João Nunes Junior é poeta, escritor, roteirista e advogado. Nascido em São Gabriel (RS), hoje mora entre Porto Alegre e São Paulo, onde recentemente concluiu um curso de formação de roteirista. É formado em Direito e exerce a advocacia como forma de possibilitar a urgência e a necessidade de escrever, uma paixão-necessidade que o acompanha desde os 17 anos de idade quando, ainda fazendo versos rimados e ingênuos, criou um blog chamado Coisas de Fato. É autor de A Parte Viva da Noite, lançado em setembro de 2019 pela Diadorim Editora, cuja primeira tiragem já se encontra esgotado na editora. Também publica alguns poemas isolados em revistas literárias. Colabora com eventos literários em Porto Alegre, como a Festa Literária de Porto Alegre (RS), que neste ano realizaria sua 13ª edição, além de se aventurar, com frequência, na vontade de concluir seu primeiro romance.
cambalear
nenhuma tecnologia explica
nenhum artigo científico detalha
os motivos pelos quais alguns
amigos sentem uma forte vontade
de acender um cigarro quando
bebem café puro ou uma cerveja
ou porque eu que odeio cigarro
quero fumar porque chove e
a saudade é um cachorro de rua
dormindo sob um banco de praça
cheio de frestas e eu não posso
te beijar nem escrever um poema
romântico com o país desse jeito
muitos e muitos assuntos mais graves
assentando no fundo das horas
que eu atravesso de um lado para o outro
com o fantasma de um cigarro
aceso entre os dedos.
a caverna dos bares
(mais de 120 dias)
as catedrais mastigando, se alimentando dos próprios sinos
Nos banheiros os mictórios esperando os Duchamps que a alguma altura
da madruga com o antebraço apoiado nos azulejos miram com o jato
quente e sem cor as pedras de gelo e vão se desmanchando com elas
Nas portas, boceta, sonhos, asas quadras, me liga Paulo 99XX, não interessa,
esquece, desisti
Bibiana, corrente pro amor só se for aquelas pequeninhas
finas
de usar no pescoço
que as crianças cuidadosas trazem para dar
para as mamães
Engravida comigo, Luciana
E outras formas contando histórias que os peritos
Pretendem esperar arqueólogos mais experientes para arriscar
alguma leitura;
na calçada as pedras nostálgicas
pela falta da cinza, bitucas do cigarro, desejos
amarrados com arame
são sarjetas sem onda guardando no intestino embarcações esquecidas
e no salão, cadeiras sobre as mesas ajudando a poeira a pesar o suficiente
para que a saudade durma um pouco
enquanto nas casas os corpos zanzam
procurando os próprios donos.
capitalismo, são paulo, as armas
a revolução era aquilo mesmo:
os olhos tristes daquela senhora
na sacada regando as plantas.
dezessete de junho de 2020
noventa dias a questionar se o Sol é
ou se tudo não passa de uma miragem. O corpo
confuso zanza pelas lajes da esperança deserta
Noventa dias procurando nos bolsos
o manual
um isqueiro
os amigos, desertores dos bares, olhos enrugados
Noventa dias
Banho em bananas, maçãs, embalagens
dezessete garrafas de vinho
A solidão polida, lisa, escorregadia
um samba
apodrecendo
nos
ouvidos
Mensagens de WhatsApp queimam
na lareira?
O amor úmido
o pavor
O rosto nu apodrecendo
o vapor
os dedos como línguas
90 dias. Cartas
morrendo
na areia da praia
As portas
dançando
atrás do pano.
no espelho é domingo
os vizinhos fazem amor,
tu me dizes: se arrombarmos a porta
assaltarmos, roubarmos
o sentimento todo. Sairmos pelas ruas
nus
correndo, correndo até que as pernas
atinjam a frequência do ar. Flutuaremos,
e como balões suspensos
Assistiremos todas as luzes desabarem
aos poucos
como uma poça d’água
toma goles lentos, bem lentos, de sol
os vizinhos fazem amor e tu
recolhida no meu peito diz ter ouvido algo
entre as batidas do meu coração,
um idioma extinto, talvez, talvez um desenho
se desprendendo das cavernas
para dançar ao redor da grande fogueira
de um dia nascendo, lambendo-se
para tirar o sangue do próprio parto,
aqui, no Uruguai, em Buenos Aires:
um sol nascendo em todo lugar.
Os vizinhos fazendo amor e nós nus deitados
esperando a banda passar
para finalmente atravessarmos o Largo
Faz ovos mexidos com cebola
amanhã?
Sim
e suco de laranja?
– As laranjas estão murchas demais
os teus olhos espremidos
adoçam o que me resta do ar.
Mesmo esparramados não ocupamos inteiramente
o verbo que nos abriga.
Adorei todos os poemas!