5 Poemas de Fernanda Marra

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Fernanda Marra nasceu em 1981, em Goiânia. Autora dos livros de poemas “taipografia” (2019) e “furonofluxo” (2023). Tem poemas publicados nas revistas de literatura: Cult, Escamandro, Germina e Ermira, e contos publicados em antologias. Mestre em Letras e Linguística (UFG) e doutora em Teoria Literária (UnB), com pesquisa sobre a obra da poeta Alejandra Pizarnik. Estuda e pratica a clínica psicanalítica, é servidora pública e, sempre que pode, oferece cursos e oficinas de escrita.

# Poemas do livro furonofluxo (2023)


muda

um enxerto preenche renova restaura

incisão por dentro
naco de tecido estrangeiro
ferramenta exata

um enxerto é solvência
extirpação da gangrena
e acima de tudo coisa farta

se bem-feito molha
se descuidado engorda
se perfeito encharca


mulher-árvore

sendo ipê, a cabeleira não enche
o frio árido arde nas narinas
o tronco engrossa as flores
secam ao pé
de mim

sendo ipê, perdi os pés
aterro tentando aceitar os polos
que fazem meu corpo dis-
-junto buscar simultâneo
sol e solo

haviam me prometido
luz silente e farta
esperava um tapete de pétalas
                  uma colcha de estrume
dedos descobertos e nenhuma necessidade
nessa parte do ano
pretendia dormir

um dia quero ser um pé de ipê,
disse simples
e bebi de suas cores
adubando as raízes

um dia, disse, quero ser um pé de ipê
e inclinada para estancar
a sangria da seiva, caí com galho
ambiência fria
as perdas da copa

agora assisto à morte
das espécies delicadas
quando escolhi a mutação caducifólia
pensei só no viço e
agora aguardo no focinho a brisa amena
um dia, quero ser uma trepadeira


quebrar copos

quebrar copos como
procedimento para
não entornar o caldo
a evitação do óbvio
a veneração do falo

quebrar copos como
prosseguimento e contiguidade
sem tranco do punho
ao vidro e
estilhaço

quebrar copos como
apuro redução e compostagem
o fermento
fétido do desastre

quebrar copos como
quem recruta ao mosaico
reúne o que nunca fez
parte

como se perdoasse pela
opacidade agora
e na hora luminosa
do baque

como se relevasse
o polimento bruto
que fez do brilho
embaço

como se acordasse
pedindo água ar
ou talho
esperando
por quem raspa o fundo do requeijão
como se amas-
-sasse


rio

violência achocolatada
resvala e escolta
o tronco intransigente

rijeza dormente e alegre
reúne os membros
e deságua

corpo sem templo
a um só tempo
esbulho e paga


da natureza metálica

metal incandescente
não cobre
metal plutônico metal ardente
absconso na rocha que
previne o transbordamento no choque

metal in-
                     -can-
                                  -descente
sente a ponta na
perfuração da crosta a-
                                              -bafa
                            sopro sobre o magma
                           ígneo desígnio meta-
                           -mórfico

deixar que respire
ver como desloca
centro incendiado
cinza que descobre
faz jovem

metal incandescente
núcleo ígneo coisa mole
move-se pelas galerias
molda-se às oquedades

metal incandescente
rútilo visco
metal indecente
risco
que trans-
                 -borda nessa experiência de laboratório

metal incandescente
imagem inerte
da natureza pulsada
espelha a labareda
iridescente
                árvore prateada
massamorda

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