4 Poemas de Patricia Peterle

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Patricia Peterle nasceu em São Paulo e cresceu no Rio de Janeiro. Atualmente mora em Florianópolis. É crítica literária, editora, tradutora de textos literários e filosóficos e professora de literatura italiana e comparada na Universidade Federal de Santa Catarina, atua também na Pós-graduação em Língua, Literatura e Cultura Italianas da Universidade de São Paulo. Tem Pós-doutorado em História pela UNESP e em Poesia Italiana pela Università di Genova.


***

Mão com mão,
um aperto de mão
de mãos dadas.

Aperto um pouco mais
sinto algo sei que está ali
porém não como antes
quando a trança dos dedos
fazia e se desfazia em seu gingar
pelas ruas de cidades
em diferentes latitudes.

Agora outro tempo em que
o pólen parece estéril.
As ruas não veem mais
seu gingar, agora mais
lento recluso em outro
espaço. Mas mão, talvez
ainda ela e também outra
continua ali – fenecendo –
e me pergunto até quando.

Frágil criatura andante
da força, ora, só lhe resta
a lembrança ou a cruel
esperança de voltar a tê-la.


***

Ainda hoje tenho a lembrança de sua casa.
por anos e anos sempre igual
No final, uma inusual mudança
quase tudo retomou seu lugar ou encontrou
um novo que se fez próprio e original.

Os mesmos móveis tapetes livros copos
a mesma coleção de The book of art
publicada na Inglaterra e impressa na Itália por Amilcare Pizzi
jogador de futebol e tipógrafo
dono da primeira máquina offset colorida daquele país.
Antes da guerra Grafitalia, depois Silvana Editoriale.
Todo objeto traz uma história própria que sobrevive a seus donos.

A infinita coleção de caixinhas de música
o rodopio nervoso da bailarina
as bonecas do mundo inteiro
hoje habitantes do Museu de Bonecas.

O gosto secular do almoço de domingo
quando a família, ora à mingua, enchia a sala.
A vitalidade estava no interior daquelas paredes
cadinho da infância debelado
rastros cheiros sobrevivem
cortam meu presente
como a carícia de uma navalha


Observações de um jardim

Pedaço de terra
um tanto de chão
plantas, flores, pás,
rastelos, divisores
e tudo mais.

Cuido, organizo
fica tudo arrumado
os olhos se deliciam
nessa matemática
verde irisada.

Mas outros tons
cismam em brotar,
movimentos imperceptíveis
invadem esse espaço
falando outra língua.
A matemática é ameaçada.
Já nas mãos os instrumentos
cirúrgicos para a reconfiguração
do desenho e traçado.

Mas de nada adianta.
O gene do artifício
não contém essa terra
viva. A contingência é
um fato a olhos nus.

Não se está sozinho.
Você está?

(o observador, eu sei e você sabe,
modifica o observado)


Outras presenças

Os vagalumes notívagos quando aparecem
são alerta para tudo o que acontece
nessa rua habitada por insólitas presenças
o joão de barro e sua longa jornada
os lagartos à espreita do perímetro enquanto
o tucano vermelho faz seu sobrevoo
na pitangueira passando com um rasante
pelo emaranhado de fios elétricos
a ritual vigilância da coruja-buraqueira
acompanha os besouros e grilos
o beija-flor e seu nervoso voo ao redor
das amareladas pencas do sapatinho de judia
o pontual e sincopado estardalhaço dos aracuãs
estridência desengonçada no anúncio da manhã


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