André Guilherme, 27 anos. |Santo Antônio da Platina/PR|. Poeta. Formado em Letras pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), cursando Especialização em Humanidades, na mesma instituição. Segundo colocado no Prêmio Sarau Brasil 2017, com o poema Omar. Também conta com alguns poemas publicados na Revista Subversa, de 2016 pra cá, além de uma publicação na Revista Quatetê. Posta seus poemas (sem uma frequência muito constante) na página http://www.facebook.com/daquela.voz
“É preciso aprender a nascer todo dia” – Chacal
dou a volta na estante
estanco e encaro o dicionário
são letras tão distantes
desaprendi o abecedário
palavras portas janelas
algumas frestas por onde entro
deito durmo faço festa
em frases plenas de encantamento
essa ilusão de se unir versos
e achar que o mundo para
o mundo é pau é pedra
é bomba que explode na cara
verbetes fatiam feito facas
feitas de vento e farpas
perfuram a carne dura e duram
a eternidade de uma vida
me distancio das palavras
da estante
o que resta é a lida
essa labuta frenética
e minha veia poética
cada vez mais hesitante
como dar conta de tanto?
se o pranto me trava a garganta
se canto dois três tons abaixo
se quando procuro não acho
nenhum milagre ou alternativa
nada que mantenha a tal esperança viva?
como escolher palavras de conforto
pra família de um morto a bala
como respirar fundo e escrever
quando a dor do mundo te abala
e tentar crer
em vão é óbvio
na existência do amanhã?
um tal lugar em que tudo cessa
sossego é só nos salmos
que cá pra nós
a vida é foda a beça
***
a falta de palavras denuncia
o sufocamento de todo santo dia
garganta que coça mas retém o grito
grito transbordando olhos afora
olhos adentro é a tristeza
bailando sobre um fundo de esperança
são as marcas na alma de quem dorme faminto
de sonho, amor e comida
de qualquer resto, qualquer coisa, qualquer vida
a atenção que presta à chama da vela
que dança e gira como nos balés da gringa
expostos nas tevês daquela loja da esquina
hipnotizado pela lembrança e marejado pelo sono
apaga a vela e flash
um feixe de luz dança
a um palmo de seu nariz
adormece mas não sonha
que hoje já não dá mais tempo
pra imaginar ser feliz
PEQUENAS ELUCUBRAÇÕES SOBRE A MORTE
sistematicamente
a morte minará
as diferenças
mas até lá
frequentemente
cairá mais sobre
certas cabeças
algumas mortes
são destinadas
exclusivamente
às populações
faveladas
ao povo preto
que sobrevive
sem apoio algum
e tenta se apoiar
um no outro
ao povo pobre
que sofre
e carrega no lombo
as marcas das garras
do ceifeiro que lhes ronda
e que pode estar escondido
na próxima esquina
na próxima ronda
há algo de errado
na primeira estrofe
há algo enganoso
perigoso
a morte não mina
diferença alguma
ela acentua
é diferente morrer
no conforto de uma cama
do hospital Albert Einstein
e morrer com 80 tiros do exército
na frente da família
em plena luz do dia
no meio da rua
***
peguei-me outro dia a refletir
cores intensas e vibrantes
fundiam-se ao preto branco e cinza
com que a vida me brindava
naquela noite
a primeira vez que o vi
numa noite como essa
senti como se
um vazio enorme
se criasse em mim
para logo em seguida se encher
do sorriso dele
um drink um café um beijo
assim foram as noites seguintes
e além do beijo um brilho mágico
do seu corpo nu contra o meu
em movimentos que imitavam
a ciranda frenética dos astros
tudo que vem
vai
mas ele ficou
e mesmo hoje
quando parece que o mundo cairá
e esmagará tudo que sou
ele vem e sorri
e volto a me encher
(como tantas vezes)
do sorriso dele
Esse menino é muito bom, sou fã incondicional.
É incrível a intensidade que as poesias do meu poeta André Guilherme produzem em mim. Amooooo.