5 Poemas de Douglas Laurindo

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Douglas Laurindo (Manaus-AM, 1998). Poeta, é professor de língua portuguesa, escreve, edita e se dedica à pesquisa. É autor de O limiar das fendas (Urutau, 2022).


O PRIMEIRO POEMA PARA O PRÍNCIPE DA VEZ

só se é capturado no afeto
Botho Strauss

Dois sóis alumiam
o que há de empoeirado dentro
do silêncio, do grão, do espaço
entre a areia que resguarda a concha
um instante antes de as tartarugas
chegarem às águas vivas

captura é a poética de quando
se atravessa um estado inteiro
em cima de uma bicicleta
com pneus resistentes às estradas
de um país fraturado

e que apesar disso há o som
a escolha e o desejo de assalto
quando de um atravessamento

longínquo


POEMA DE CINCO FACES

Quando nasci, um anjo padrão
desses de Instagram
disse: vai, mona! ser oprimida na vida.

As casas espiam os pais
que correm atrás dos filhos
antes de expulsá-los:
esse é o fato.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu poderia morrer
se sabias que poderia ser morto.

Mundo mundo vasto mundo
se eu não fosse bicha,
qual seria a revolução?

Eu não devia te dizer
mas esse chão
essa Like a Virgin
botam a gente vivo como o diabo.


VÊNUS DE WILLENDORF

A partir de Carla Diacov e para ela

a vênus de willendorf
por ter a capacidade aberta
ritualiza os poros fertiliza na vulva
a terra achada porque o excesso
mesmo com nódoas é para
a vênus de willendorf ter
valido

a especialidade da vênus
é parecer um artefato muito raro
de willendorf é o que apontam
os historiadores

a vênus de aparente gorro
pertence ao ritual e sua capacidade
é de esquivar-se da própria história
quando a fundo tentam dizê-la


ORAR SÃO

pai nosso que estais no céu,
tá osso
rogai por meus filhos
que sentem fome e frio
nem é preciso vir até nós
com todo o reino,
mas que seja feita,
só nessa época de vazante,
a vossa vontade,
assim na terra
como nos rios e igarapés
a macaxeira nos dai hoje,
perdoai as nossas descrenças
assim como a gente perdoa
o josé ladrão de bananeira
que me tem ofendido na igreja
e nos livrai de toda miséria
amém


[VINCENT SERPENTEIA O PESCOÇO]

Vincent serpenteia o pescoço
que sustenta a órbita. Alonga-o
como íbis que procura, nas zonas
inundadas, a seiva. Vincent não
liga se rala o próprio joelho no chão
de tijolos secos. Sustenta o seu fôlego
enquanto do cóccix se origina uma
agulha alaranjada que pinica, ouriça
e quase simula a piracema de um
grito. É que Vincent faz da língua
o verbo que arranca a neblina. Há
algo risível no modo como segura
a si mesmo entre a virilha de um homem
e uma pia sem cano.

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