André Ricardo Aguiar, nasceu em Itabaiana, Paraíba, em 1969. Publicou, entre outros, os livros de poemas A Flor em Construção (Ed. Ideia, 1992) e Alvenaria (Ed. Universitária/UFPB, 1997) e A Idade das Chuvas (Ed. Patuá, 2012). É membro-fundador do Clube do Conto da Paraíba e coordenador de projetos de incentivo à leitura.
A Idade das Chuvas
Quando era infância
tive o meu caderno de chuvas:
algumas rasuradas, outras
fiéis cópias dos deveres do céu.
Quando era infância,
minhas chuvas eram as águas
do que poderiam ter sido:
fruto de rios bem cursados.
Mas herdei a chuva ancestral
que põe umidade na alma
e passa o ano a acarinhar
a palidez das poças de lama.
E é a mesma água que ainda sonha
os grandes oceanos.
Construção da Chuva
Não me desfiz
nem dos pergaminhos
nem dos fantasmas.
A assombrada leveza
dos morcegos e a noite
roendo minhas insônias,
os parágrafos noturnos
da chuva a escrever o telhado
(finíssimo casulo),
enquanto o mundo lá fora
sempre às vésperas
de ser novamente lido
era a cópia eterna
dos dias já findos.
Colheita
A casa
amadurecida
sem frutos
o sumo dos quartos
e corredores
na mornidão dos dias
(casa espremida
entre parênteses
e parentes)
rentes
na fila ferida
do tempo
repetida
enriquecida
no eco dos vizinhos
a casa parida
e seus soalhos de lua
malcriados
refletidos
no lustro da sala
dos anos
que a casa consome
como que ressentida
de fome
e seus habitantes
mobiliados
em velho exílio
tolhidos de usufruto:
pomar de rotas.
Ode ao café
A xícara sobre
vive no por
do sol negro
e fumegante.
Lentamente
de um lago
germina
flor metálica
que colho
do pólen
dos dedos,
(às voltas
com as margens
de porcelana
chinesa)
que a gira
faz um tempo
coando em mim
uma espera
de gole
profundo
do café.