6 Poemas de Ana Maria Rodrigues Oliveira

| |

Ana Maria Rodrigues Oliveira nasceu a 17 de Fevereiro de 1960, em Portugal, no Alto Alentejo no distrito de Portalegre e concelho de Castelo de Vide. Antes de completar um ano de idade foi com os pais viver na zona de Cascais e lá tem vivido desde então. É licenciada em Filosofia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e autora dos livros de poemas “Grito de liberdade” (2008) e “Espírito Guerreiro” (2014). Publica seus trabalhos em alguns espaços eletrônicos :

http://paula-esperar.blogspot.com/
https://devirquantico.blogspot.com/
https://www.facebook.com/poemofoto/?ref=hl


A Deformação dos Corpos

A acidez dos estômagos pronuncia uma antecâmara sombria
Onde a água escorre pelas paredes amolecidas pelas lágrimas dos deuses
Pelos excrementos dos dinossauros e pela retórica humana
Enquanto o fogo que consome as entranhas reage ao esmagamento
Da máscara de pânico e afrontamentos dos ricos de visão leviana

Subsistem os palácios sumptuosos e seus andarilhos em forma de espectros
Adoradores de poderios secadores de rios produtores de cancros
Dominadores da ralé que ignorante entre si se compra e vende
Pagando-se os corpos com mais ou menos dinheiro conforme a maré

A acidez que corrói os órgãos trabalha igualmente
Na tática agressiva das sociedades famintas de glória e eternidade
Em constante subida e desmoronamento
Porque os falantes têm memória curta
Cegueira perene e sem amor próprio
Baralham-se promíscuos com o gelo sujo dos meandros
Do pensamento económico de neurónios entrelaçados
Onde cada algoz puxa a corda para o seu poleiro
Deslizando no lameiro sobre os carris enferrujados

E sorri o eloquente qual palhaço do circo animando a malta
Nasce da discrepância a azáfama da informação manipulável
Ludibriando todos sem que lhe seja apontada uma falta
Entusiasmado com a vantagem competitiva temporária
Amealha pomposo o imbecil mercadoria descartável


Bofetadas Ocultas

Pressentem-se as criaturas quais insetos rastejantes
Acumuladores do capital de imundície
Afundam-se nas convulsões da pluralidade
De palavreado perturbador de linguagem manhosa
Inquisidor de deslizes crucificador de originalidades
Penalizando os impotentes numa desigualdade vergonhosa

Sentem-se as bofetadas invisíveis dos manipuladores de viroses
Como projéteis perfurantes que atravessam as vísceras
De quem trabalha para alimentar as bocas escancaradas de espanto
Perante os exploradores cobiçosos de negócios perfuradores de minas
Ladrões de ouro e sádicos na provocação de chacinas

E saltitam os benefícios para uma elite esperta sem ética
Perante um jogo financeiro que faz rir poucos
E provoca pela calada o suicídio a muitos
Neste matreiro e macabro xadrez entretenimento de loucos


Cinematografia do Contágio

Rasga-se o véu protetor e delicado que serve de porta fechada
Impedimento fantasioso da miscelânea em toada
Quando o reino da invisibilidade quebra o gelo desfaz-se em farelo
E assoma as garras negras à superfície que se torna desmazelada
Gozando com a ignorância contagiosa animal
E com a cegueira humana corrosiva que lhe é fatal

Os fornos agitam estridentes a tristeza dos submissos
Nas cidades silenciadas e asfixiadas pela ambição capitalista
Onde os sôfregos operam em palcos de ferro e aço
Escravizando humanos em catacumbas de betão
Inundadas de lágrimas onde as cordas enroladas em nós de forcas
Anunciam o vórtice trágico em implosão e inevitável embaraço

E nos recantos mais escondidos a virologia esgaravata para lá do portal
Misturando e decompondo rompendo e manipulando
Nas ruas nuas desertas de gente sem bem nem mal
Perante os pássaros que voam apregoando a liberdade
Enquanto os velhos se esvaem mirrados nos lares
Mascarados escondidos pela delinquente sociedade
Abandonados à sorte débil da sua aflitiva realidade

O surto incute o medo a ansiedade a claustrofobia
Revoltam-se os deuses da natureza e os seres violentos
Em dormente e autómata esquizofrenia
Tatuando as serpentes com mensagens de defuntos
Pois mastigam-se os ratos voadores da noite enluarada
Anunciadores de epidemias arrasadores de beleza e esperança
Pois as moléculas dançarinas gozam arrombando barreiras
Cavando sulcos homicidas nas gargantas cantoras
De ópera trágica cozinhada e fervida no turbilhão aceso da ganância


A revolta do Microcosmo

A insurreição do infinito provoca o choque em cadeia
Na vida banal dos estábulos e nos matadouros
Enquanto os omnívoros se alimentam insaciáveis por degustações
Mundanos caprichos deteriorados ignorantes e envaidecidos
Provocando o colapso das vidas humanas das sociedades
Que se vergam aos monstros de escalpes enraivecidos

Há um contentor a rebentar na imundície de selvajaria
Que devolve o troco embrulhado como presente
Na desastrosa e incontrolável pandemia
Enquanto os domínios se entranham e tocam
Copulam desenvergonhados e oportunistas sem freio nem medida
Explodindo com as finanças derrubando a frágil economia
E cada empresa vacila com a ameaça de trambolhão desfalque e falida

O submundo biológico compete com a fragilidade do esqueleto humano
E o flagelo instala-se sorridente em danças de Karma universal
Perante as momices imbecis de acumulação neurótica compulsiva
Treme a gastronomia capitalista enquanto o flagelo espreita matreiro
Mata dolorosamente os indigentes os sem abrigo
Os que nem para comer nem para a saúde têm dinheiro
Mas quem detém as esmeraldas o ouro os palácios e milionário é
Nas suas mansões longe da degradação dos ajuntamentos
Também se asfixia impotente nesta horrorosa e neutra vergasta maré


Transmutações

As moléculas deambulam traiçoeiras alargando o seu poder
Impregnado de potência maléfica rompendo barreiras no mundo humano
Perante saltos condicionados que anunciam a extinção da sociedade
Em contingente isolamento e uma carga explosiva no seio
Da seleção demográfica que derrapa na estatística anunciada

Na carência dos afetos criam-se rotas de colisão
Perante o estado de emergência que despe as nossas defesas
E as mãos tapam a boca abafando o grito em exaustão
Com a matemática desorientada na imprevisibilidade do lodaçal
No batimento desgovernado do nosso próprio coração
Encoberto pelo reator ao rubro da densidade populacional

Nos dicionários longe da fala dos indigentes
Nascem novas e pomposas palavras que baralho
E os erros ortográficos riem do meu desmazelo
Perante a onda de calor que me vulcaniza o corpo e a mente
Envolvendo indiferente a globalização que faz tiro ao alvo em diversão
De mutação rápida enquanto a memória permanece bloqueada

O esférico rola rebola salta desliza faz fintas
Sai de hospedeiro para outro num espirro em traçado zoonótico
Por entre a saliva em voo de transferência fatal
E o fantasma da pandemia sem vergonha olha-me fixamente
Procurando eu no enredo de amor uma luz em forma de sinal


Deslocações Interditadas

Estamos prisioneiros do estado de emergência
Onde se baralha o tempo sem alento
Com vigília a surgir de noite e o sono a agitar-se de dia
Bem faz o gato de raça comum europeu aconchegando-se ao sol
Estendendo-se preguiçoso no parapeito da janela
Comunicando o imperativo da meditação num fechar de olhos
Sonhando na normalidade inquieta da claustrofobia
Vigiando-me os passos os suspiros e o sentir que tudo tomba e asfixia

A gata siamesa salta-me para o colo e abraça-me os cabelos
Roubo o livro que ficou esquecido na estante
E sorvo de um trago o rio de palavras denunciadoras de um estado de coma
Que desperta para a vida em troca de outra alma que falece esquecida
Ouvindo o ronronar desinteressado volto até mim e abarco
Um lugar de corpos em definhamento sem refúgio nem sustento
Na contemporaneidade feita de ansiedades em insulações silenciadas
Na rutura de beijos e abraços por entre lágrimas dissimuladas

Os felinos serenos vêm deitar-se a meu lado como guardiões
Do mundo subtil de impercetíveis contaminações
Que me escapa do campo de visão por entre os dedos
Perante o elevado e assustador batimento cardíaco
Que se cola ao peso terrífico no peito tatuado de angústia
Então respiro fundo e aguardo os dias de solfejo
As ruas inundadas de coreografias sagradas de gente que dança
E hasteia em forma renovada de prece finalmente entre sorrisos
O brilho do farol por entre o cinzento nevoeiro em esperada aliança

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!