Dalila Teles Veras Nascida em Portugal, vive no Brasil desde a infância. Escritora, editora e ativista cultural. Publicou mais de duas dezenas de livros nos gêneros poesia, crônica e ensaio. tempo em fúria, 2019, a mulher antiga, 2017; SETENTA anos poemas leitores, poemas escolhidos por 70 leitores por ocasião dos seus 70 anos, 2016, solidões da memória, 2015 e estranhas formas de vida, 2013, os mais recentes, todos de poesia. Dentre outros, publicou dois livros reunindo crônicas publicadas na imprensa diária (A vida crônica e As artes do ofício) e dois diários (Minudências e Diuturnos). Dirige a Alpharrabio Livraria, Editora e Espaço Cultural, em Santo André – SP, desde 1992. Integra, pelo 4º mandato, o Comitê de Extensão e Cultura da UFABC (Universidade Federal do ABC), representando a comunidade externa.
[email protected] /
www.dalila.telesveras.nom.br
http://dalilatelesveras.blogspot.com/
sonho (re)corrente
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
– depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Naufrágio, Cecília Meireles
um rio, estreito e veloz
:
na superfície, aconchegada
(líquido conforto)
eu mesma, barco
nele navego
tudo é sensação e velocidade
as margens próximas
(quase tocáveis)
a paisagem borrada
(não há contemplação
nem há tempo)
corre o rio, corro com ele
rua lamacenta
agora, o rio
nítida, a paisagem
(desolação)
onde recomeça o rio?
muito distante daqui
dizem-me
sem mensurar distâncias
nem me olhar nos olhos
(“estranhas formas de vida”, Dobra/Alpharrabio Edições, 2015, SP)
vias oblíquas
depois que a mulher voejou
levando consigo a
claridade dos cômodos e
décadas coabitadas, o
marido, no escuro
ensimesmado
deixou o cabelo crescer, o
mato tomar conta dos
canteiros, o
pó cobrir móveis e assoalhos
sete luas após a mulher
levar consigo a sonoridade
da alcova, o marido
às claras e resoluto
reagiu
engaiolou dez pássaros e
registrou em cartório o
certificado de propriedade
dos novos moradores
(garantia do controle de vôos e
ingresso permanente a
concertos privados)
“estranhas formas de vida”, (Dobra/Alpharrabio Edições, 2015, SP)
o neto e o avô
lentos, seguem
os pequeninos pés
dos grandes pés ao lado
inseguros e próximos
em seu início o primeiro
o outro no seu final
sabem-se (?), ambos, reféns
da inexorável marcha e
(des)cuidados alheios
“estranhas formas de vida”, (Dobra/Alpharrabio Edições, 2015, SP)
Dois Poemas Inéditos, do livro ‘Tempo em Fuga”, a sair
ausência
teu nome bordado
enxuga-me o corpo
doído de ausência
o cheiro de sol
e gosto de alfazema
lembram
não mais agasalham
uma casa segue
teimosamente
igual, enganosamente
igual, sem a alma
nem as mãos que
um dia a arquitetaram
no vazio, a
evocação da presença
as marcas da presença
e a opressão dos objetos
sem o sentido original
plantas, móveis, louças
não mitigam saudades
nem preenchem
ausências
uma casa segue
teimosamente
à busca
de quem não mais
capacidade de abstração
ou pontos de vista
criança
pacientemente
acompanhava
o caminhar das formigas
lagartixas, lesmas
coisas e seres
rasteiros
o universo circunscrito
ao alcance da vista
sem metafísica ou subjetivismo
(conhecer era
concretamente
ver)
provecta
pelas nesgas permitidas
espia o firmamento
na cidade que o nega
desejos de amplidão
recria o que vê
escreve e projeta
além do visto
além do prazo
Eu conheço ahora bem mais.
poesias