Clarissa Macedo (Salvador – BA), doutora em Literatura e Cultura, é escritora, revisora, professora e pesquisadora. Apresenta-se em eventos pelo Brasil e exterior. Integra coletâneas, revistas, blogs e sites. Publicou a plaquete O trem vermelho que partiu das cinzas (Pedra Palavra, 2014) e os livros Na pata do cavalo há sete abismos (Prêmio Nacional da Academia de Letras da Bahia, 7Letras, 2014; em 3ª reimpressão pela Penalux, 2019; e traduzido ao espanhol por Verónica Aranda, editorial Polibea, Madrid, 2017) e O nome do mapa e outros mitos de um tempo chamado aflição (Ofícios Terrestres, 2019). Integrou, em 2018, o Circuito de Escritores pelo Arte da Palavra, promovido pelo SESC. É curadora e mediadora do Sarau Som das Sílabas, idealizado por Gabriel Póvoas. Contato: [email protected] / clarissammacedo.blogspot.com
O Evangelho Segundo a Cotação do Dólar
para Nílson Galvão
o padre-pastor, que levanta a calça do menino com o novo testamento em punho, chora feito criança quando vê a cara do dízimo na bolsa de valores em ações da santa amada igreja que veta a prole do terceiro sexo, que treme o cajado na escola dominical e aperta o cinto que bateu na mulher em casa porque ela fez o café errado. deus, esse homem! me dá sua camisa de sangue, por favor, mediante boleto bancário, e ficarei curada da doença, da chaga, da dor do que ainda resta de mim, esse punhado de fantasia e fé que só teve da vida a rima da ilusão.
Atentado
a bomba de Hiroshima
já não serve
as bombas novas
marcham no país
e assustam esquinas
que me dilaceram
a máquina de soda
e batata frita
disputa créditos de um cartão
compra cifras e hemisférios:
pelo poder do sangue
de donald
um deus inventado
que santifica sua ira
pelo bem, do povo
do capital, amém, graças
Versículo
1º Evangelho do Capital, 1, 1º. não derramarás coca-cola em vão: / tomarás todo o néctar da garrafa não-reciclável; / não catarás os meninos e suas tampilhas, / ao risco de ser apedrejado / ante a primeira vitrine; / patrocínio do produto cuja etiqueta cobre o líquido do tiro perfurado.
Carnê
logo cedo a caminho do trabalho
olho a lista de coisas pregada na geladeira de 10 prestações que não foram pagas
a mesma que congela ovos e óvulos da casa
a mesma que assiste na tv a cidadã que reza,
corta e mata em nome da moral etc. e tal
e que aparece no outdoor da cidade – esse espelho de simulacros;
geladeira que congela, escorre,
que não refresca a água da casa onde vive quem uiva sem presas a lista de coisas
e a violência no coração seco do mundo
Adeus
Sempre cultivarei flores em seu nome.
Dentro dos pássaros e sua rota
há uma engrenagem de música e sangue
um murmúrio do preço e da margem.
Nas asas que carregam,
um muro imaginário.
Cultivarei flores de pólen de pistola em seu nome,
reza morta que ficou no ontem,
e desatarei o nó dessa saudade vencida
na sigla de um nome como “nação”
de um idioma como “democracia”.
Poemas do livro “O nome do mapa e outros mitos de um tempo chamado aflição”
Poeta porreta. Maravilhosa. Sou muito fã.
Gostei muito.