Kissyan Castro (Barra do Corda/MA, 1979) é poeta e pesquisador maranhense, graduado em Letras pela Universidade Federal do Amapá e membro da Academia Barra-Cordense de Letras. Publicou Vau do Jaboque (CBJE, 2005), Bodas de Pedra (Chiado, 2013), Poesia Esparsa de Maranhão Sobrinho (360°, 2015), Rio Conjugal (Ética, 2016), O Estreito de Éden (Penalux, 2017) e Maranhão Sobrinho – O poeta maldito de Atenas (Penalux, 2019). Com participação nas coletâneas “Caleidoscópio” (Andross), “Além da Terra Além do Céu” (Chiado) “Babaçu Lâmina” (Patuá) e “Haicais e Tankas” (Persona), tem poemas publicados em vários sites, jornais e revistas eletrônicas, entre as quais Germina, Mallarmargens, Literatura & Fechadura, Quartetê, e Portal de Poesia Ibero-Americana.
cabeçalho
há dias em que é difícil carregar o sangue
tanta mobília e nenhum alarido
a vida mais parece uma debulha
a inibir o cômputo de pássaros
(o chão nos acompanha
como uma matilha aturdida
na garganta
o cadáver e os passos
sobre a grama depois)
o olhar mudo das cifras
arranha a eternidade cotidiana
com sua hierarquia líquida
há dias e dias e nenhum deles dura
uma braça um fluxo um cigarro
os búfalos da pele esbarram na noite mínima
espólios
um fêmur eufórico entre objetos espúrios
uma felicidade invertebrada
pejada de quintais eloquentes
livros
e uma rosa no prepúcio
árdua como girassóis mediúnicos
jaula
deus respira
por alheios
orifícios
mesmo seu nome
isento de vértebras
deus existe
de pés juntos
no alfabeto
o sangue bombeia
a flor mais íngreme
de suas mãos
tragédia
contar os dias
como quem desce
pela uretra
conter os anos
como quem volta
ao embrião
deixar a pátria
como quem morre
sem dias e ânus
mulheres inacabadas
1
o comportamento da luz tem no corpo
inúmeras paisagens
como a bigorna do sangue
a própria espessura espetada no silêncio
debaixo da luz por exemplo
o carbono perde sua fúria litúrgica
não escoa como os jardins
na obsessiva nervura dos séculos
o comportamento da luz só abriga
a luz quando em seu halo
dormem verdugos acariciáveis
(o comportamento da luz
tem suas próprias alimárias
nos orifícios do corpo)
não queira iludir-se domando janelas
e mais janelas não molestes o fonema
cumprindo seu plantio
o leito tem a mágoa de uma resma hedionda
nele as frutas têm som de peixes
e as águas falam para os dedos
a luz é íngreme
falta-lhe a marcenaria dos ritmos
e a digestão dos espelhos implícitos
a pressa com que se despe
segue o mesmo parâmetro das fábulas
(há litígio em escoltar fábulas?)
o comportamento da luz tem no corpo
inúmeras mulheres inacabadas
a inocência com sua geometria
de cavalos incircunscritos tem no sangue
o sabre de uma idade ancestral
2
há tempos em que na vagina
dormem semáforos
o coice da noite arranca um ramo da ilíaca
um coice enorme
com suas galerias audíveis
os semáforos
encobrem a musicalidade das artérias
a ilíada que vergasta a têmpora
a olaria dos músculos
nada segredam
a noite do corpo tem muitos pavimentos
sua órbita de água e arbusto percorre a sílaba
imensa sílaba no êmbolo de tuas coxas
hábil sílaba de muitos pássaros de ideias
de idades inquilinas
ajuntando frutas e bichos de graves embarcações
semáforos
vaginas
a noite do corpo tem muitos pavimentos
há tempos em que as noites são condomínios
penínsulas
há noites que caem nas repartições
no campo com seus cães sonolentos
urinando cartazes de campanhas perdidas
a sustém a mulher de sete punhaladas de luz
a mulher de labaredas de feno
e orifício de legumes
imaginar as coisas como mulheres profundas
cada coisa ocupada em sua rosa
bramindo suas rosas monetárias
sob a convulsão das ventas
(soquei o espelho e com os cacos compus maçãs
garfos
enigmas
o sangue é puro ofício
minhas mãos corrompem a livre demanda)
apalpo a abrupta respiração da noite
com minha torre de leite
e minha ogiva concêntrica
Que bela coleção de poemas, Kissyan! Neles, o inusitado, o rarefeito surge em cores fortes, em metáforas viscerais. Parabéns pelo teu trabalho singular na poesia brasileira.
parabéns POETA, belos versos criativos e DENSOS. Lobo Bruxo.