4 Poemas de Rodrigues de Senna

| |

Rodrigues de Senna nasceu em Teresina, capital do Piauí. É poeta, articulista e compositor (letrista). Autor dos livros, O sal do verbo (2017) e O exercicio da fala (2019), publicados pelo Clube de Autores.. É fã incondicional de Hq’s, MPB , Heavy Metal e da boa arte em geral. Atualmente reside em Palmas, capital do Tocantins, onde trabalha na área de publicidade.


VIBRA EM MEUS VERSOS ESTA VÍBORA

Vibra em meus versos
esta víbora.
Estas águas
este cheiro de oceanos.
A imagem ancestral
destes arcanos
a arrancar-me do peito
as suas fibras.
Vibra em meus versos
esta ira
de vocábulos sem datas.
Esta odisséia
naufragada
na garganta:
alegrias e tristezas
de quem canta.

Se este poema fosse
um bólido,
seria sólido.
Se fosse líquido,
seria lucro
ou algo a mais
do que o insólito.
Se este poema fosse
brecha,
seria fresta.
Se fosse branco,
seria mecha
ou algo a mais
no seu invólucro.
Se este poema fosse
um dígito,
seria um número.
Se fosse insano,
seria insumo,
mas não é isso
e nem aquilo.

Vibra em meus versos
este rosnado raivoso
de tigre ferido.
Esta coisa
que é
sem nunca ter sido
e que nunca se completa.

Vibra em meus versos
esta ferida aberta.


SEGREGAÇÃO

Abandonei-me à transgressão
do poema
e do fogo em meus lábios,
ao tecer
a tua ausência.

Doeu-me na carne
a falta dos teus gestos, o toque
das tuas mãos
inventando orgasmos: sêmens
segregando
segredos
na solidez
do silêncio.

Dentro de mim, um labirinto
se perdeu
nos corredores de quem fui.
Sobrou apenas
esse revérbero
ao reverso,
esse
poema torto, esse
escrever tenso.

Eu sou aquele
que quiseram em silêncio.


RUDE VERBUM

Já não me reconheço
na argila
de onde vim.
Nem na costela do Verbo,
esse,
que me cravou
na carnadura dos lábios
essa gramática
que assombra.
Porém,
é ela quem arrasto comigo
atada à língua.
É ela quem me açoita
e me assalta,
quem me afronta
e me abrasa
em fonemas
que me ruminam.

A quem entrego
este pássaro ferido?
E, com ele,
estas mãos
sujas de letras?

Sou eu os silenciados,
carne
da própria carne,
osso
do próprio osso.

Por mais que eu sue,
e sangre,
e ardendo busque
nas entranhas dos teus verbos
(não o que há
de amargo, mas
o que há
de doce)

sou para ti, ó palavra,
como se não fosse.


OFERTA

Todas essas lendas
que guardo
entre os dentes, feito pedras,
arrastam perdas,
palavras apócrifas.

E o que ecoa em mim
escoa como água em tua pele, alaga
os teus poros, escorre
em teus pelos, desarma
os teus cabelos.

Cada verso que te oferto,
oferto-o até o íntimo do ventre;
por isso,
a cada nervo, a ressoar
na ressaca do que intento, sobra
um átomo, um átimo
de silêncio.

Visto-me por dentro,
reverso-me; e,
pelo avesso, entrego-te
este corpo, este texto torto,
contorço
da palavra em seu esforço.

Recebe-o! É todo teu.
Até o osso.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!