhe
a esmigalhar
todos os ossos
do mar

III

o mar:
minha
história

(Porto Alegre Desolada / 2011)


cultura

a.

a linguagem lógica do poema
a arte — a forma — a beleza
não param o vórtice estridente
do caos e da morte e do tempo
na carne e ao redor dos elementos

o poema é apenas uma pausa
um átimo: um lapso da ordem
nesse turbilhão interminável
que a todos ataca e destroça

a lei — a norma — o método
a luz minuciosa da técnica
são só uma brecha aberta
na louca espiral hermética

b.

o poema é um lúcido alento
um alívio: um momento
de respiro no ar consciente
que o verso revela ou inventa
sob a efêmera fenda do texto

onde se agarra a mente
até voltar novamente
ao medo e ao movimento
da treva que o verbo tenta
desvanecer ou conter

o auge da luz é o silêncio

(Clara Mimese / 2012)


manual

  1. as coisas são cavas
    não ponha ouro
    em sua concha
  2. as coisas são ápteras
    não crie voos
    nem cantos
  3. as coisas são escuras
    não insira
    artifícios
  4. as coisas são agudas
    podem abrir
    feridas
  5. as coisas são secas
    não irrigue
    com lágrimas
  6. as coisas são frágeis
    vire pelo avesso
    ou para o alto
  7. as coisas são fátuas
    vide o prazo
    de validade
  8. as coisas são tóxicas
    cuidado: perigo
    ao toque
  9. as coisas são ídolos
    não adore
    não adore

(O Plectro & as Horas / 2014)



quando o delfim do eu-te-amo é arpoado pela perda — resta:

a experiência (quase sacra) do sexo — a extinção
do sol nos símbolos — o fim dos promontórios
no mar subjetivo — a solidão decuplicada
velhos postais do paraíso — o sinistro
sentido da perda — a mitologia das
datas — saudades siamesas — e
o (trágico) pensamento óbvio:

nunca houve
amor

(Ágrafo / 2015)


o fim da paralisia

um cavalo atravessa o eu-te-amo

para — empina as patas machucadas
e some no sangue — incandescendo

escutas
o fraturar das talas
ser adentro

(Ágrafo / 2015)



divícia

diria áurea
tua presença
ou dourada
toda
a realidade
que te cerca

com safiras
difíceis
de felicidade
e os grandes diamantes
da comunhão

diria
que és cofre
ou donário
escrínio
com colares de calores
e as joias do afeto

mas pobre
é o parâmetro
(quilate/cifra)

e pífia a lira
(verso/rima)
para dizer minha fortuna

que só o amor
— ábaco de brilhos —
mensura

(Sob o Baque do Belo / 2017-2021)

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