Dinha (Maria Nilda de Carvalho Mota) é poeta, editora independente e pós doutoranda em Literatura e Sociedade, No Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. É autora dos livros De passagem mas não a passeio (2008), Onde escondemos o ouro (2013), Zero a zero – 15 poemas contra o genocídio da população negra (2015), Gado cortado em milprantos (2018) e Maria do Povo/María Pepe Pueblo (2019).
Aristides Diante da Hora
Diante da hora
O coração
Esfriou e endureceu.
Virou semente.
Plantado na terra quente
Do cemitério geral.
Um caroço de abacate ele virou.
Grande e potente.
Sem batimentos.
Sem gente.
Mas fértil.
Mais certo.
Como os cachorros
De olho no osso
não quiseram ver.
A expectativa era
Carne preta na terra
O banquete de vermes
………………………………..
Mas ele mumificou.
Paúra na Terra do Não
(Contra a sociedade do espetáculo)
O que ficou em mim
de zumbi
de mandela
de malote
cabe num pote
de uma loja de um real.
Entretanto é sempre assim
não cabe
num palco da Avenida Paulista
na arquibancada do Morumba
na torcida do Corinthians vazando do Itaquerão.
É que
subterrâneo como os cupins
– escondindins –
malote mandela zumbi
trabalham na terra do não
E na paúra o rei já sabe
ele sabe
é no auge do fogo da tarde
que nós vamos eclodir.
Do Alto do Fundo do Poço
O fundo do poço é gostoso:
Fazer anjinho de lama
Hidratar pele e cabelos
Olhar pro alto e ver a única
Saída que importa
Moscar um pouco.
Tomar banho e dormir.
Depois desse tempo só resta
Abrir o corpo em cruz
Escalar todo o recinto
Dar a nós a própria luz.
Do útero improvisado
Saímos como deve ser:
Ainda sujas do parto
mas com pele de bebê.
Moscas Apaixonadas
Se assustam com facilidade.
Um vento mais forte
e sacode
uma angústia tremenda:
………………………………..
Esse amor vale a pena
ou é apenas
spray de pimenta?
Pretérito Imperfeito
Ou: cantiga de se fazer gente
Entre as pernas do eu-menina
Desafio tão solene:
Ela vai mudar o mundo.
Ou
morrer adolescente.