4 Poemas de José Inácio Vieira de Melo

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José Inácio Vieira de Melo​ (1968), alagoano radicado na Bahia, é poeta, jornalista e produtor cultural. Publicou nove livros de poemas, dentre eles Sete (Rio de Janeiro: 7Letras, 2015), Entre a estrada e a estrela (Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2017), Garatujas selvagens (Cajazeiras: Arribaçã Editora, 2021). Publicou também as antologias 50 poemas escolhidos pelo autor (Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2011) e O galope de Ulisses (São Paulo: Editora Patuá, 2014). Conquistou alguns prêmios, dentre eles destacam-se o Prêmio O Capital 2005, com o livro A terceira Romaria, o Prêmio QUEM 2015, na categoria Literatura – Melhor Autor, com o livro Sete e o Prêmio de Poesia Hilda Hilst, da UBE/RJ 2022, com o livro Garatujas Selvagens. Tem poemas traduzidos para alemão, árabe, espanhol, finlandês, francês, inglês e italiano.


OFÍCIO

Cunhar abalos sísmicos,
eis o meu ofício.

Mergulho no sonho
e vou ao mais profundo
em busca do incriado.

E como é estranho
o luminoso minério
que surge assim precipitado.

Para não me cegar
com a ensimesmada joia,

que atravessa diamantes
numa onda de amálgamas
espelhados,

esfrego-a no corpo,
cautério que toca na alma
espalhando brasas.

E brotam versos vivos,
sorrisos suados,
lágrimas talhadas.


UNGUENTO

O poeta tira tua maquiagem
e escancara tua lepra
e mostra o quanto és fedorento.

O poeta te desavessa
te mostra por dentro
e revela o quanto és perebento.

Por isso que na entrada
da tua casa, da tua alma
essa placa bem transparente:

não há espaço para poetas
e essa coisa de poesia
é uma praga de gente vadia.

Mal sabes tu, que a poesia
é o unguento.

Muitas vezes abre feridas,
mas é só para extirpar
de vez o veneno.

A poesia é o bálsamo
que atravessa todos os tempos.


HABITAT

A minha voz é o cântaro
que enche as fronteiras
e ecoa nos píncaros da lua.

Finco o olhar nos instantes
e acredito na eternidade.

Sou um estrangeiro sem bússola,
mas a cada movimento que faço
estou sempre a ampliar espaços.

Eu sou minha casa
e tenho asas.



MURILOGRAMA EM FORMA DE TANDEM

Para Murilo Mendes

Condenado ao ergástulo,
Murilo Mendes entra em um silêncio normúfilo,
acendendo uma pordênula na porta da sua dor
e, calado, conversa convexas metáforas
com os vértices de uma absinto convercss.

Murilo Mendes busca, neste exato parêntesis
do pântano proparoxítono, o murilograma
que dê conta do drama da sua exata hora.

E na ágora de um pensamento,
os glamíferos lhe invadem e comem
a grama, alimento da solitária,
fera que lhe habita e dita palavras
que só existem a partir do agora,
deste jirtófelo momento,
quando a poesia surge e se impõe
em um idioma estrangeiro e verdadeiro
como o nome de Deus.

Murilo Mendes saboreia a hóstia da sua dor
e com resignação recebe vernáculos esdrúxulos
de um oráculo que não mais se importa
com o destino dos desatinados
e começa a criar labirintos,
xisdêrdalos dos dedos de Dédalo,
como a canéstrofa canastra,
antropófaga antropóloga de hipopótamos glaciais.

E, talvez, esteja justamente aí
todo o perclômeno que se estradaliza
na composição deste murilograma
em forma de Tandem.

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