4 Poemas de Edner Morelli

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Edner Morelli (1978), Poeta e Professor, natural de São Paulo. Formado em Letras (UniFAI – 2003). Especialista em Língua e Literatura (Universidade Metodista – SBC – 2006). Mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC – SP – 2009), apresentou sua Dissertação sobre Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, unindo perspectivas literárias e filosóficas. Atua no magistério superior desde 2005. Possui publicado cinco livros de Poemas, a saber: Latência – Atemporal Editora – 2002. Hiato – Musa Rara/Terracota – 2012. Cenário – Kazuá – 2017. Líquido – Penalux – 2020. Cenas Nuas, em parceria com a fotógrafa Karol Dalecio – Kotter – 2022. Foi convidado pelo professor, poeta e crítico, Antônio Vicente de Pietroforte para participar do projeto de Escrita Criativa da USP, sendo convidado como Doutorando. Possui diversos artigos e resenhas publicados nos mais importantes portais e revistas de Literatura pelo Brasil.

Seguem 4 poemas do livro inédito “sequer” e um texto de apresentação escrito para o livro, pelo poeta e editor Admir Demarchi.


Será?

por Ademir Demarchi

Este livro começa pelo preciosismo de seu título, o advérbio “sequer”, inusual sob esse aspecto, mas peculiar à linguagem poética que se expressa por enviesamento, por um desejo de deslocamento, logo de desconforto metafísico. Vem de um dos poemas assim intitulado, em que se assinala um débito constatativo, “Quantas esquinas/ sequer compreendidas.”, que perfaz uma espécie de balanço ao se atingir a idade dos quarenta anos: a idade avança mas o sinal dos desejos alcançados é de menos. Daí os versos “Esforço metafísico:/ em vão.”, a menos, porém suspensos de conclusividade pela dúvida que circula pelos poemas, como nos versos de “Aproximo”: “A denúncia/ do êxtase contesta:/ devo prosseguir até a última imanência?”

Essa é uma marca dos poemas, a imanência, como uma nuvem, que chove sobre eles o tempo todo e se exacerba no uso recorrente da interrogação expressiva que martela uma quantidade significativa de versos em todo o livro, suspendendo certezas e significativamente arrastando até Beckett para o texto: “Me calo e assisto:/ esperando Godot?”

Em última instância, o osso dessa metafísica que martela em cada interrogação é o clássico “página vazia” – “em busca de uma semântica”, ou seja, que do vazio existencial espelhado na página em branco se consiga escrever um poema, significando, metafisicamente, que ver o poema na página seria ver um rosto no poema – “hoje, imagem/ amanhã, o óbvio”.

No entanto, como um alívio, às vezes algumas janelas se abrem fora dessa chuva imanente e o eu lírico tenta se salvar pelo senso de humor, como no inspirado poema “Heráclito no restaurante”: “E o prato desejado/ ao chegar/ já era outro?”

Daí que, atravessado o deserto, resta a questão para o leitor, espera-se também que para o escritor: ao chegar ao final, lidos os poemas, será ele outro?


SEQUER

Quantas esquinas
sequer compreendidas.

Só agora,
no cume dos quarenta:
percebo.

Em derradeiros momentos
a ideia não supera a forma.

Teoria jogada num gabinete:
na gaveta da Memória.

Esforço metafísico:
em vão.

A vida acontece
logo ali.

Na praça
sensível:
das experiências?


HERÁCLITO NUM RESTAURANTE

E o prato desejado
ao chegar
já era outro?


APROXIMO

O vestido insinua segredos
do que permanece?

O corpo:
intacto e branco
esta rara simetria-carne

(entrelinhas de uma Mitologia)

que persigo
e arde.

Na página?
No sensível?
No caos?
No ventre?

A denúncia
do êxtase contesta:
devo prosseguir até a última imanência?

Me calo e assisto:
esperando Godot?
O próximo faz parte
do cosmos.


NÃO SE MATE II

Poeta, não se mate.
O verso é isso
que está vendo:

hoje, imagem
amanhã, o óbvio.

Inútil parar com tudo?
Recuar a lavra e a caneta?

Não se mate, poeta.
Guarde-se
para as críticas…

Se é que virão.

E as pessoas
que pensam
ser poetas?

Já estão aqui
em busca
da imagem perdida:

tal qual o zagueiro
fora de forma.

Sempre chegando
atrasado no lance
e expulsando-o
para fora do Belo.

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