calí boreaz, nasceu em Portugal, onde estudou Direito, em Lisboa, em meio às noites de fado e flamenco. Viveu em Bucareste, na Romênia, onde estudou língua e literatura romena e tradução literária. No virar de 2009 para 2010, atravessa o Atlântico rumo ao sul para viver no Rio de Janeiro, onde se entrega ao estudo e ao ofício do teatro. Na literatura, traduziu do romeno os romances O regresso do hooligan [ed. ASA, Portugal], de Norman Manea, e Lisboa para sempre [ed. Thesaurus, Brasil], de Mihai Zamfir. Seu livro de estreia, outono azul a sul [ed. Urutau, Portugal & Brasil, 2018], é um relato poético do exílio e da clandestinidade, e tem posfácio de João Almino e desenhos de Edgar Duvivier e António Martins-Ferreira. calí integra a coleção Identidade vol. II da Amazon Kindle [2019] com o conto islandeses. Seus textos têm aparecido também em várias revistas literárias brasileiras, portuguesas e galegas, e em exposições como a Bienal Internacional de Arte de Gaia 2019, em Portugal, e o Hyderabad Literary Festival 2019, na Índia. Em 2020, lança seu segundo livro de poesia, tesserato, pela Caos & Letras. [casas virtuais: caliboreaz.com | instagram.com/caliboreaz]
clandestinos
em toda a impermanência
/ no açúcar violento do crepúsculo
na pétala final que pondero
na intenção desfeita do músculo
tombamos longamente
da berma espumaçada do rochedo
ao tecido seco da nuvem
quem de nós perfumou a Terra
da terra ao galho falho
da fogueira ao cometa
no giro anti-horário
da roda da bicicleta
intransitamos ao contrário
estremecemos extremos
a soprar a luz dos movimentos
e no seu transbordamento \
permanecemos
a alma pródiga
abri a janela
e a alma saiu-me por ela
doida nas cócegas do vento
evolando-se a alma
no vazio fiquei mais calma
livre de gesto e pensamento
fechei a janela
e foi quando a alma ficou atrás dela
vinda do vento da noite
bate no vidro alma
que se esse teu pavor me espalma
fico sem corpo que te acoite
não abro a janela
e exausta de bater nela
descarnada minha alma morre
calando-se a alma
agora nem o vazio me acalma
já nem lá fora o vento corre
por que abro a janela?
e todo o nada entra por ela
me arranhando a madrugada
e, lúcida, minha alma
lá dentro me sorri tão calma
e eu cá fora alucinada
oração ao nada
rebentam órbitas de olhos
e o respiramento dos mortos
há uma mesa posta
a desfazer-se nos rios
que correm sem parar à minha porta
convoco-me, e a sós comigo
surjo no espelho dos raios:
aconteço e não paro à minha porta
na impudência das horas olhos
feito zepelim sem ciência
embaralho a mesma vista sem fim, e
peço (pessimista) por novos
— não lugares —
olhares
história da tua enamorada
aqui,
bastantes graus mais a sul
sua vida girou na vitrola
soou esplêndida nas carícias
marítimas às madrugadas
azuis — ameaçadora suou
na azia dos últimos acordes
das mãos desacordadas
e assim,
no camarim dos dias
sem poder alcançar teu compasso
sem poder descansar teu cansaço
sem espaço sem ar — sem onda
ali,
bastantes degraus mais fundo
sua vida paralisou — o mundo aponta
porte ilegal de música
excesso de música no sangue
ao dirigir na avenida atlântica
#dia 24 | feliz aniversário
esta noite a Terra
demorará um segundo a mais
a dar a volta sobre si mesma
o pulmão da Terra
entregará um grama mais
de ar aos terráqueos
a água da Terra
adentrará em um milímetro
a incandescência
as falhas geológicas todas
causarão tremores
imperceptíveis
os genomas humanos
nascerão noutra ordem
durante toda a madrugada
e muito mais gente do que o normal
estará escutando Beethoven
ou Caetano
com aroma de café
ou chá de laranjeira
com os pés virados para as estrelas
em redes floridas
e eu só botei esse batom vermelho
pra marcar de beijo a lua
pra você ver
onde quer que você esteja
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