3 Poemas de André Merez

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André Merez nasceu na capital paulista em 1973, iniciou como letrista e contrabaixista das bandas Cathedral e Siso Símio nas décadas de 80 e 90, cursou Letras e fez pós-graduação em Língua Portuguesa na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Na graduação realizou pesquisa sobre o discurso do poder na obra de Plínio Marcos e na pós defendeu tese sobre as relações entre o processo inferencial e as questões de interpretação de texto na verificação de aproveitamento de leitura. Leciona Teoria da Literatura e Gramática há mais de 15 anos e desenvolve pesquisas sobre música, artes plásticas e poesia. É autor do livro Vez do Inverso (Editora Patuá) 2017 e mais dois livros em processo de edição: Perfeição Acidental (2019) e Poesia Necessária (2020). É editor da Revista POESIA AVULSA e já teve seus poemas publicados em diversas revistas de poesia e suplementos literários no Brasil e em Portugal, entre eles Mallarmargens, Gueto, Poesia Primata, Germina, Ruído Manifesto e Diversos Afins.


Pé de Angico

aqui
no trópico
tem é tudo
:
tem angico
e absurdos

tem pastores
bem nutridos
(tomando sol em Moreré)

– aleluia, traz mais uma aí!

e fé não falta,
na falta de peroba,
tem o pé de angico.


Outro Poeta

O poeta sempre é outro
não esse que se propõe.
Não essa fissura aberta
no intermeio do verso,
não esse suposto vago.

O poeta é outro, sempre outro.

À parte da teogonia de Hesíodo,
só essa camada de fibras e folhas,
só um ser assim sem as premissas,
o poeta não é esse suposto e visto.

O poeta é outro, sempre novo.

É sempre esboço, tem de ser,
sempre garatuja que se mostra,
busca que se deixa exposta,
desencontro, aniquilamento.

O poeta não é todo sentimento,
às vezes ele é régua e compasso,
às vezes é aço, ferro e cimento,
pátio vazio, concreto em branco.

O poeta é outro, sempre torto.

Viés de caminho, voz de dentro,
oblíquo, adunco, gauche, penso.
A dissidência, a vida mundo, vida
poesia nos pedaços desse tempo.


Visita

Visito o poema do Drummond;
bato à porta com paciência e
espero.

Bato novamente, agora com mais força.
O silêncio do outro lado insiste. Eu não.

Dou as costas e me preparo para fazer
o mesmo com o livro. A Rosa do Povo.

Mas

ouço um trinco correr,
o baque seco da janela,
os passos leves de um mineiro
incomodado em pleno sossego.

Receio. Quero correr da soleira.

Não interessa mais a porta aberta,
mas ela se abre e avisto um áporo
transmutado em orquídea formada.

[Após a leitura do poema “Áporo” de Carlos Drummond de Andrade]

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